Projeto desenvolvido em São Paulo permite que crianças aprendam enquanto fazem tratamento contra câncer
Cerca de 270 estudantes fazem tratamento no hospital; pela 1ª vez, quatro deles prestarão Enem no próprio Graacc
"Vou aproveitar a recuperação no hospital [após um transplante de medula] para dar um gás nos estudos"Quando o câncer voltou eu fiquei assustado. Mas estamos aí, sempre lutando"Assim que ficar curado quero viajar o mundo. Quero ver de perto a arquitetura de Dubai! Arthur Francisco GaldinoEstudante do 3º ano do ensino médio pela escola móvel do Graacc
Apesar da pouca idade, o adolescente Arthur Francisco Andrade Galdino, 16, já tem um amplo currículo de superação: venceu duas doenças graves e está lutando para passar pela terceira.Ele ainda tem outro desafio: sair-se bem no Enem (Exame Nacional de Ensino Médio). Quer ser engenheiro civil, como sua mãe. Uma boa nota do Enem é pré-requisito para entrar na universidade.
Arthur está fazendo tratamento contra um sarcoma de Ewing, um tipo de câncer nos ossos, no Graac (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), em São Paulo.
Antes, ele venceu uma leucemia. No meio do caminho, teve mal de Chagas, uma infecção causada por um parasita, provavelmente contraída em alguma transfusão de sangue. A doença também foi vencida por Arthur.
É lá mesmo, no Graacc, que ele estuda, nas chamadas "escolas móveis", desde 2009. Ele chegou a voltar para a escola regular, mas teve de retornar ao hospital devido a um novo tratamento.
E é lá que o garoto fará o Enem. O exame será acompanhado por uma equipe do Ministério da Educação. Pela primeira vez, quatro jovens em tratamento --incluindo Arthur-- farão o exame juntos no Graacc. "Vou aproveitar a recuperação para dar um gás nos estudos."
Ele fará uma transfusão de medula óssea nas próximas semanas, antes de uma nova batelada de quimioterapia. Já foram 26 sessões até hoje.
As aulas da escola móvel acontecem até durante a químio, dependendo da disposição de cada estudante.
São como aulas particulares. O professor encontra o aluno e leva o material didático, que varia entre livros, brinquedos e tablets. Quase 270 alunos participam.
"Quando o aluno está na UTI usamos apenas o tablet, que é mais fácil de higienizar", explica Vanessa dos Santos Marques, 25, professora de português. Ela ensina oito crianças por semana.
APRENDENDO A LER
A escola móvel atende também os pequeninos. Alguns nem tiveram tempo de ir à escola. Caso de Pedro Alexsander Grandes Martins, 7, diagnosticado com meduloblastoma, um tipo grave de tumor cerebral, há três anos.
Quando a reportagem conversou com ele, Pedro fazia um desenho ao lado de uma professora na sala de espera de mais um procedimento. Ele está sendo alfabetizado.
A mãe dele, Elisandra Grandes Nunes, deixou o emprego em Manaus (AM), mudou-se para São Paulo e acompanha o filho nas aulas e nos procedimentos. Não desanima: "Ele é um lutador".
Quem também estuda no Graacc é Merycler de Alcântara Silva, 11, nove deles em tratamento contra leucemia linfoblástica aguda, câncer nas células brancas.
Agora que está curada, ela se prepara para frequentar a escola regular. "Quero ser médica quando crescer."
Professores precisam de formação específica
Docentes recebem aviso eletrônico quando alunos estão em tratamento
Vantagem do modelo é permitir inserção da criança mesmo durante tratamento, que leva em média três anos
"O tratamento de uma criança com câncer leva uma média de três anos. Nesse período, mesmo que não fique internada, a criança pode estar debilitada. É muito tempo para ficar fora da escola Amália CovicFísica com doutorado em educação e coordenadora de pós-graduação em atendimento escolar hospitalar da Unifesp (Universidade Federal de SP)
A vantagem do modelo de escola móvel do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) é garantir a inserção da criança na escola mesmo no processo de cura feito no hospital."O tratamento de câncer em crianças leva uma média de três anos. É muito tempo para ficar fora da escola", diz Amália Covic, coordenadora de uma pós-graduação em atendimento escolar hospitalar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Os alunos da pós, que dura dois anos, fazem residência no Graacc durante o curso com uma bolsa paga pela Petrobras, que apoia o projeto. Hoje, 50% do orçamento vem de empresas e de doações de pessoas físicas. A outra metade é do SUS (Sistema Único de Saúde).
De acordo com Covic, os professores que atuam no hospital precisam de uma formação específica porque o trabalho é bem diferente do que seria encontrado em uma sala de aula regular.
No hospital, o professor prepara a aula, ministra e tem de perceber a hora de parar. "O professor não tem sinal indicando que a aula acabou. O sinal é o limite do aluno."
São os professores também que procuram os alunos pelas alas do hospital -- eles recebem uma notificação eletrônica quando o paciente entra em algum procedimento.
Quase todos os 270 pacientes da instituição estudam. O projeto já atendeu mais de mil alunos desde que começou, em 2000.
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