A voz da rua não é a voz de Deus nem a voz da lógica
Ex-ministro diz que governo precisa mostrar liderança para convencer pessoas de que leva tempo para mudanças
O ex-ministro Delfim Netto faz um alerta: "A voz das ruas não é a voz de Deus".
Ele se refere aos protestos que sacudiram o país nas últimas semanas. Segundo ele, as manifestações são uma prova de que as prioridades dos governos estavam equivocadas, mas que agora é preciso "liderança política".
"O governo precisa mostrar liderança, porque o país está no limite", diz Delfim, referindo-se à inflação alta e ao deficit nas transações com o mundo. Para colunista daFolha, a saída é a presidente Dilma Rousseff usar a sua credibilidade para fazer um ajuste fiscal. "Tivemos truques demais [na área fiscal]."
Folha - Por que as pessoas foram às ruas?
Delfim Netto - É uma emergência. Alguns fenômenos vão ocorrendo aos poucos e, de repente, a acumulação provoca uma mudança qualitativa. São Paulo é um inferno, mas aos poucos as pessoas se convenceram de que a solução é impossível, porque não tem recursos. De repente, aparece recurso para fazer estádio.
O povo é muito sábio. Recurso não é dinheiro, mas cimento e ferro. O povo concluiu o seguinte: o cimento e o ferro que construíram o estádio são o cimento e o ferro que não construíram o metrô.
Mas há recursos para fazer mais metrô?
Claro que não. O problema é que as prioridades do governo não eram as que a sociedade desejava. A primeira reação do governo foi de susto e produziu uma esquizofrenia hiperativa. De repente, o Congresso aprova projetos parados há dez anos em quatro horas. Mas aprovou sonhos, ideias. Ou seja, nada será cumprido. Teremos de devolver racionalidade ao sistema.
Qual vai ser o resultado dessa esquizofrenia hiperativa?
Provavelmente vamos ter uma reforma política. O cerne da questão é se o financiamento de campanha deve ser público ou privado. Numa sociedade decente, quem pertence a um partido tem que colocar seu dinheiro para eleger seu deputado.
No Brasil, como não há controle, vai haver duplo financiamento. Não há nada mais conservador do que eleição financiada por governo, porque tende a reforçar a maioria do governo.
Por que não será possível cumprir as leis que foram aprovadas após os protestos?
Só é possível distribuir o que já foi produzido,ou tem que tomar emprestado. Chegamos ao limite. Estamos praticamente em pleno emprego e não podemos mais elevar o deficit em conta-corrente.
A voz da rua tem que ser educada a entender que pode escolher prioridades, mas que a soma das prioridades não pode ser maior do que o PIB.
Como queremos uma sociedade com liberdade individual, relativa igualdade e eficiência produtiva, é preciso escolher um mecanismo para atingir esses objetivos, que não são inteiramente conciliáveis. Esse mecanismo é o mercado e a urna. Se a urna exagera, o mercado vem corrigir. Se o mercado exagera, a urna corrige.
A educação é fundamental para que o eleitor saiba que vai ser atendido dentro de limitações. É fundamental para salvar não só a economia, mas a democracia.
Mas educar leva tempo, e a insatisfação das pessoas é imediata.
É uma questão de liderança política para convencer as pessoas de que leva tempo para as prioridades serem corrigidas.
O senhor vê na presidente Dilma essa liderança?
Não tenho dúvida. A presidente é uma mulher muito competente e séria, com desejo enorme de acertar.
Ela também vai escolher prioridades novas e entender que é preciso acelerar as concessões. Ela vai entender que, quando atende as condições do mercado, não está numa queda de braço.
Após as manifestações, os governos congelaram pedágios e tarifas. Isso vai atrapalhar os leilões de concessão?
Muito. Pioraram demais as condições de segurança jurídica das concessões. O prejuízo que o Brasil teve é imenso e contraditório com tudo o que queremos.
É por isso que eu digo: a voz da rua não é a voz de Deus. Também não é a voz da lógica. É um sinal amarelo para que façamos as as coisas corretamente.
O BC vem sinalizando que vai subir mais os juros. O senhor concorda?
O Banco Central já provou que sabe mais que o setor financeiro. Na minha opinião, Tombini [Alexandre Tombini, presidente do BC] cansou de ter esperança de que a política fiscal ajudasse no combate à inflação. O BC vai subir os juros até alcançar a meta, dentro de um horizonte de tempo de 15 ou 20 meses.
O senhor defende um ajuste fiscal rigoroso?
Tivemos truques demais. Destruímos coisas importantes. O transparente é esquecer os truques e anunciar um programa para um equilíbrio fiscal em quatro ou cinco anos.
A presidente tem credibilidade. Quando ela decide, enfrenta furacão. O sujeito que pensa que vai viajar de ônibus grátis tem que entender que vai pagar mais no feijão.
RAIO-X ANTONIO DELFIM NETTO
IDADE
85 anos
85 anos
OCUPAÇÃO
Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, sócio da Consultoria Ideias
Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, sócio da Consultoria Ideias
FORMAÇÃO
Economia (USP)
Economia (USP)
CARREIRA
Ministro da Fazenda (1967-1974); da Agricultura (1979); do Planejamento (1979-1985); deputado federal (1987-2007). Autor de vários livros
Ministro da Fazenda (1967-1974); da Agricultura (1979); do Planejamento (1979-1985); deputado federal (1987-2007). Autor de vários livros
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