Estudo indica que, quando precisam
escapar de um ambiente fechado, as pessoas tendem a seguir as outras e
buscar caminhos já conhecidos, mesmo que não sejam a melhor alternativa.
Especialistas ressaltam a importância de estratégias de prevenção
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 17/07/2013
No início do
mês, após cinco meses internada, Ritchieli Pedroso, de 19 anos, última
vítima do incêndio na boate Kiss que ainda estava internada, recebeu
alta. A tragédia, que deixou mais de 240 mortos e pelo menos 620 feridos
aconteceu na cidade gaúcha de Santa Maria em janeiro. A estudante teve a
felicidade de sobreviver não só à violência do fogo e à intoxicação
pela fumaça mas também de escapar do tumulto que se formou no local,
comportamento coletivo que aumenta ainda mais o risco de mortes em
desastres como esse.
Segundo o matemático Nikolai Bode e o biólogo
Edward Codling, pesquisadores da Universidade de Essex, no Reino Unido,
nas situações de pânico, o comportamento das massas pode ser mais letal
do que qualquer outro fator. Os dois afirmam isso baseados em um estudo
que realizaram recentemente, no qual 185 pessoas comandavam avatares em
um ambiente virtual. Na espécie de videogame, os participantes tentavam
salvar seus personagens, que, presos em um prédio, precisavam escapar de
ameaças que incluíam até zumbis.
Após analisar as decisões tomadas
pelos voluntários, Bode e Codling concluíram que as reações das pessoas
dependem de uma série de fatores, como o comportamento dos outros
envolvidos, a estrutura do ambiente e até mesmo experiências vivenciadas
anteriormente. O estudo verificou ainda que, sob pressão, tanto homens
como mulheres tendem a escolher as rotas familiares para escapar, ainda
que essas não sejam a melhor opção de saída.
“A tendência é que as
pessoas corram para onde a maioria vai. Infelizmente, às vezes, elas
correm rumo ao suicídio. Por isso, é importante que os estabelecimentos
forneçam informação contínua sobre saídas de emergência e onde elas
estão localizadas. Não apenas uma vez, mas diversas vezes”, confirma
Dickram Berberian, professor do Departamento de Engenharia da
Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Infrasolo Ltda., empresa
especializada em patologia de edificações.
Marcos Vargas Valentin,
mestre pela Faculdade de Arquitetura da USP e secretário do Grupo de
Segurança Contra Incêndio (GSI), diz que esse comportamento pode parecer
irracional para quem vê a situação de fora e sabe que há outras saídas.
“Entretanto, essas pessoas que estão tentando sair desconhecem as
outras saídas e têm aquela como a única disponível. Brigar por ela, em
vez de morrer queimado, por exemplo, parece uma escolha lógica. O pânico
ainda é muito confundido com comportamento de fuga”, explica o
especialista.
Várias entradas Para evitar que a
luta pela sobrevivência piore ainda mais a gravidade de um desastre, a
dupla da Universidade de Essex propõe que os locais tenham mais de uma
entrada. “Uma boate, por exemplo, pode dividir as pessoas em grupos e
fazer com que usem diversos acessos diferentes para entrar no local.
Assim, quando precisarem sair, elas procurarão diferentes rotas e não se
concentrarão apenas em uma”, sugere Bode.
Segundo o estudo dos
britânicos, outro fator que pode dificultar a saída da multidão é que,
dificilmente, as pessoas mudam de ideia sobre a melhor rota a seguir,
principalmente se estão sob grande pressão. Apenas um fator pode fazer
um indivíduo mudar de caminho, que é a aglomeração exagerada de pessoas
em um único ponto de saída. Mesmo assim, muitas vezes, um grande número
de pessoas acaba preso no aglomerado e não conseguem buscar outra rota.
De
acordo com o artigo The causes and prevention of crowd disasters (As
causas e a prevenção de desastres em multidões), publicado em 1993 pelo
especialista em análise de tráfico de pedestres John Fruin, um grupo de
sete pessoas concentrado em um metro quadrado é capaz de fazer com que a
multidão se comporte como uma massa fluida. A força das “ondas”
exercidas por elas é capaz de levantar uma pessoa do chão e arrastá-la
por 3m ou mais.
Evidências encontradas em grades de ferro de
ambientes onde ocorreram tragédias com multidões indicam que a força
exercida sobre elas foi de mais de 450kg. Segundo Fruin, há dois tipos
de reações em massa: a voo (flight) e a mania (craze). A primeira ocorre
quando os indivíduos vivenciam uma ameaça real ou iminente e é,
frequentemente, confundida com o pânico. No entanto, as pesquisas
mostram que se trata de uma reação racional diante das circunstâncias,
por vezes acompanhada de cooperação entre os indivíduos. “Não testamos
isso no nosso trabalho, mas outros pesquisadores encontraram
comportamentos cooperativos e até mesmo altruístas. Pessoas de grupos
sociais muito unidos, como famílias, tendem a ajudar uns aos outros”,
ressalta Bode.
Competição A outra reação comum
das multidões, mania, é uma debandada competitiva entre sujeitos que
desejam obter algum bem material. Um exemplo disso é o que ocorreu em
Bangcoc em 31 de julho de 1984. Durante um evento budista de caridade,
uma multidão de 3 mil pessoas ávidas por conseguir alimentos e roupas
causou uma confusão descomunal que terminou com 19 mortes. Em casos de
desespero total, muitas pessoas morrem ainda em pé. Isso ocorre porque
elas não conseguem respirar, já que os pulmões estão sendo pressionados
pela multidão.
A prevenção é fundamental, segundo os especialistas,
uma vez que, quando a situação foge ao controle, resta muito pouco a
fazer. Berberian lembra o incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, em
fevereiro de 1974, quando mais de 190 pessoas morreram e outras 300
ficaram feridas. Quando os helicópteros de resgate chegaram para
realizar o socorro, começou o empurra-empurra. “Todos queriam se salvar.
Então um policial teve que ameaçar as pessoas com uma arma, dizendo que
quem saísse da fila morreria. Isso salvou a vida de muita gente”, conta
o professor da UnB. Ele destaca que o Brasil ainda é carente quando se
fala em cultura de prevenção de desastres. Os exercícios de evacuação
não são frequentes, e há pouca informação para aumentar as chances de
sobrevivência, como se arrastar no chão para evitar os gases tóxicos de
incêndios ou distribuição de máscaras em locais fechados.
“Descobrimos
que é impressionante como as evacuações dependem do contexto. Por
exemplo, a evacuação de uma multidão de uma sala por uma porta pode ser
explicada por modelos de computador que simulam os indivíduos como
“partículas” que saltam fora de si e das paredes enquanto se deslocam
para fora. É cada vez mais claro que existem grandes diferenças de
comportamento entre os indivíduos. É a origem e a natureza dessas
diferenças durante as evacuações que estamos investigando.”
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