quarta-feira, 17 de julho de 2013

O medo e a multidão-Isabela de Oliveira‏

Estudo indica que, quando precisam escapar de um ambiente fechado, as pessoas tendem a seguir as outras e buscar caminhos já conhecidos, mesmo que não sejam a melhor alternativa. Especialistas ressaltam a importância de estratégias de prevenção 


Isabela de Oliveira

Estado de Minas: 17/07/2013 

No início do mês,  após cinco meses internada, Ritchieli Pedroso, de 19 anos, última vítima do incêndio na boate Kiss que ainda estava internada, recebeu alta. A tragédia, que deixou mais de 240 mortos e pelo menos 620 feridos aconteceu na cidade gaúcha de Santa Maria em janeiro. A estudante teve a felicidade de sobreviver não só à violência do fogo e à intoxicação pela fumaça mas também de escapar do tumulto que se formou no local, comportamento coletivo que aumenta ainda mais o risco de mortes em desastres como esse.


Segundo o matemático Nikolai Bode e o biólogo Edward Codling, pesquisadores da Universidade de Essex, no Reino Unido, nas situações de pânico, o comportamento das massas pode ser mais letal do que qualquer outro fator. Os dois afirmam isso baseados em um estudo que realizaram recentemente, no qual 185 pessoas comandavam avatares em um ambiente virtual. Na espécie de videogame, os participantes tentavam salvar seus personagens, que, presos em um prédio, precisavam escapar de ameaças que incluíam até zumbis.


Após analisar as decisões tomadas pelos voluntários, Bode e Codling concluíram que as reações das pessoas dependem de uma série de fatores, como o comportamento dos outros envolvidos, a estrutura do ambiente e até mesmo experiências vivenciadas anteriormente. O estudo verificou ainda que, sob pressão, tanto homens como mulheres tendem a escolher as rotas familiares para escapar, ainda que essas não sejam a melhor opção de saída. 


“A tendência é que as pessoas corram para onde a maioria vai. Infelizmente, às vezes, elas correm rumo ao suicídio. Por isso, é importante que os estabelecimentos forneçam informação contínua sobre saídas de emergência e onde elas estão localizadas. Não apenas uma vez, mas diversas vezes”, confirma Dickram Berberian, professor do Departamento de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Infrasolo Ltda., empresa especializada em patologia de edificações.


Marcos Vargas Valentin, mestre pela Faculdade de Arquitetura da USP e secretário do Grupo de Segurança Contra Incêndio (GSI), diz que esse comportamento pode parecer irracional para quem vê a situação de fora e sabe que há outras saídas. “Entretanto, essas pessoas que estão tentando sair desconhecem as outras saídas e têm aquela como a única disponível. Brigar por ela, em vez de morrer queimado, por exemplo, parece uma escolha lógica. O pânico ainda é muito confundido com comportamento de fuga”, explica o especialista.

Várias entradas Para evitar que a luta pela sobrevivência piore ainda mais a gravidade de um desastre, a dupla da Universidade de Essex propõe que os locais tenham mais de uma entrada. “Uma boate, por exemplo, pode dividir as pessoas em grupos e fazer com que usem diversos acessos diferentes para entrar no local. Assim, quando precisarem sair, elas procurarão diferentes rotas e não se concentrarão apenas em uma”, sugere Bode. 


Segundo o estudo dos britânicos, outro fator que pode dificultar a saída da multidão é que, dificilmente, as pessoas mudam de ideia sobre a melhor rota a seguir, principalmente se estão sob grande pressão. Apenas um fator pode fazer um indivíduo mudar de caminho, que é a aglomeração exagerada de pessoas em um único ponto de saída. Mesmo assim, muitas vezes, um grande número de pessoas acaba preso no aglomerado e não conseguem buscar outra rota.
De acordo com o artigo The causes and prevention of crowd disasters (As causas e a prevenção de desastres em multidões), publicado em 1993 pelo especialista em análise de tráfico de pedestres John Fruin, um grupo de sete pessoas concentrado em um metro quadrado é capaz de fazer com que a multidão se comporte como uma massa fluida. A força das “ondas” exercidas por elas é capaz de levantar uma pessoa do chão e arrastá-la por 3m ou mais. 


Evidências encontradas em grades de ferro de ambientes onde ocorreram tragédias com multidões indicam que a força exercida sobre elas foi de mais de 450kg. Segundo Fruin, há dois tipos de reações em massa: a voo (flight) e a mania (craze). A primeira ocorre quando os indivíduos vivenciam uma ameaça real ou iminente e é, frequentemente, confundida com o pânico. No entanto, as pesquisas mostram que se trata de uma reação racional diante das circunstâncias, por vezes acompanhada de cooperação entre os indivíduos. “Não testamos isso no nosso trabalho, mas outros pesquisadores encontraram comportamentos cooperativos e até mesmo altruístas. Pessoas de grupos sociais muito unidos, como famílias, tendem a ajudar uns aos outros”, ressalta Bode.

Competição A outra reação comum das multidões, mania, é uma debandada competitiva entre sujeitos que desejam obter algum bem material. Um exemplo disso é o que ocorreu em Bangcoc em 31 de julho de 1984. Durante um evento budista de caridade, uma multidão de 3 mil pessoas ávidas por conseguir alimentos e roupas causou uma confusão descomunal que terminou com 19 mortes. Em casos de desespero total, muitas pessoas morrem ainda em pé. Isso ocorre porque elas não conseguem respirar, já que os pulmões estão sendo pressionados pela multidão. 


A prevenção é fundamental, segundo os especialistas, uma vez que, quando a situação foge ao controle, resta muito pouco a fazer. Berberian lembra o incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, em fevereiro de 1974, quando mais de 190 pessoas morreram e outras 300 ficaram feridas. Quando os helicópteros de resgate chegaram para realizar o socorro, começou o empurra-empurra. “Todos queriam se salvar. Então um policial teve que ameaçar as pessoas com uma arma, dizendo que quem saísse da fila morreria. Isso salvou a vida de muita gente”, conta o professor da UnB. Ele destaca que o Brasil ainda é carente quando se fala em cultura de prevenção de desastres. Os exercícios de evacuação não são frequentes, e há pouca informação para aumentar as chances de sobrevivência, como se arrastar no chão para evitar os gases tóxicos de incêndios ou distribuição de máscaras em locais fechados. 


“Descobrimos que é impressionante como as evacuações dependem do contexto. Por exemplo, a evacuação de uma multidão de uma sala por uma porta pode ser explicada por modelos de computador que simulam os indivíduos como “partículas” que saltam fora de si e das paredes enquanto se deslocam para fora. É cada vez mais claro que existem grandes diferenças de comportamento entre os indivíduos. É a origem e a natureza dessas diferenças durante as evacuações que estamos investigando.” 

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