O caso do manifesto fantasma
RIO DE JANEIRO - Era uma mesa sobre biografias na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2007. Os participantes --Paulo Cesar de Araújo, Fernando Morais e eu-- já havíamos sido alvos de processos movidos por biografados ou por seus herdeiros contra nossos livros. O caso mais recente era o de Paulo César, que tivera sua biografia "Roberto Carlos em Detalhes" recolhida das livrarias.
Ao descrever o impertinente artigo 20 do Código Civil, que restringia a liberdade de expressão e impedia o Brasil de escrever sua história, houve momentos em que levantamos a plateia de quase 800 pessoas e parecia que dali poderia sair um movimento que o derrubasse. Alguém no público teve a ideia de gerar um documento a ser assinado pelos escritores presentes à Flip, entre os quais um Prêmio Nobel, e levá-lo ao Congresso Nacional, em Brasília.
E assim se fez. Folhas de caderno surgiram de repente e foram assinadas por nós e por todo o mundo à nossa volta. Outras seriam levadas aos sul-africanos J. M. Coetzee e Nadine Gordimer, o israelense Amós Oz, o americano Lawrence Wright, o inglês Robert Fisk, a egípcia Ahdaf Soueif, todos em Paraty. Da bancada, com o lindo painel da Flip atrás de nós, podíamos ver as folhas sendo brandidas lá embaixo com grande entusiasmo.
Foi a última vez que as vi. Alguém deve ter recolhido o abaixo-assinado, mas, se lhe deu o competente destino --mandá-lo para os deputados e senadores--, é um mistério. Horas depois de encerrada a mesa, tentei saber a quantas andava o manifesto, mas ninguém sabia onde estava ou com quem.
Se foi enriquecer a coleção de autógrafos de algum fã da literatura, ótimo. O fato é que, seis anos depois, cá estamos, empolgados, numa nova Flip. O manifesto continua sumido e, nós, biógrafos brasileiros, ainda sonhamos com o fim do bendito artigo.
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