Com Linda visitei Samambaia,
a casa de Lota em Petrópolis,
onde viveu com Elizabeth
Marina Colasanti
Estado de Minas: 15/08/2013
Como é possível sentir-se tão íntimo de alguém que
não se conheceu? Assim eu me perguntava ao assistir a Flores raras,
filme de Bruno Barreto sobre o amor que, durante mais de 10 anos, uniu a
brasileira Lota de Macedo Soares à poeta americana Elizabeth Bishop.
Nunca estive com uma ou outra. Entretanto, de maneiras distintas, elas
se tornaram presentes na minha vida. E assistindo ao filme, percebi que
não o olhava como um filme qualquer, nem como uma história bem contada,
mas como um álbum de retratos já familiar.
Lota me chegou por
dois caminhos. Na década de 1960, quando sugeriu a Carlos Lacerda a
criação de um parque no Aterro do Flamengo, e foi por ele chamada a
dirigir sua implantação, eu namorava um jovem engenheiro da prefeitura
lotado, justamente, nas obras do aterro. Durante muitos meses, %u201Co
terror do aterro%u201D, como era chamada em voz baixa, surgiu em nossas
conversas. Lota batia de frente com os engenheiros mais graduados,
ressentidos por terem que aceitar ordens de uma autodidata, e era
temível sargento para os mais jovens.
Mas o Rio e eu devemos a
Lota outro parque belíssimo, pelo qual raramente é lembrada. Foi ela
quem sugeriu a Carlos Lacerda a desapropriação do Parque Lage, para que
fosse transformado em centro cultural. A ideia de centro cultural era,
naquele momento, absolutamente inovadora, e seduziu o governador. Casa
da minha família onde morei durante muitos anos, o Parque Lage havia
sido vendido para Roberto Marinho, que hesitava entre construir ali um
condomínio ou um cemitério, hipóteses que colocariam em risco aquela
preciosa reserva de mata atlântica. Lota venceu, e embora a finalidade
do centro cultural fosse esquecida depois da queda de Lacerda, o parque
foi salvo.
Elizabeth chegou a mim por meio de uma bela amiga, a
mineira Linda Nemer. Foi com Linda que visitei Samambaia, a casa de Lota
em Petrópolis, onde viveu com Elizabeth e onde construiu um estúdio
para ela. Quando vi a casa no filme pensei imediatamente, não é essa.
Nem foi Lota a autora do projeto, como ali parece. Aquela onde fui
generosamente recebida por seus novos proprietários é um projeto de
Sergio Bernardes, à época moderníssimo, com estrutura e cobertura
metálicas, parede de pedra rústica %u2013 como no filme %u2013 e muito
vidro. A cobertura revelou-se problemática, fazia um barulho
ensurdecedor com a chuva e não deixava ninguém dormir. Sergio cobriu-a
de sapé, inventando mais uma novidade.
Num jantar nessa casa,
recebi um presente precioso como uma herança. Contei isso antes, mas as
coisas bonitas podem ser contadas mais de uma vez. Linda Nemer, herdeira
da casa de Elizabeth em Ouro Preto, me deu cerimonialmente as
abotoaduras de ouro com pequenos rubis que no passado Elizabeth havia
levado de presente para a poeta Marianne Moore e que, com a morte desta,
haviam voltado às mãos de Elizabeth. %u201CQue queres que eu te traga
do Brasil?%u201D, perguntara ela a Marianne, poeta mais velha e sua
mestra. %u201CQualquer coisa vermelha%u201D, respondera esta. Agora, os
pequenos rubis cercados de ouro cintilam comigo, presença viva das duas
poetas.
É um belo filme esse Flores raras. Narra com plena
delicadeza o amor entre duas mulheres raríssimas, e o esforço de ambas
para mantê-lo vivo apesar das circunstâncias e das diferenças tantas.
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