Ressurreição cósmica
Estudo afirma que objetos semelhantes a asteroides podem ser, na realidade, cometas adormecidos que voltam à atividade ao receberem uma carga maior de radiação
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 15/08/2013
Um dos milagres mais notórios narrados na Bíblia é a ressurreição de Lázaro. Morto, ele volta à vida após quatro dias de sepultamento. Para astrônomos da Universidade de Antitoquia, em Medellín, na Colômbia, há semelhança entre o personagem bíblico e alguns corpos celestes, que, depois de dados como mortos pela ciência, voltam a apresentar atividade. Os cometas de Lázaro, como foram batizados, ficam adormecidos numa região conhecida como Cinturão de Asteroides, localizada entre Marte e Júpiter. No entanto, basta que o Sol emita um pouquinho mais de energia para que eles voltem à vida. O fenômeno, dizem os pesquisadores, já ocorreu com pelo menos 12 objetos e pode mudar a ideia de que esses corpos surgiram apenas em pontos mais distantes do Sistema Solar.
Segundo o estudo, publicado na revista Monthly Notices Oxford, da Royal Astronomical Society, por estarem completamente inertes, esses cometas se passavam por asteroides. O astrônomo Ignacio Ferrin, no entanto, demonstrou que eles estavam apenas camuflados por anos de dormência. “Acredita-se que esse cinturão seja constituído por rochas que não chegaram a formar um planeta. Mas nós descobrimos que algumas delas rochas, na realidade, são cometas em sono profundo”, conta o cientista.
A descoberta impressiona, porque indica que cometas podem ter surgido na região entre Marte e Júpiter, que parecia não passar de um imenso depósito de pedras — ali, encontram-se mais ou menos 1 milhão de objetos que variam, em tamanho, de 1m a 800km. Até agora, os astrônomos acreditavam que os asteroides tinham duas origens possíveis: o Cinturão de Kuiper, situado além de Netuno, e a Nuvem de Oort, depois de Plutão.
A astrônoma e pesquisadora do Observatório Nacional Daniela Lazzaro, que não participou do novo estudo, conta que os Cometas de Lázaro começaram a ser descobertos em 2005 e muitas teorias foram desenvolvidas para tentar explicar sua origem (leia Para saber mais). “Os pesquisadores colombianos não descobriram esses cometas entre os asteroides. O trabalho é, na verdade, um modelo que sugere que eles não vieram de nenhum outro local, mas foram formados ali e permaneceram sem atividade até que uma aproximação maior ao Sol os fez despertar”, esclarece.
“Mais precisamente, descobrimos que algumas rochas podem mostrar comportamento de cometa. Alguns cientistas afirmam que eles vieram de outros cantos, até mesmo do Cinturão, mas não conseguiram provar. Isso pode significar que esses objetos podem ser naturais daquele ponto, ou seja, nasceram ali”, acrescenta Ferrin. Essa interpretação sugere, portanto, que, há milhões de anos, o Cinturão foi povoado por vários cometas ativos que envelheceram e tiveram suas atividades suspensas.
Diferenças Pierre Kaufmann, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, destaca que há muitas teorias que tentam explicar a existência do Cinturão. “Ele existe e pode representar um risco à Terra, já que alguns cometas saem do anel e passam muito perto daqui, podendo até mesmo a se chocar contra o nosso planeta”, afirma o pesquisador.
A diferença maior entre um asteroide e um cometa é que o primeiro não tem gelo em sua composição, e o outro costuma ocorrer em regiões mais afastadas do Sistema Solar. Quando se aproxima do Sol, o gelo do cometa é volatilizado, o que gera uma cauda brilhante. “Quando se afastam, ficam pouco intensos”, explica Kaufmann.
Segundo Daniela Lazzaro, os cometas podem ter desempenhado um papel muito mais importante do que agradar os olhos com os espetáculos celestes. “Segundo algumas teorias, nas fases iniciais de formação do Sistema Solar e da Terra, esses corpos teriam trazido água e material orgânico para o nosso planeta e, a partir daí, propiciado condições favoráveis para o posterior aparecimento da vida.”
Combinação de fatores A grande questão, contudo, é: o que faz esses corpos voltarem à vida? Para Lázaro, bastou um oração de Jesus. Para os cometas, uma forcinha a mais do Sol combinada com outros fatores. “O que se calcula é que um pequeno aumento na radiação do Sol pode fazê-los despertar. Isso ocorre aliado à combinação de efeitos de gravidade de Júpiter, que é muito denso e grande, com o campo gravitacional solar”, diz Kaufmann. Dessa forma, em determinadas circunstâncias, a distância entre o planeta, o Sol e os asteroides — entre eles os cometas disfarçados— diminui. Esse evento é chamado de periélio e resulta também em um discreto aumento na temperatura média desses corpos.
“O resultado é que esses objetos se aproximam mais do Sol, e isso é suficiente para que o gelo sujo sublime e eles virem cometa”, completa Kaufmann. Outra possibilidade, cogitada por Daniela Lazzaro, é a intensidade da atividade solar. “O Sol tem um ciclo que passa por fases mais e menos ativas. Isso poderia também ter alguma influência”, considera.
A brasileira destaca que sempre houve na comunidade científica um debate sobre o comportamento dos cometas. Para alguns, se eles passassem em torno do Sol muitas vezes, o gelo poderia acabar, e eles assumiriam a aparência de um asteroide. “Outra possibilidade é que, depois da sublimação repetida do gelo, a superfície seria coberta por uma crosta de poeira muito densa. Daí o cometa perderia a suas características e entraria em estado latente”, diz.
Ferrin admite que ainda há muito estudo pela frente. Afinal, toda investigação científica, ao responder algumas perguntas sobre o Universo, acaba criando muitas outras. Resta aos pesquisadores colombianos investigarem se há mais cometas passando despercebidos por não ostentarem as caudas brilhantes. “Nós esclarecemos o que aconteceu no Cinturão há milhares de anos. Mas também criamos novas perguntas: quando ocorreu o máximo de atividade? Quantos cometas adormecidos há realmente?”, exemplifica o autor.
Choque ou despertar?
Um dos casos mais interessantes de estudo sobre os cometas de Lázaro ocorreu há pouco menos de três anos. Em 11 de dezembro de 2010, o pesquisador Steve Larson, do Catalina Sky Survey, um programa de monitoramento do estado do Arizona, dos EUA, percebeu um brilho incomum em Scheila, um asteroide do Cinturão de Asteroides. Os pesquisadores cogitaram, na época, que o impacto de um asteroide menor teria sido responsável pelo
aparecimento das três caudas vistas no corpo.
Durante três meses, os pesquisadores observaram o astro com o Telescópio
Subaru (8,2m), o Telescópio Murikabushi (1,05m) e o Telescópio da Universidade
de Havaí (2,2m). Depois das análises, os pesquisadores concluíram que o fenômeno
se devia mesmo ao choque com outro objeto.
Segundo o pesquisador colombiano Ignacio Ferrin, autor do novo estudo, Scheila
é um dos 12 Cometas de Lázaro e, para ele, apenas o impacto não seria suficiente para
trazê-la à vida.
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