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sábado, 24 de agosto de 2013

Xico Sá

folha de são paulo

Carta a Ariano Suassuna

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Amigo torcedor, amigo secador, peço a devida licença, como faço em momentos especiais, para hoje me dirigir a um distinto cavaleiro do reino de dom Sebastião e de Dom Pedro Diniz Quaderna, igualmente doido de pedra por futebol como nós todos, pé quente qual um descobridor de tesouros na Ilha do Retiro, cujo ilhéu da vizinha Ilha do Leite respeita e reconhece de longe, um menino de 87 anos, Sport Recife desde a Paraíba, contador de histórias na linhagem de Robert Louis Stevenson e tantos aventureiros, um gênio brasileiro, às vezes incompreendido mas nunca ilhado, uma salva de palmas e tiros de bacamarte para Ariano Suassuna.
Quis o destino que o autor de "O Santo e a Porca" estivesse justamente ali, agora, no meio das tantas ilhas da Veneza Americana, internado no Real Hospital Português, depois de um infarto nesta semana.
Graças a Deus o Sport joga hoje fora, muito longe, em Curitiba, contra o Paraná. Fosse a peleja naquele sítio, à beira do leito de recuperação, Suassuna surgiria, na beca, no vermelho mais Sthendal e no negro mais Zumbi, para gáudio da galera que o tem em alta conta, estima e consideração clubística.
O genialíssimo Hermilo Borba Filho, seu amigo, que se dane lá no seu purgatoriozinho que dá de dez a zero em Palmares, o paraíso natal dele. Nem adianta ficar mandando tentadoras pulhas do outro mundo.
Tens que ficar é aqui com a gente, Ariano, para ganhar a Copa Sul--Americana e subir para o lugar de onde nunca deveria ter despencado. Vai te arrombar, Velha da Foice, deixa o homem acabar seu novo livro --reparaste no pensamento egoísta do leitor que considera o "Romance d'A Pedra do Reino" o nosso Quixote e só pensa na nova obra! Magote de cabra safado!
O Sport sobe, amigo, sem dúvida. Após aquela camisa em tua homenagem, então, se não subir é muita falta de vergonha na cara. Tem que mandar o elenco todo amassar barro e queimar caieras de tijolos Taperoá adentro. Os boleiros têm que ler nem que seja os dizeres da tua lavra, escritos no manto de glórias.
E chega de susto, meu velho, basta o rebuliço que nos causou o escritor Raimundo Carrero, outro clássico cosmo-sertanejo, o autor mais russo do Brasil hoje, igualmente do vermelho e do negro. Aqui lendo esculhambações e aventuras do Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, me despeço, morrendo de rir, como sempre, minha única e possível forma de rezar e tomar cachaça com Deus.
Sim, Ariano, soubeste do lançamento do livro de outro grande amigo comum, Samarone Lima? Escreveu, com Inácio França, "A Trilogia das Cores", o primeiro volume com as crônicas do Blog do Santinha, editado lá na Inglaterra. Depois te conto essa grande história. Um abraço do fundo d'alma sertaneja, com admiração e votos de um levante ligeiro, teu admirador Francisco.
@xicosa
Xico Sá
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

sábado, 17 de agosto de 2013

Hitchcock no Morumbi - Xico Sá

folha de são paulo

Hitchcock no Morumbi

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Amigo torcedor, amigo secador, o Brasileirão, quase sempre entediante até a reta final, chega a agosto, o mês do cachorro louco, apresentando um suspense digno de filme de Alfred Hitchcock. Na sua 15ª de 38 rodadas, um espectro ronda o Morumbi e a prosa dos botequins: o rebaixamento do São Paulo.
Cai ou não cai?
O corvo Edgar, minha agourenta ave que representa os secadores, está eufórico. É a pior campanha entre rebaixados das últimas temporadas. Ele vibra. Peço calma ao estimado bicho. Ainda é cedo, amor, ironizo. O lazarento não dá bola. Eis a obsessão do miserável neste 2013.
Com um belo repertório de filmes de terror e suspense, afinal todo corvo é parente da ave assombrada do poema de Edgar A. Poe, Edgar sacaneia o técnico Paulo Autuori: "Chegou no papel de 'O Homem que Sabia Demais' e logo se revelou 'O Homem Errado'", diz, retomando a lista de filmes do Hitchcock.
O agourento toca o terror como na invasão, inclusive de corvos, de "Os Pássaros", outra fita do mestre do cinema. Calma, ainda estamos na 15ª rodada. O tricolor enfrenta amanhã o Flamengo, no estádio Mané Garrincha, em Brasília.
O momento do São Paulo é tão negativo que o zagueiro rubro-negro Wallace chegou a comparar um triunfo do time carioca com o ato de bater em bêbado. Embora não tenha sido em tom de provocação, a fala do beque da Gávea pode atiçar os ânimos da equipe de Rogério.
O corvo, aqui no ombro qual um repetitivo papagaio de pirata, não amacia: "Se o campeonato fosse um filme do Hitchcock para os tricolores, estimado cronista, o cartaz do Morumbi seria 'O Corpo que Cai'", sapeca, com a sua habitual irresponsabilidade secadora.
E sai o agourento com a sua interminável resenha de terror. Lembra que o momento para a torcida não chegou no auge de "Psicose". Não deixaria fora da sua provocação barata, embora com essa capa chique hitchcockiana, a ansiedade permanente dos são-paulinos pelo nome de Muricy Ramalho. "Eis a eterna 'Trama Macabra'", cita mais um filme. "Mais dias menos dias recorrem ao homem, que vai rejeitar o papel de salvador na história".
Se fosse apostar no botequim, jogaria minhas fichas na permanência do tricolor na elite. O elenco não é forte o suficiente para títulos, mas não tem perfil de queda. Temos aí um Náutico, uma Portuguesa, um preocupante Santos...
O suspense para o lado do Morumbi, no entanto, é real. Veio cedo demais para a histeria do meu corvo e o desespero da torcida. Bom para matar o tédio que costuma contaminar o Brasileirão a essa altura.
Na parte positiva, quem tem dito um retumbante "xô, pasmaceira" é o time do Botafogo, com a sabedoria do Seedorf, o holandês voador, e o poder ultrajovem de Vitinho. Melhor equipe não apenas na pontuação. Melhor em tudo até agora.
Xico Sá
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

sábado, 10 de agosto de 2013

Tal pai, tal time - Xico Sá

folha de são paulo
No geral, seja onde for, a resistência paterna é grande. É desgostoso. Pai Bahia, filho Vitória
Amigo torcedor, amigo secador, o pior desgosto de um pai que é doente por futebol é ver o filho trair a sucessão clubística. Uma loucura. Pai são-paulino, filho corintiano. Pai Fla, filho Flu, como veremos no primeiro clássico do gênero amanhã no Maraca.
Perder esse jogo caseiro é uma tragédia grega para muitos.
Acontece até com os herdeiros da família real da Inglaterra. Menos em Barcelona e no Recife. Exagero à parte, são duas cidades que se negam, no geral --e até com algum folclore--, a este tipo de acontecimento. "Você está maluco, isso é impossível em toda a Catalunha", me diz aqui no Rio o colega Pau Ramirez, Paulo em terras cariocas, para evitar a piada pronta e tomar o seu chope em paz.
Paulo trabalha como correspondente de emissoras de rádio espanholas e escreve para o site daquele time grená que me recuso a pronunciar o nome depois do amistoso com o Santos. Uma das coisas que mais chamam a atenção do rapaz é essa "permissividade" clubística entre pais e filhos. O catalão tenta entender. Não consegue. Mesmo. É muita sacanagem tropical para o seu jeito de ver a vida.
Um pai rubro-negro do Recife diria o mesmo: ter um filho torcedor da "minhoca" é motivo para deserdá-lo. Minhoca é o pejorativo da "cobrinha", o Santa Cruz. Um rebento fã da "cachorra de peruca"? Deus o livre, diria um pai tricolor. Donde cachorra vem a ser, obviamente, o Leão da Ilha do Retiro. E assim segue o jogo dos bichos.
No geral, seja onde for, a resistência paterna é grande. É desgostoso. Pai Bahia, filho Vitória. Pai Raposa, filho Galo. Neste caso vale para Atlético x Cruzeiro e também serve em um dos clássicos mais quentes do país, o Campinense x Treze. Paissandu, filho Remo. Nem no Círio de Nazaré é recomendável!
Pior é perder a guerra clubística para o sucessor de fato, o novo marido da mulher. Casal se separa com o filho ainda indeciso... Vem o amigo urso e leva o pivete, com sangue italiano, a torcer pelo Corinthians. Aí é tomar cuidado para que o caso não pare no Datena. Calma, é do jogo, tente entender que menino é um bicho oportunista, ama torcer pelo time que está no auge.
Vai ver ficou impressionado com a Libertadores e com o efeito Tóquio. Acontece nas melhores famílias paulistanas. Eu disse calma, violência, calma, como na música do Fagner, tricolor do Pici e das Laranjeiras.
Agora, silêncio. Rute não tem um ano sequer de vida. Dorme inocentemente a essa hora. Bairro das Graças, Recife. O pai, Beto Azoubel, é Sport. Poly Camarotti, a mãe, Santa Cruz. Não é uma mãe qualquer: morre de amores pelo santinha. Suspense. Será que vai torcer pelo Náutico, para evitar maiores refregas e reduzir o drama caseiro? Eis o belo embate. Em nome desta (ainda) silenciosa dúvida, feliz dia dos pais a todos.

    sábado, 3 de agosto de 2013

    O dia que Deus apagou - Xico Sá

    folha de são paulo

    O dia que Deus apagou


     
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    Amigo torcedor, amigo secador, óbvio que Deus, como não quer nada, deu um migué no calendário e arrancou a folhinha de ontem, o maldito 2 de agosto.
    Até um crente fuleiro como este cronista, que só clama pelo Homem na hora do desespero e da turbulência, sabe que era sexta e o Criador, qual um deputado que não ouve o bafo quente das ruas no cangote, eliminou tal expediente.
    Mal o mês do cachorro louco começou e já vimos quanta desgraça. Não à toa, é o 2 de agosto que ficou na história, na sua edição 1934, como o ano em que o babaca do Adolf Hitler se torna "führer", líder do estadão das coisas alemãs. A Primeira Guerra também é de agosto, um dia antes, o primeiro.
    Sentiu o drama, meu velho. Donde chegamos à conclusão que esse 2 de agosto nunca foi nem nunca será. Ilusão. Nunca existiu. Você se lembra do que aconteceu ontem? Nada. Um dia qualquer. Trânsito, chateação, o mala do chefe, algum desencontro, o amor emperrado, no máximo uma bela brochada ou broxada ""não custa sempre lembrar que os dicionários admitem o fracasso seja com "ch" do gênio e xará Buarque ou "x" de Xico mesmo.
    Sou capaz de provar, amigo, que esta sexta não existiu, não houve, nem nunca haverá. O garçom cearense aqui, no bar e restaurante Príncipe de Mônaco, Copacabana, é testemunha. Era quinta-feira até pelo menos 18h da fatídica sexta.
    O homem de fé tem ou deveria ter esse poder. O de parar o tempo. Como Deus fosse um juiz do basquete. Um favorável: só conta o tempo em que estamos com a bola toda.
    Amigo, o torcedor ou o simpatizante santista não merecia este 2 de agosto. Esta folhinha não existiu, caiu muitos outonos atrás. Antes aquele 7x1 para o Corinthians, eternamente humilhado pelo Peixe na história, antes cinco do Palmeiras, que a gente sempre desconta. Quem dera perder de dez pro São Paulo, chance não falta de retribuí-lo.
    Era feliz naquele dezembro fatídico de 2011, o bendito 4x0, e não sabia, meu caro. Se eu contar uma infeliz coincidência você não acredita. Sabe quem me apareceu do nada? A mesma mulher linda da manhã daquele jogo no Oriente contra o mesmo miserable Barcelona. Nem juntei as coisas. A mesmíssima cria da minha costela. Desalmada!
    Mas quer saber? É tão gostosa e o Santos já ganhou tudo e tanto e quanto foi preciso na existência que arrisco com ela até um terceiro Mundial de Clubes. Bora, nega. Mulher aqui em casa nunca é pé-frio. Azar é não tê-la! Não te troco por nenhum torneio caça-níquel.
    Uma força pra danada, que agora chega bonito no ombro do velho cronista como se tivesse culpa, a deusa das coincidências, tem culpa todo mundo, tem culpa eu, tem culpa meu Peixe, quem manda achar que viver é amistoso. Viver é tudo à vera, vale o jogo, por supuesto.
    @xicosa
    Xico Sá
    Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

    sábado, 27 de julho de 2013

    Xico Sá

    folha de são paulo
    Carta aberta ao Cuca
    Sim, é possível ser mineiro e fundamentalista ao mesmo tempo, desde que seja, eu acredito, alvinegro
    Amigo torcedor, amigo secador, peço a devida licença, como sempre acontece nos momentos especiais do esporte, para me dirigir a um só camarada, somente uma criatura nesta semana de Missa do Galo antecipada, um cristão simplesmente no meio da legião de mineiros fundamentalistas.
    Sim, é possível, por mais incrível que pareça, ser mineiro e fundamentalista ao mesmo tempo, desde que seja, eu acredito, alvinegro, inconfidente, Libertas Quae Sera Tamen, Libertadores da América.
    Peço a devida licença, repito, para me dirigir ao Cuca, o cidadão Alexi Stival, curitibano, tido e havido como um homem azarado, mesmo que, passando a régua nos números e nas sensações, tenha feito milagres com o Goiás, com o Fluminense e, por razões estéticas, com um Botafogo que jogou mais bonito do que as lutas ferrenhas nos romances de capa e espada.
    Nesta fase, os idiotas da objetividade, como me lembra o tio Nelson, te pregaram na cruz com o martelo da ignorância. Os bons ladrões da arbitragem, nada bíblicos, ajudaram a te imobilizar, não como injustiçado, mas como um chorão nato. Injustiça prego a prego, bem sabes.
    Como me dizia o doutor Sócrates, nos nossos diálogos platônicos na madruga paulistana: "Esse sabe o jogo". Era o maior elogio que saia da boca do doutor, meu guia, meu guru, o amigo que me ensinou que a vida não cabe na prancheta. A vida é sempre mais escorregadia e amante do acaso do que qualquer fiel marido cerebral imagina.
    Caro Cuca, na semana do papa em terras brasileiras, na semana em que nevou nos trópicos, na semana em que todos duvidavam --menos os atleticanos--, na semana em que morreu Djalma Santos, conquistastes não um título, conquistastes a liberdade, mesmo que tardia, do maldito estigma, logo tu, crente até as últimas consequências, logo tu que conheces dos mistérios dos cruéis diagnósticos desde a morte do pai, amém.
    Tudo é possível, no Galo, o homem pode tudo, porque o galo é a metáfora penada, penosa, penitente, do poder e também da humildade, o mundo coberto de penas como nas vidas secas do romance de Graciliano Ramos.
    Daqui por diante, Cuca, diga como um gênio da poesia, diga como no poema de Walt Whitman, um americano gente simples, pés descalços, um torcedor do Galo mesmo antes de o Galo ter nascido. Ele dizia, depois de muita merda na sua vida: "Daqui por diante não digo mais boa sorte, boa sorte sou eu".

    sábado, 20 de julho de 2013

    Crise no Morumbi - Xico Sá

    folha de são paulo
    Amigo torcedor, amigo secador, o São Paulo Futebol Clube, o soberano, cujo pecado capital sempre foi a soberba, vive a pior crise do século. Nove jogos sem um triunfo, desentendimentos públicos, um presidente digno dos melhores momentos de "O Bem Amado" e um ídolo, incontestável pelo conjunto da obra, que vive o seu inevitável crepúsculo.
    Para completar o cenário trágico, o tricolor paulista assiste, de camarote VIP, à consolidação do Corinthians, o principal rival, como a casa que hoje possui todas as qualidades sempre muito caras e prezadas no Morumbi: modernidade administrativa, marketing agressivo, planejamento e um time que ganhou tudo, inclusive a Recopa justamente em cima da equipe do Rogério.
    Não que a situação inspire o sentimento da inveja, para continuarmos, em homenagem ao papa Francisco --grande torcedor do corvo San Lorenzo--, a brincar com os pecados capitais. Um são-paulino jamais invejaria um corintiano e vice-versa. Mesmo sabendo ser a inveja o mais escorregadio, guardado e misterioso item da tábua pecaminosa.
    Falta de gula em campo. Esta aí o que vemos no clube de Juvenal Juvêncio, um Vicente Matheus burguês que empresta ao outrora moderníssimo SPFC um jeitão Sucupira de ser. Sucupira, meus queridos sobrinhos, era a cidade nem tão fictícia assim de "O Bem Amado".
    Como não torço pelo São Paulo, confesso: Juvenal, assim como aquele slogan da rede Luiz Severiano de cinema, é a maior diversão. O corvo Edgar, minha agourenta ave futebolística, vibra quando o presidente tricolor aparece com suas tiradas.
    Crise no Morumbi. O corvo comete o pecado da luxúria: estoura uma champanhe. Calma, lazarento, seguro o bicho, afinal ele não representa a minha pessoa física.
    Orgulho ferido, Ceni, na rádio ESPN, disse estar 100% fisicamente. Rebatia o diretor de futebol Adalberto Baptista, tão maldoso quanto Edgar no poleiro. É difícil, principalmente para um grande ídolo, parar.
    Ao crepúsculo e com muito saldo histórico, o 1 do tricolor sapeca: o São Paulo parou no tempo. Nada mais sensato. Belo diagnóstico. Só não entendeu quem não quis. O time perdeu seu vanguardismo e paga de Carolina, aquela do Chico. O tempo passou na janela e só ela não viu.
    Crise na Juvenolândia. É a manchete. Na massa, no entanto, desculpe meu populismo, o tricolor se reconstrói. Um clube que nasceu de uma costela da elite paulistana e deve hoje sua força ao processo de proletarização da arquibancada.
    Por falar nisso, a torcida promete protesto no estádio. É a sintonia com as ruas. O agito pode mexer também com os jogadores.
    Particularmente torço para ver de novo o futebol do Ganso, o distinto e elegante craque que se perdeu mais ainda em meio a uma crise sem precedentes na frieza do Morumba.
    @xicosa
    Xico Sá
    Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

    sábado, 13 de julho de 2013

    Xico Sá

    folha de são paulo
    Descamisados, uni-vos
    O consórcio que administra o Maraca protagonizou o espetáculo de idiotice da semana
    Amigo torcedor, amigo secador, a onda de protestos nas ruas consegue efeitos políticos sobre qualquer assunto, menos sobre o nosso tradicionalíssimo Febeapá, sigla para o Festival de Besteiras que Assola o País, criação do cronista Stanislaw Ponte Preta que vigora desde o golpe militar de 1964.
    O espetáculo de idiotice da semana ficou por conta dos senhores do consórcio que administra o estádio Mário Filho, o Maracanã.
    Propõem os finos cavalheiros que, doravante, mesmo no mais histórico dos Fla-Flus, os frequentadores de tal praça esportiva estão proibidos de tirar a camisa, levar bandeiras ou instrumentos musicais.
    O som das charangas, mais importante para o ritmo do jogo do que o esquema tático dos treinadores, emudecerá de uma vez por todas.
    E revoguem-se as tradições culturais de uma cidade, de um Estado, de um país.
    É, meu caro Stanislaw, tu hoje terias uma fartura sem fim para a tua coluna. Nunca foi tão fácil. Ô sorte, como diz nosso chapa Wilson das Neves, o bamba, dono de um dos melhores shows e discos na praça.
    Imagina, amigo da geral, em um domingão de sol no Rio de Janeiro, a cidade lindamente toda nua, do Leme ao Pontal as meninas de bundinha de fora, como na canção da Marina, e lá no Maraca o fraque e a cartola.
    Imagina, nobilíssimo Mautner, você que gosta de ficar na praia deitado, com a cabeça no travesseiro de areia, olhando coxas gostosas por todo lado, das mais lindas garotas, também das mais feias?
    Imagina, amigo Otto, o que o pessoal aí do Vidigal anda falando sobre esses caras do consórcio.
    Ô, seu Eike Batista, você que faz parte dessa turma que agora manda no Maraca, se liga, não basta perder milhões, tem que perder essa mania jeca de imitar o padrão Fifa, o padrão Velho Mundo falido. O Rio elegante é o Rio descamisado. O Rio não fica bonito tentando ser chique, artificial e maquiado.
    A cidade de São Sebastião é como a Marina de Dorival Caymmi, aquela que não pinta o seu rosto que eu gosto e que é só seu.
    Não faz piada, gente do consórcio, gente proba, gente limpeza da Odebrecht, AEG e IMX. O Febeapá não carece de vocês nessa hora. No Rio, mesmo no inverno, até o Papa Francisco, torcedor de arquibancada do San Lorenzo --o time do corvo-- tem vontade de tirar a camisa.
    O Maraca, por essência histórica, ajudou até os gregos chegarem a uma boa definição de democracia: do povo, para o povo e pelo povo.
    Não pode agora o carioca e a gente do Ceará e do mundo inteiro que habita essa cidade cair no conto do consórcio. Já é tão caro, tão restrito, por que ficar tão desencarnado do espírito da cidade?
    É, caro Stanislaw, mais que besteira, acho que já estamos adentrando o bananoso terreno da burrice.
    A arte de jogar fora o que temos de melhor no solo pátrio. Ah, gente do consórcio, vai ver se eu tô na esquina, vai ver se eu tô com a tanga do Gabeira no Posto 9!
    @xicosa

      sábado, 6 de julho de 2013

      Xico Sá

      folha de são paulo

      O país da rasteira 2

      Amigo torcedor, amigo secador, estou aqui em Paraty, cidade da Flip, que este ano homenageia o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o nosso russo das Alagoas de nome Graciliano Ramos, o cabra seco do Nordeste, couro e osso, o bode do capim minguante, donde lembro do palpite infeliz desse mesmo gênio, mais de resmungo do que de fala, sobre o futebol, ora veja.
      O velho Graça, repito, o maioral, o maior escritor brasileiro messssmo, dizia que tal esporte não vingaria por estas plagas.
      O alagoano odiava o futiba.
      Dizia o autor de "Vidas Secas" que o autêntico esporte nacional era a rasteira, não o ludopédio.
      Isso tudo em 1921, quando o futebol, invenção dos gringos, começava a germinar em nossas várzeas. Nossas várzeas têm mais flores.
      E não é que tinha razão o peste. Razão não sobre a bola, razão porém sobre a rasteira.
      Vencemos no 11 contra 11, somos bons nessa desgraça, os pobres espanhóis que o digam, coitados, ó dolor, sinto muito, mas a rasteira continua imperando como a nossa mais nobre prática democrática.
      É só nego passando a perna no outro. A rasteira do presidente da Câmara e do ministro que pegam um avião da FAB para fazerem bonito lá, com licença família brasileira, na casa do caralho.
      Perdão mesmo, mas indignação não tem glossário nem código do bom tom, amigo, sorry você aí de Moema que tem educação inglesa.
      Quando falava da rasteira, o velho Graça se referia a passar a perna no outro, a mais genuína das nossas modalidades, uma brincadeira originada da capoeira, pelo que me lembro. A rasteira nunca esteve tão em alta. Repeteco.
      Como pode, por exemplo, o cabra safado, em pleno fervor das ruas, amigo, levar a família de jatinho da FAB ao Maraca?
      Desculpa, Graciliano, pelos palavrões, acontece. Mas te pergunto, velho Graça, como esse homem pode ficar no cargo mais um dia que seja? Nem meio dia, você não acha?
      Como pensa que o verbo é apenas ressarcir quando a sentença é simplesmente pedir o boné e ter vergonha na cara.
      Eis a velha política da República gagá. Desde 1900 e antigamente.
      Pegar um jatinho oficial pra ver Brasil x Espanha, aí sim, não passa do patriotismo como o primeiro e mais imediato refúgio do canalha.
      Xico Sá
      Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

      sábado, 29 de junho de 2013

      Xico Sá

      folha de são paulo

      É o pio do povo, doutor



      Amigo torcedor, amigo secador, peço a devida licença para me dirigir novamente ao doutor Sócrates, em mais uma carta deste epistolar cronista, afinal de contas é impossível não lembrar do cara da "Democracia Corinthiana" em uma hora tão rica, quando o futebol e as ruas se encontram para desaguar na "pororoca social" ou, melhor ainda, para rebobinar a fita do "Terra em Transe", o filme de Glauber.
      É, Magrão, como me disseste lá na Pompeia, no bar do Expedito, esse negócio de futebol como ópio do povo não cola. O papa-capim do mineiro, na gaiola como testemunha, que o diga. É o que vimos agora na Copa das Confederações, meu velho. Em vez de ópio, o pio. E não me xingues pelo trocadilho infame. É de grife. É do Millôr. Nem é do nosso Mazinho, o campeão no gênero.
      Em vez de anestesiante, doutor, o futiba que deu as cartas e a visibilidade aos protestos. Nego cercou as arenas como pôde. Sempre a rogar por "padrão Fifa" para uma vida inteira e cotidiana, não só no esporte das massas. Até mesmo a classe que pagou ingressos caríssimos não se calou nessa hora. A cartilha suíça foi para as cucuias, em Fortaleza ou em Caucaia. Desobediência do hino à placa dos acréscimos.
      Os Dorivais enfrentaram a guarda, como no filme dos gaúchos Jorge Furtado e José Pedro Goulart. Um Dorival cearense, Magrão, conterrâneo do teu pai, seu Raimundo, desafiou a tropa e foi parar até na capa do "New York Times". Cito o jornalão americano só para lembrar quando bradávamos em uníssono, na Mercearia São Pedro: "Grande merda".
      É, doutor, deu o óbvio: Brasil pega a Espanha na final de domingo. A derradeira vez que vencemos em Copa foi com um gol teu, lembras? Pelo que sei, não recordas, nunca fizeste questão de memória. Em matéria de vaidade, querias o teu em grandes conversas na távola redonda dos nossos bares prediletos ""com moças bonitas de preferência.
      Falar nisso, estive outra noite, com teu filho Gustavo, teu irmão Raimar & família. Foi um chororô bonito, pra cima, aquele choro de quem ouve a longa estrada da vida, do tempo em que o sertanejo era "mobral" e bonito. Raimar estava impossível, depois te conto, amigo.
      E sabe quem apareceu? Acertou de primeira: Paulo César Caju, esse gênio de bola e cuca. Foi lá mesmo. No bar do Chico e da Alaíde. Outro que vi recentemente, em um papo sobre o teu livro de crônicas foi o prezado Afonsinho, o craque botafoguense que inventou o passe livre.
      É, doutor, aqui na terra vão jogando futibô, muito samba, muito choro e rock'n'roll... A coisa aqui tá linda, digo em matéria de inconformismo e confusão propriamente dita, a história se bolindo em nossa frente, momento rico que não cabe em uma crônica e muito menos em minhas lágrimas sempre renovadas, viver é cachoeira, até a próxima.
      @xicosa
      Xico Sá
      Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

      sábado, 22 de junho de 2013

      Confederados, uni-vos - Xico Sá

      folha de são paulo
      Os motivos para ir às ruas são variados, são outros, mas o importante é que fomos, estaremos.
      A coincidência é que é bonita e vale a lembrança.
      Somos todos confederados de 1824, no Nordeste, óbvio.
      Sempre o Nordeste como vanguarda histórica brasileira.
      Triste de que nos vê como atraso, pobres de alma, deixa quieto, o Nordeste inventou a ideia de Brasil.
      O Nordeste que aguentou a porrada das invasões estrangeiras etc. etc. etc.
      Copa das Confederações, no que me leva, inconscientemente, para outra parada, siga comigo nessa viagem.
      Confederação do Equador, viva Frei Caneca e outros heróis autonomistas que, muito aquém do lacrimogêneo e do gás pimenta foram fuzilados, sem direito estrebuchar nas redes sociais, pelo reinado coxinha da época.
      Agora é muito fácil.
      Sim, no mundo moderno em que vivemos tudo, principalmente o tempo de partido, tudo já nasce velho.
      A história, porém, é sempre nova, é sempre a mesma de antigamente, com cheiro de rua e cheiro de coentro de peixada.
      Salve os antigos e novos mascates que enfrentam os liberais gabirus e deram na grande revolta.
      Jovem, ao Google ou aos livros de história, o que foi feito na rua é bonito, mas é até preguiçoso e careta diante de anteontem.
      Desculpa, isso é apenas provocação, se você entra com a senha a gente entrava com o pescoço mesmo.
      Sejamos homens de boa vontade, sem essa de sustinho-Fifa etc e coisa e tal.
      Protestemos e façamos as copas todas.
      Vimos uma coisa linda ultimamente.
      O futebol, ao contrário do que pensávamos, jamais será o ópio do povo.
      Pode ser tudo junto e misturado.
      O futebol não ficou à margem.
      Se até o público que pagou horrores está reclamando, imagina a rafaméia de verdade.
      Confederados de Frei Caneca, uni-vos.
      Lembrando, antes de tudo, a Insurreição Pernambucana de 1817, cinco anos antes do grito do Ipiranga.
      Lições de vanguarda, lições para não ficar calado.
      Pelo combo Caneca/Hakim Bey, zonas autônomas da existência, sem cair nesse patriotismo babaca de ficar por ai na crença do gigante acordado.
      Acordar pra fazer o quê mesmo?
      Que o gigante seja apenas o Hulk e sua melancolia clorofilada.
      Pra cima deles, Neymar Jr.
      @xicosa
      xico.folha@uol.com.br
      Xico Sá
      Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

      sábado, 15 de junho de 2013

      Xico Sá

      folha de são paulo

      Era uma vez


      Amigo torcedor, amigo secador, a Copa das Confederações começa hoje com arenas de Primeiro Mundo (como alardeia o coro jeca do subdesenvolvimento atávico) cercadas por realidade típica de várzea por todos os lados.
      Por dentro Champions League, por fora Desafio ao Galo, para lembrar o romântico torneio de futebol amador de SP. Aliás, melhor não chamar de arenas, nem sequer de elefantes brancos --mais respeito aos mamíferos.
      Ilhas, são apenas ilhas de concreto, superfaturamento e artificialíssima modernidade. Estou fora, fui ali fazer algo proibido, segundo o parâmetro Fifa, e já volto.
      Ilhas cercadas de sem-tetos por todos os lados. Como ontem no protesto na frente do Mané Garrincha. Donde arrisco uma conta populista: só os aditamentos no contrato deste estádio, ops, arena, daria para construir casas para uma candangolândia inteira. Vai dizer que o protesto não é legítimo? Calar é que é ilegal, imoral ou engorda.
      Ilhas que devolvem o Brasil a uma feição branca escravocrata, ilhas que ignoram até nova classe C, esse fetiche econômico governista, passando a borracha, qual a polícia do Alckmin, no rascunho de alguma mudança.
      Corta para o Rio, cidade maquiada da beleza e do caos, como na profecia do melhor romance brasileiro em séculos, o "Favelost" (ed. Martins Fontes), saga babilônica de Fausto Fawcett.
      Começa a Copa das Confederações em Brasília e aqui nos arredores do Maraca tem o pontapé inicial da Copa dos Removidos, torneio de futebol com times de favelas e cortiços vítimas da maquiagem. A bola rola na Gamboa. Massivo ataque sem retranca. Um toque Caymmi e "me voy" como no pebolim (ou totó) dos espanhóis: não pinte o rosto que gosto e é só seu, ó musa da paisagem carioca.
      Tapumes não tapam, a realidade vaza, sol sobre a peneira do Eclesiastes, nada de novo, brother, nada de novo, meu gringo velho que blasfemava ontem na madruga do Cervantes qual um cabra falante das línguas do Pentecostes. A gente se fala.
      Arenas de Primeiro Mundo cercadas de várzeas por todos os lados, se é que você me entende. Com todo o perdão ao futebol varzeano, meu caro Sérgio Vaz, você que cuida poeticamente do bate-bola dos suburbanos corações de São Paulo. Digo várzea no sentido simbólico, um "se liga" para quem cai no conto.
      Afinal de contas, nossas várzeas têm mais flores, como na canção do exílio do velho Gonçalves Dias que eu decorei nos verdes anos. Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores.
      Ah, esqueci, tem Brasil x Japão, desculpa, que a seleção canarinha triunfe, apesar do pessimismo do meu corvo Edgar, o agourento dos agourentos. Afinal de contas, essa história do futebol como ópio do povo é uma farsa. Nunca se protestou tanto nesse país.
      A várzea somos nós.
      @xicosa
      xico.folha@uol.com.br
      Xico Sá
      Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

      sábado, 8 de junho de 2013

      O futebol & o sexo - Xico Sá

      folha de são paulo
      Amigo torcedor, amigo secador, esqueça o escrete canarinho que joga amanhã com a França, esqueça a transação milionária do Neymar para o Barça, esqueça a queda do segundo técnico do Flamengo neste ano, esqueça a demissão de Muricy no Santos, esqueça o coro da torcida tricolor pelo seu ex e eterno técnico, esqueça, nada disso tem importância diante do desabafo do mais freudiano dos nossos coronéis, o Edson Pimenta, técnico da Portuguesa.
      O problema da insatisfação na arquibancada é a falta de sexo. Eis o diagnóstico do coronel Pimenta diante de protestos de fanáticos lusitanos no empate de 1 x 1 contra o Inter de Dunga.
      Freudiano é pouco. Diria que um autêntico discípulo de Wilhelm Reich, o homem que rompeu com Freud porque pensava ainda mais naquilo do que o mestre. Isso: um militar reichiano. Talvez o único. Das exclusividades terrenas da Lusa.
      Sem tesão não há solução, como diria o escritor e terapeuta Roberto Freire da corrente somaterapia.
      O coronel parece acreditar nesse princípio. Aspas: "Não estou falando de toda torcida da Portuguesa, mas sim de uma meia dúzia de... Eles não têm ambiente e não gostam de fazer sexo".
      No que fiquei refletindo com a Bic na orelha: talvez não façam sexo por causa da situação da Lusa, na brochante (ou broxante, os dicionários permitem os dois) situação na tabela. Sim, existe relação direta, aí volto à minha psicologia de boteco, entre a performance do time e o comportamento sexual da torcida.
      Tem até uma daquelas malucas pesquisas americanas para sustentar a parada. Segundo estudos da Universidade da Georgia, quando o clube do macho vai bem no campeonato, ele vira o rei do kama-sutra, vira o Pelé do tantra, o rei do sexo, mesmo com a sua legítima esposa de 20 anos de casamento.
      Diante de uma vitória em campo, a libido masculina aumentaria em até 27%. Ô glória.
      É bom para o moral, amigo. Nada como um Brasileirão atrás do outro para comprovarmos, na prática, rodada a rodada, o que diz a psicologia barata. Como estou na zona de rebaixamento e sem perspectiva, imagina como andam as coisas lá em casa. Um miserável 0 x 0.
      Melancólicos domingos sem ousadia nem alegria, para lembrar o mantra da chuteira do menino que se foi da Vila mais famosa do mundo.
      Homem que é homem gosta mesmo é do seu time do peito, mas transferindo a tese para os torcedores amadores que curtem a canarinha, imagina como anda a moral sexual dos brasileiros. Lá embaixo, obviamente, como a seleção da CBF no ranking da Fifa.
      Tudo pode começar a mudar amanhã, quem sabe. Meu corvo Edgar, o maior agourento do futebol, duvida: "Além de vira-lata, hoje em dia também somos brochas".
      Não exagera, não se reprima, minha estimada avezinha, sinto que neste domingo o Brasil se livra da maldição francesa que há tempos nos domina.
      Xico Sá
      Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

      sábado, 1 de junho de 2013

      Carta ao Dadá Maravilha - Xico Sá

      folha de são paulo

      Carta ao Dadá Maravilha


      Amigo torcedor, amigo secador, fim de jogo e um rei em lágrimas, o choro de uma majestade do futebol brasileiro, 926 gols no conjunto da obra, a mais fiel tradução dos nossos Macunaímas, elegante com a cabeça, mal-ajambrado com os pés, um beija-flor no ar, um tanque de guerra sobre a terra.
      Peço a devida licença, leitor do peito, para seguir aqui a prosa que reiniciei com o artilheiro da canela abençoada, o inventor do dadaísmo, gênio dos contrastes, o cara dos gols feios mais bonitos do planeta, o homem que chorou com a massa mascarada, em pânico, diante do pênalti para "los xolos" de Tijuana.
      "O rei está em lágrimas", confessou ao final da peleja mais chorada dessa vida que teima em imitar um drama mexicano. "Meu coraçãozinho não vai aguentar. Vamos, Galo. O amor é lindo", dissera antes.
      "Vitória com V de Victor! O rei está em lágrimas. Hoje a majestade é do goleiro", reverenciou mais uma vez o carrasco dos guarda-metas.
      É, meu rei Dadá, não foi nada "mamão com açúcar", como costumas definir estar no mundo, só para contrariar o casmurro doutor Sigmund Freud. Foi osso. Aquele osso de fogão de cortiço que fica dependurado em uma corda e rende um caldo ralo ao infinitum para os feios, sujos e malvados.
      Assim é mais gostoso, é como naquele tempo em que moravas com o cantor Evaldo Braga ("sorria, meu bem!") na Febem da época. É como o primeiro triunfo, o primeiro gol de canela do destino que te levou ao outro lado do muro. "Sinto a cruz que carrego bastante pesada", cantaria o teu amigo que trouxe a "black music" para a canção romântica do rés do chão dos ofendidos.
      Não foi aquela moleza, caro Dadá, que testemunhei na Ilha do Retiro, teu recorde mundial de gols em uma partida, 1976: Sport 14 x 0 Santo Amaro, mais conhecido como o time das Vovozinhas. Fizeste dez dos quais. Filé, amigo, eu corto é com colher, como me disseste tempos depois em uma entrevista para o "Tabloide Esportivo", o maior jornal do gênero que o mundo já teve, digo, o Recife.
      Vivo fosse, Dadá, o escritor Roberto Drummond (de "Hilda Furacão") repetiria, depois daquela noite no Independência, a crônica: "Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento".
      No milagre, o atleticano teve que torcer contra o vento. O redemoinho parou no pé do goleiro. Que venha a bonança da taça, a América.
      Sabias, caríssimo Dadá, que o galo é o único animal que canta depois do gozo? Pois é, amigo. O homem entristece, silencia, no máximo acende o velho king size do dever cumprido. O Galo é o único clube brasileiro que restou na Libertadores. O Galo é 13 no jogo do bicho, o Galo é lágrima por lágrima do eterno artilheiro que só lhe deu motivos para ser alegre na vida.
      Xico Sá
      Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

      sábado, 25 de maio de 2013

      Viuvinhas de Neymar - Xico Sá

      folha de são paulo
      Viuvinhas de Neymar
      A ida de Neymar para o velhíssimo continente uma viuvez precoce nunca dantes vista na história
      Amigo torcedor, amigo secador, esqueça o futebol, e mire os negócios: Neymar Jr. já é do Barcelona ou de outro azarão endinheirado de última hora. Os vendilhões da Vila, aqui coloco empresários e cartolas no mesmo saco, não deixarão o menino ir embora somente em 2014 sem a parte que lhes cabe nesse tesouro da juventude.
      Seria romantismo demais apostar que alguém pensasse no futebol brasileiro ou no Peixe nessa fatídica hora. Pouco importa se o alvinegro, graças ao craque, tem multiplicado a torcida e a receita com patrocínios. Pouco importa se o último dos moicanos da Baixada tem operado o milagre de levar uma legião de crianças a decidir pelo Santos na hora nobre de escolher um time.
      Eis um dos momentos mais significativos da vida de um homem. O exato instante em que pende para uma agremiação. Normalmente o pai é o espelho futebolístico e o guri sai à sua imagem e semelhança.
      Odiado pelos adultos e amado pelos infantes, Neymar repete aquela música de Chico Buarque para os generais da ditadura: "Você não gosta de mim, mas sua filha gosta".
      A ida de Neymar para o velhíssimo continente será comemorada por todos os pais dos pequenos torcedores ameaçados nos seus lares doces lares pelo perigo santista. Nada pior que perder, dentro de casa, essa sucessão clubística. É um desgosto miserável. Deixa quieto.
      Vai Neymar e fica uma viuvez precoce nunca dantes vista na história. Nem o David Lucca, o filho do cara, vai curtir essa parada. Na primeira grande viuvez da Vila, Pelé deixou adultos enlutados, depois de servir de bandeja tudo que alguém pode conquistar para uma torcida.
      Agora, na segunda grande viuvez peixeira, é bem diferente. E aqui não estamos comparando o rei com o apenas pequeno príncipe.
      Você é eternamente responsável por aquilo que cativa, diria o Saint-Exupérie neste momento de adeus. Neymar cativou quem desconhece os leilões de gente grande. Vai explicar para o teu filho que cada parte do craque tem um dono!
      Não adianta, porém, fazer um coro "não se vá", como no clássico brega da dupla Jane & Herondy nos anos 1980. Sejamos realistas. É o que pedem os austeros cavaleiros das mesas redondas. Já era. Perdeu criançada, ganhou playboyzada.
      E que não se arraste mais essa novela ludopédica que parece escrita pela Glória Perez. Cada jogo a mais de Neymar tem sido um capítulo melancólico. O menino, que já fez o papel do imperador do "dia do fico", agora parece o velho Silvio Caldas (1908-1998), conhecido como o cantor das despedidas. Fazia show de saideira a cada semana.
      Caldas, parceiro de bambas como Cartola e Wilson Batista, tem a trilha das antigas mais apropriada para o momento: "Adeus, cinco letras que choram".
      @xicosa
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        sábado, 18 de maio de 2013

        Xico Sá

        folha de são paulo

        Chupar é humano


        Amigo torcedor, amigo secador, no futebol, assim como em alguns momentos da vida, a desgraça alheia é tão significativa quanto o próprio triunfo. Nunca se secou tanto como nesta Libertadores.
        "Chupa São Paulo, chupa Palmeiras, chupa Corinthians", grasna o corvo Edgar, o agouro coberto de penas e assombrações. O "chupa", como sabemos, é o homossexualíssimo verbo com o qual se provoca o adversário. Nunca ouvimos tanto este brado retumbante. Ouviram os tricolores do Morumbi, ouviram os palmeirenses da Pompeia, ouviram os corintianos de Itaquera, ouviram do Ipiranga às margens fétidas.
        "E-li-mi-na-dos!!!", crocita Edgar, amante das exclamações e do sangue escorrendo nas manchetes. O chamado trio de ferro da capital foi desclassificado com os mesmos requintes de crueldade. Até nisso rolou uma certa isonomia de princípios tragicômicos. Todos chuparam da forma mais grega possível.
        Ao São Paulo sobrou a humilhação da goleada em ritmo de jogo- treino do Galo, ao Palmeiras coube um frango insosso boiando na canja de doente, ao Corinthians restou aquela saída honrosa, com aplauso de torcida e tudo, a saída que os inimigos mais adoram. Aquela despedida com roubo do juiz. Assim é mais gostoso, diz o corvo de boteco.
        Porque, meu jovem, futebol é universo paralelo. O mais ético dos homens esquece o discurso da honestidade e zoa o adversário. Nem a madre Teresa de Calcutá resistiria a tirar a sua onda no momento da queda de um time poderoso.
        O futebol é uma selvageria à parte no hipotálamo dos homens, como diz o maestro Jr. Black, tricolor do Arruda especializado em entretenimento, estudos da natureza e das alterações psíquicas.
        E de todos os requintes das tragédias acho o frango do goleiro Bruno o mais leve! Sim, desde que apoiado nesta comparaçãozinha de especialista e conhecedor da causa: o frango está para o futebol como o chifre para o amor --é inevitável. Mais dias ou menos dias, todo mundo leva. Só sei que nada sei de futebol, mas de traição eu entendo.
        "O frango é mais leve do que dançar para o 19º colocado do campeonato argentino", volta Edgar, ah meu estimado cuervo lazarento. "E existem 19 times no certame dos hermanos daquele país menor que o mitológico Cariri?", o mesmo assombrado bicho pergunta. "Ah, o Boca é o Boca", imita os comentaristas.
        Nada como a desgraça alheia.
        Não esqueci do Grêmio do rei do planejamento, Luxemburgo. Planejou como nunca e caiu da forma improvisada de sempre. Deus é gaúcho e castiga quem abandona o certame dos pampas. Viver é esquina.
        E a trilha sugerida pelo leitor Marko Acosta. Música perfeita para a ocasião. De Ivan Lins e Vitor Martins, na voz de Edgar: "Cai o rei de espadas/ Cai o rei de ouros/ Cai o rei de paus/ Cai não fica nada".
        @xicosa
        Xico Sá
        Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

        sábado, 11 de maio de 2013

        Xico Sá

        folha de são paulo

        Feito nas coxas


        Amigo torcedor, amigo secador, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, acertou a mão na metáfora ao dizer, em entrevista à rádio CBN, que o Engenhão foi feito "nas coxas". A tal praça esportiva foi interditada por questão de segurança.
        O país da piada pronta, nobilíssimo tricolor José Simão, também é o país da metáfora quente. O ex-presidente Lula, por exemplo, governou por metáforas futebolísticas. O professor Pasquale, fã do Juventus da Mooca, nos daria uma bela aula sobre o assunto. Continuemos com essa crônica feita nas coxas.
        Esta aí uma analogia perfeita, senhor alcaide carioca, para o modelo geral que o país, tijolo por tijolo, vai tocando o conjunto das suas obras. Não somente da Copa de 2014. Os estádios são um reflexo da relação que os governos --não consigo ver exceção-- mantêm com as empreiteiras desde que licitamos a primeira pinguela na taba Tupi.
        O atual Paes tenta debitar ao ex-prefeito César Maia os estragos do estádio. É da obviedade do jogo político. Até porque fazer nas coxas, pelo menos em matéria de licitação pública, não é nenhum pecado no Brasil. É uma sacanagem de rotina. Ninguém é punido. Nenhum coxismo será castigado, diria o tio Nelson. Toda encoxada será permitida.
        O que vemos aí é a mesma Odebrecht do consórcio do Engenhão com a OAS escalada para concessões de novos estádios, digo, arenas, esse afrescalhado batismo em voga. Está, inclusive, no rolo, brecado ontem pela Justiça, do novo Maraca, negócio sob a gestão de aliados do mesmo Paes que nos trouxe a brilhante e repetida metáfora.
        Você vai dizer que essas empreiteiras gigantes do Brasil são incompetentes etc. e tal? De forma alguma. Estão entre as melhores do mundo e realizam obras monumentais até em áreas de guerras do Oriente. Aqui, como no caso do Engenhão, preferem fazer nas coxas mesmo, como reza a maior analogia da sacanagem tropical.
        Para quê fazer com amor se podem fazer nas coxas? Nunca uma metáfora chula, prefiro chamar de metáfora popular, nos caiu tão bem nesse momento. Repito: não vale só para a Copa e para a Olimpíada-16. Vale para qualquer buraco.
        Onde se lê "homens trabalhando", naquelas placas dos canteiros, poderíamos substituir por um "homens fazendo nas coxas". Parece sacanagem, mas não é, os operários em construção que me perdoem --eles apenas cumprem ordens.
        E o batismo do estádio seguiu o mesmo encaixe do mal-acabamento. Com muita justiça, os torcedores do Botafogo estão em campanha para mudar o nome. Sai João Havelange e entra um João de responsa, o Saldanha. A outra opção é Nilton Santos, craque do time.
        Essa campanha, aliás, não deveria ficar restrita aos botafoguenses. É uma questão cívica de todas as cores e dos fãs de todos os times.
        @xicosa
        Xico Sá
        Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

        sábado, 4 de maio de 2013

        No bico do corvo - Xico Sá

        folha de são paulo

        Amigo torcedor, amigo secador, eis que o corvo Edgar, meu estimado animal agourento, renasce das cinzas nesta semana. Uma semana, digamos assim, perfeita. Perfeita para quem seca. Porque torcer não tem graça, é a obviedade máxima, quase um voto de castidade perante um clube.
        Perderam, pela ordem da empáfia ludopédica, Real Madrid, Barcelona, Corinthians, São Paulo, Fluminense. Chupa que é sabor --artificial-- de chucrute.
        Lindo. Foi a glória, crocita el cuervo, que torce, estranhamente, pelo time do Papa, o San Lorenzo. Foi a glória para o penoso, mesmo considerando o triunfo do Boca, um time que existe, no momento, apenas no inconsciente perdedor do viralatismo brasileiro.
        Ah, não esqueçamos, é o Boca, portanto devemos o afeto que se encerra na derrota. Se eu fosse técnico ou mulher de boleiro, jamais deixaria esses caras assistirem às mesas redondas. Fosse eu parente, cunhado, digamos, proibiria boleiro de testemunhar essas verdades meia-boca da crônica esportiva.
        Porque eles ouvirão, dos mestres da bola, que o Boca é o Boca. Aí é que está a moral do jogo. Os times lanternas do Campeonato Argentino não ouvem tal maldita verdade, portanto, crianças, os lanternas do Campeonato Argentino, sejamos didáticos, vencem o Boca. Fácil, não?
        É como mentalizar uma fábula. A do chapeuzinho vermelho, por exemplo. O Corinthians foi à Argentina com um cestinho de ofertas. Impressionante o respeito na hora errada. Não vai, Corinthians, vem para a realidade que tu ganhas muito mais.
        Ah, o Boca! O Boca um cacete. Por que qualquer um passa por cima deles lá na Argentina e mantemos esse tapete vermelho moral para recebê-los? Poxa, seu Tite, és um sábio, um grande homem mesmo, sensato, correto, te admiro, que ajustes o psicológico dos meninos.
        O corvo Edgar, porém, o maior secador do país, só festeja. Quando, em apenas uma semana, o então imbatível Timão volta a pagar pau para argentino? Quando, pergunto, o Fluminense despenca do mesmo jeito? E o São Paulo, quem diria, ruminando o humilde capinzim mineiro no canto do beiço. "Galo", grita o corvo.
        Edgar, o bicho, reflete, diante do estadão das coisas: o Brasil vai acabar ganhando essa Copa-14. É o que conclui, aqui no ombro em uma viagem amazônica.
        Faz todo o sentido. Com a palavra, digo, o bico, de novo o corvo: "A seleção brasileira perderia hoje até o Campeonato Amazonense, mas tem tudo para ganhar o Mundial, são apenas sete jogos. Perde uma, empata outras e chega".
        O Brasil perderia qualquer campeonato sério do planeta. A Copa do Mundo, porém, é a única coisa possível. É bem provável que o Brasil ganhe no próximo ano. Copa do Mundo nunca refletiu direito o futiba que se joga no momento.
        Xico Sá
        Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

        sábado, 27 de abril de 2013

        Viagem em torno da vaia - Xico Sá

        folha de são paulo

        Quem vaia compreende e passa a mão na cabeça até de quem brocha. Só não perdoa quem foge à luta
        Amigo torcedor, amigo secador, a vaia não é desprezo, desdém ou desaforo, vaia sequer é desforra ou desespero de causa, vaia é um sofrimento de amor --coletivo-- não correspondido. Brasileiro vaia até a bola. Por ser redonda e surpreendente.
        A donzela, digo, a pátria, se arruma para o jantar e o canalha em chuteiras não comparece. A noite que seria de gala vira gala-rala, não vale o ingresso, a presa, o tropeiro da nova arena.
        Arena, aliás, não combina com a cozinha roots do macho-jurubeba dos tristes trópicos, dona Fifa. Como ficará o tropeiro, o pururuca, o sarapatel, a paçoca, o caruru, o churrasquinho de gato de Itaquera na Copa? Esse negócio de arena, sei não, não parece coisa de homem.
        Voltemos ao tema-guia. A vaia sequer é pedagógica, como acredita a crônica esportiva, a vaia é amar e não ser amado. Simplesmente.
        Quem vaia, continuemos nesse rachão do Reich e do Freud, compreende e passa a mão na cabeça até de quem brocha. Só não perdoa quem foge à luta.
        E como tem homem de Ossanha por aí. Assim no futebol como na vida, o homem de Ossanha, vide o afro-samba de Baden Powell & Vinícius de Moraes, é aquele que diz que vai e não vai, tal e qual a seleção brasileira até o momento.
        O brasileiro do Mineirão, tudo bem que era um brasileiro diferenciado e limpinho como exaltou Galvão Bueno na última quarta, voltou a sofrer com o amor não correspondido do time em campo.
        O brasileiro de arena se acha o entendido. Que saudade do banguela da geral do Maraca. Para que subir de classe e perder os sisos morais logo de cara?
        A vaia, tio Nelson, é notícia, mesmo sabendo que brasileiro vaia até minuto de silêncio. O brasileiro vaia até o sol. Os frequentadores da praça do Ferreira, em Fortaleza, chegaram a vaiar o sol, sim, no dia 30 de janeiro de 1942. Esperavam a chuva, após três dias nublados. O sol dá as caras. Vaia no peste.
        Viva a vaia justa do Mineirão, o que me fez lembrar Otto Lara Resende: "O mineiro só é solidário no câncer". Você há de se apressar e dizer que o chiste é do tio Nelson. Prefiro ficar com a versão do autor de "Bonitinha, mas ordinária". Só um mineiro conhece de fato o semelhante para tal diagnóstico.
        Estamos longe da extrema-unção ludopédica, distante da metástase --para continuar na doença como metáfora. Tem jeito, doutor. Basta se apegar às superstições: o Brasil nunca venceu nada como favorito.
        A vaia é crença. A seleção, torcedor de time que abstrai a ideia de pátria sabe, estava abandonada por quem gosta de futebol mesmo. A vaia do Mineirão, mesmo que digam que foi uma vaia-gourmet-coxinha, ressuscitou o escrete. A vida é uma trivela inconsciente. Você pensa que a bola vai para um lado e ela vai para outro. O que é viver mesmo? Só a bola sabe a resposta.

          sábado, 20 de abril de 2013

          Xico Sá

          folha de são paulo

          Libertadores dos tricolores


          Amigo torcedor, amigo secador, o épico da semana tem as cores vermelho, branco e preto, habita o bairro do Morumbi, um dia já foi propriedade de uma certa "gente diferenciada", hoje pertence à massa, abriu as ações ao lumpesinato, tirou o pó de arroz, pôs a máscara de Jason e está mais vivo do que nunca na Libertadores da América, esta obsessão que banha de ouro a taça do continente de Simón Bolívar, San Martín, Tiradentes e Frei Caneca, entre outros heróis emblemáticos.
          Louco que o futebol, como me dizia o doutor Sócrates no meu sobrado da Pompeia, desperdice a chance de ensinar história, geografia, ética etc. a partir de simbologia tão rica. Todo menino é obcecado pela Libertadores e não tem a menor ideia de quem foram eles. Não carece ser chato, pô, mas explica pelo menos o nome do torneio que todo mundo quer e em que sonha.
          Uma missão para Rogério Ceni, que mergulhou nas piscinas de "Cocoon", o filme, e comandou o triunfo dentro de campo. Uma missão para Ney Franco, que conseguiu bater o cara que mais entende de futebol no país, Cuca, o crânio, o homem que vive sob influência do planeta melancolia --e isso é uma virtude, a vida não é tão assim cheia de graça. Viver não é sopa.
          Mas, como eu dizia antes dessa pedagogia ludopédica, foi épico, foi debaixo de todas as desconfianças. A crônica esportiva não acredita mais no homem e no luxo da coragem. Faz as quatro operações e noves fora a dramaturgia do jogo. Uma crônica de robôs. Depois, só resta à crônica relatar a "surpresa".
          A crônica se liga na obediência tática e esquece que basta uma rusga no lar doce lar para mudar uma partida. A crônica quer "planilhar" a existência, como se boleiro não fosse gente. Esqueçamos a crônica.
          Foi épica a quarta tricolor contra o melhor brasileiro na Libertadores. Até a melancolia amazônica do PH Ganso foi para a camada de ozônio. O Brasil resgatou o seu 10 de Copa. Tomara. É precioso. Neymar sente falta deste caboclo paraense na adivinhação dos espaços do zigue-zague em branco e preto.
          A crônica esquece a origem dos homens, só vê a bola e os jabaculês. É preciso saber de onde vieram as criaturas, é preciso saber em que país vivemos, futebol nunca foi 11 contra 11, futebol é uma grande lavagem de roupa suja de uma pátria. Da parte boa e da parte miserenta.
          Nesta mesma quarta épica dos tricolores, estive de volta ao Romeirão, em Juazeiro do Norte, com o bom cunhado Kleber --quero bem a cunhado-- e adoráveis sobrinhos. Vimos Icasa 3x0 Tiradentes. O Verdão do Cariri barcelonizou, naquela noite, as nossas vidas.
          Lindo ver hoje, diante de uma sequência de passes certos, matriz brasileira adotada no reino de Espanha, um menino de qualquer canto do mundo gritar o nome de um certo time da Catalunha. Essa globalização me interessa.
          Xico Sá
          Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".