Libertadores dos tricolores
Amigo torcedor, amigo secador, o épico da semana tem as cores vermelho, branco e preto, habita o bairro do Morumbi, um dia já foi propriedade de uma certa "gente diferenciada", hoje pertence à massa, abriu as ações ao lumpesinato, tirou o pó de arroz, pôs a máscara de Jason e está mais vivo do que nunca na Libertadores da América, esta obsessão que banha de ouro a taça do continente de Simón Bolívar, San Martín, Tiradentes e Frei Caneca, entre outros heróis emblemáticos.
Louco que o futebol, como me dizia o doutor Sócrates no meu sobrado da Pompeia, desperdice a chance de ensinar história, geografia, ética etc. a partir de simbologia tão rica. Todo menino é obcecado pela Libertadores e não tem a menor ideia de quem foram eles. Não carece ser chato, pô, mas explica pelo menos o nome do torneio que todo mundo quer e em que sonha.
Uma missão para Rogério Ceni, que mergulhou nas piscinas de "Cocoon", o filme, e comandou o triunfo dentro de campo. Uma missão para Ney Franco, que conseguiu bater o cara que mais entende de futebol no país, Cuca, o crânio, o homem que vive sob influência do planeta melancolia --e isso é uma virtude, a vida não é tão assim cheia de graça. Viver não é sopa.
Mas, como eu dizia antes dessa pedagogia ludopédica, foi épico, foi debaixo de todas as desconfianças. A crônica esportiva não acredita mais no homem e no luxo da coragem. Faz as quatro operações e noves fora a dramaturgia do jogo. Uma crônica de robôs. Depois, só resta à crônica relatar a "surpresa".
A crônica se liga na obediência tática e esquece que basta uma rusga no lar doce lar para mudar uma partida. A crônica quer "planilhar" a existência, como se boleiro não fosse gente. Esqueçamos a crônica.
Foi épica a quarta tricolor contra o melhor brasileiro na Libertadores. Até a melancolia amazônica do PH Ganso foi para a camada de ozônio. O Brasil resgatou o seu 10 de Copa. Tomara. É precioso. Neymar sente falta deste caboclo paraense na adivinhação dos espaços do zigue-zague em branco e preto.
A crônica esquece a origem dos homens, só vê a bola e os jabaculês. É preciso saber de onde vieram as criaturas, é preciso saber em que país vivemos, futebol nunca foi 11 contra 11, futebol é uma grande lavagem de roupa suja de uma pátria. Da parte boa e da parte miserenta.
Nesta mesma quarta épica dos tricolores, estive de volta ao Romeirão, em Juazeiro do Norte, com o bom cunhado Kleber --quero bem a cunhado-- e adoráveis sobrinhos. Vimos Icasa 3x0 Tiradentes. O Verdão do Cariri barcelonizou, naquela noite, as nossas vidas.
Lindo ver hoje, diante de uma sequência de passes certos, matriz brasileira adotada no reino de Espanha, um menino de qualquer canto do mundo gritar o nome de um certo time da Catalunha. Essa globalização me interessa.
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".
Nenhum comentário:
Postar um comentário