quarta-feira, 31 de outubro de 2012

RUY CASTRO


Santo forte

RIO DE JANEIRO - Nos 16 anos em que morei e trabalhei em São Paulo, de 1979 a 1995, fui ao Rio, a trabalho ou sem motivo, duas vezes por mês em média. Isso significou 24 viagens por ano. Multiplicando por 16, temos que, naquele período, fiz 384 viagens ao Rio. Não admira que, quando anunciei aos amigos que iria voltar, muitos perguntassem: "Voltar como, se você nunca saiu daqui?".
Mas é claro que saí. Em 16 anos de São Paulo, tive sete empregos, morei em seis endereços, um deles próprio, comi da baixa à alta gastronomia, conquistei grandes amigos e fui casado com uma paulistana. Talvez por isso, sempre que dizia que ia ao Rio, as pessoas se preocupassem: "Mas, de novo? Você não tem medo da violência, das balas perdidas? E os arrastões na praia?".
Pelo que a TV martelava, de fato era difícil explicar que, se você não se visse num fogo cruzado entre polícia e bandidos perto de algum morro na Linha Vermelha, podia andar sem susto pela cidade -o que eu fazia dia e noite. A possibilidade de levar uma bala perdida era remota. Quanto a arrastões, só houvera um grave, em 1992, e, por acaso, num momento em que as câmeras estavam a postos na praia. Um acaso que marcou a cidade por anos.
De volta ao Rio, também há 16 anos, continuo na ponte aérea, só que ao contrário -raro não ir uma ou duas vezes por mês a São Paulo, e sempre com prazer. Mas, agora, com o Rio pacificado, a apreensão dos amigos se inverteu: "Você vai a São Paulo? E a violência? Os assassinatos, as execuções, os arrastões em restaurantes? Os sequestros-relâmpago? E se você for tirar dinheiro no caixa eletrônico e eles botarem uma bomba?".
Tento explicar que, assim como a violência no Rio era localizada, não há esse medo geral em São Paulo, as pessoas continuam levando a vida. Ou então eu é que, há séculos, abuso do santo forte.

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