Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 02/12/2012
Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol, tem compostos orgânicos e água congelada depositada em crateras localizadas em seus polos. Desde o início da década de 1990, já se especulava sobre tal hipótese, mas foi somente agora que dados adquiridos pela sonda Messenger, da Nasa, conseguiram trazer evidências substanciais para comprovar a existência de gelo em Mercúrio. Os resultados foram apresentados por pesquisadores da agência espacial americana em três artigos publicados na revista Science.
Apesar de parecer curioso — e até um contrassenso — que haja gelo em um planeta que pode chegar a temperaturas que ultrapassam 400ºC, o pesquisador David Lawrence, um dos autores principais do estudo, afirma que existem regiões suficientemente frias que possibilitam o fenômeno. “Da forma que Mercúrio gira em torno de seu eixo, verifica-se que existem crateras tão profundas em ambos os polos que elas nunca veem o Sol. Além disso, uma vez que Mercúrio não tem atmosfera densa para redistribuir o calor, essas crateras em especial ficam muito frias, o suficiente para que a água congelada possa existir por longos períodos aprisionada nessas partes.” De acordo com Lawrence, em algum momento do passado, cometas, formados por muita água, atingiram a superfície de Mercúrio. As moléculas de água do cometa se dissiparam pela superfície do planeta e, algumas delas, saltaram para as crateras.
Existe ainda uma outra explicação que ajuda a montar o cenário favorável à existência de gelo em Mercúrio: a sua obliquidade. “A inclinação de seu eixo de rotação em relação ao seu plano orbital é muito pequena (cerca de 1 grau). Vale a pena comparar com o que ocorre na Terra, quem tem obliquidade do eixo de aproximadamente 23 graus, o que causa as estações do ano. Em contraste, em Mercúrio, por causa da baixa obliquidade do eixo de rotação, a iluminação nos polos quase não varia”, detalha Jorge Carvano, astrônomo brasileiro do Observatório Nacional. Com isso, existem regiões mais baixas perto dos polos, em geral dentro de crateras, que podem ficar sem iluminação direta do Sol por bilhões de anos, sendo iluminadas apenas indiretamente pela luz do sol refletida em outros pontos da cratera.
Para chegar às evidências de gelo e de material orgânico em Mercúrio, cada uma das três pesquisas mostrou resultados de medidas feitas de formas diferentes: uma por espectrômetro de nêutrons, outra por altímetro laser e a última por radar e topografia. A primeira, de acordo com Paulo Penteado, professor do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo (USP), mede os nêutrons que vêm da superfície de Mercúrio gerados pelos raios cósmicos incidentes na superfície. “Esses nêutrons são absorvidos por hidrogênio (um dos constituintes da molécula de água). Dessa forma, regiões com menor fluxo de nêutrons podem indicar presença de água. Os pesquisadores da Nasa mediram uma pequena queda no fluxo de nêutrons em altas latitudes, o que os modelos indicam ser compatível com o fato de as regiões de sombra nas crateras terem gelo de água coberto por uma camada fina de solo”, explicas Penteado.
Sobre as medidas feitas pelo altímetro laser, o professor da USP explica que a função do instrumento é medir a distância da sonda à superfície a cada momento de forma a construir um mapa 3D do relevo. Entretanto, ao medir a intensidade do sinal refletido pela superfície, também é possível saber o quão brilhante ela é. “Ao observar as crateras que as observações indicavam poder ter gelo, eles viram que algumas têm material mais escuro que o usual de Mercúrio, e uma fração menor, justamente nos lugares de mais sombra, têm a superfície excepcionalmente brilhante”. A partir dessas constatações, a interpretação final foi a de que as regiões brilhantes representam o local em que o gelo está exposto na superfície, e as mais escuras, uma camada fina de material orgânico protegendo o gelo do Sol. Dessa forma, são esses materiais escuros que dão sustentação à ideia de que há gelo soterrado nas crateras, fornecendo-lhe uma espécie de camada de isolamento térmico.
“Ninguém tinha visto essas regiões escuras em Mercúrio ou na Lua antes, mas tal material foi observado em cometas”, comentou Gregory Neumann, que coordenou uma das pesquisas. Ele complementa que o terceiro artigo, cujo principal autor é David Paige, traz várias referências relevantes. Segundo o estudo, apesar da composição desses depósitos ser desconhecida, materiais com reflectância igualmente baixas são rotineiramente observados em cometas, asteroides e objetos externos ao sistema solar. Eles são geralmente atribuídos à presença de material orgânico, que, segundo o astrônomo Carvano, pode ser formado a partir de reações causadas pelo bombardeamento de gelo por raios cósmicos.
Lawrence considera que as descobertas divulgadas nos três artigos representam um importante avanço para a compreensão das características e do ambiente do planeta Mercúrio. “Cientificamente, esse resultado nos trazem novas informações sobre onde se pode encontrar água no sistema solar. No caso: no planeta mais próximo do Sol. Um outro ponto é que, quando você se propõe a explorar, muitas vezes pode encontrar lugares anteriormente ocultos com tesouros fascinantes esperando para serem descobertos”.
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