Zero Hora 02/12/2012
Sempre acreditei que, se eu quisesse transformar alguma coisa, teria
antes que passar por uma racionalização profunda e, posteriormente, por
uma compreensão dos fatos. Ou seja, primeiro, pensar bastante para,
então, compreender.
Cumprindo essas duas etapas, atingiria a serenidade buscada, fosse
nas questões amorosas, familiares, profissionais, existenciais. A
compreensão, como num passe de mágica, soltaria os fios enovelados e só
então eu poderia me modificar.
Acontece que pensar demais cansa. Afirmo com a experiência de uma
maratonista cerebral: eu vivia sempre no módulo on, com o cérebro ligado
na tomada, descansando só quando dormia, e ainda assim com um olho
fechado e outro aberto. Se pensar conduzia à compreensão, bora pensar,
para poder entender. Sem entender, acreditava que meu barco ficaria à
deriva, noites e dias sob as intempéries, sem atracar em lugar algum.
Tanta coisa serve de cais: um casamento, uma promoção, uma cura, um
projeto, uma bolada, um filho. Estamos sempre indo ao encontro de alguma
coisa sensacional que ainda não sabemos o que é nem se iremos encontrar
mesmo.
Pois, diante desse imenso ponto de interrogação que é o futuro de
todos nós, reformulei minhas crenças: estou me dando o direito de não
pensar tanto, de me cobrar menos ainda, e deixar para compreender
depois. Desisti de atracar o barco e resolvi aproveitar a paisagem.
Primeiro mude, a compreensão virá depois. É mais ou menos o que a
filosofia de Nietzche sugere. Ninguém muda apenas através do pensamento.
A transformação meramente intelectual é uma presunção, não existe de
fato. É preciso colocar o pensamento nas pernas e agir. O corpo é que
nos leva para uma nova vida, e não a razão, diz o filósofo num texto
chamado “A favor da crítica”.
Recentemente os integrantes do programa Saia Justa discutiram o que é
drama e o que é tragédia, e chegaram à conclusão de que o drama te
encarcera, enquanto a tragédia, por mais dolorosa que seja, te coloca em
movimento: você sai dela diferente. Do drama você não sai: você fica
remoendo, remoendo, remoendo. Excesso de racionalização engessa o
sentimento e não te leva pra fora, pra frente.
De Nietzche a Saia Justa é um salto e tanto, reconheço, mas toda
filosofia é bem-vinda, seja acadêmica ou de mesa de bar, de programa de
tevê, de coluna de jornal. Estamos aqui para aquilo que os intelectuais
rejeitam que se fale em público (mas falo baixinho: ser feliz). E a
felicidade não é uma ilha paradisíaca onde nosso barco um dia atracará. A
felicidade não é terra firme: ela é o próprio mar.
Passamos uma vida perseguindo a felicidade, sem reparar que ela está
justamente na perseguição. O pensamento nas pernas. O movimento. A
ação. Não há muito a compreender além disso.
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