Mariana Peixoto
Estado de Minas: 17/12/2012
Em 1943, o etnólogo alemão radicalizado brasileiro Curt Nimuendajú produziu documento que se tornou referência no estudo das etnias indígenas no país: o Mapa etno-histórico do Brazil e regiões adjacentes. Pertencente ao acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA), ele agora é parte integrante do programa Memória do Mundo, da Unesco. Além de reconhecer a importância do documento, o projeto facilita também sua preservação.
“O documento permite visualizar de maneira clara e precisa a imensa diversidade social e linguística do país, demonstrando além das localizações dos povos indígenas em todos os estados brasileiros os seus deslocamentos desde o século 16”, explica a coordenadora de Informação e Documentação do Museu Emílio Goeldi, Aldeídes Camarinha. No mapa produzido por Nimuendajú, as línguas indígenas são classificadas em 40 famílias linguísticas.
O mapa entrou para o programa da Unesco por meio de candidatura. A cada ano, desde 2007 (ver destaque), uma série de documentos brasileiros se lança como candidato a entrar para o Memória do Mundo. “O museu sempre quis dar maior reconhecimento ao documento, um mapa manuscrito, normografado, colorido e produzido em grande formato. Lembro-me que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reeditou o mapa nos anos 1980”, conta Aldeídes.
Para Ruben Caixeta, coordenador do programa de pós-graduação em antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, é difícil mensurar a importância da obra de Nimuendajú, “tão grande foi o impacto dela no campo acadêmico (em especial na área da etnologia) e nos processos administrativos para regularização de terras indígenas (que lançaram mão do mapa para atestar e demonstrar a longa ocupação dos territórios por diferentes grupos étnicos), tão gigantesco e abrangente foi o banco de dados disponibilizado por ela sobre a distribuição no espaço e no tempo das tribos indígenas (e suas respectivas línguas) no Brasil e nos países vizinhos”.
A nominação no programa não implica nenhum compromisso da Unesco em destinação de recursos financeiros ou de outra natureza ao museu. “A instituição ganha a responsabilidade de preservação do documento e a sua disponibilização para o acesso ao público pesquisador. Logicamente, observadas as limitações que visem à sua preservação e segurança”, acrescenta a coordenadora do Goeldi.
Neste mês, o Museu Goeldi recebeu o diploma pela nominação. Atualmente, o mapa está em processo de restauração. A partir de julho, ele deverá estar disponível para apreciação do público. Na edição 2012 do Memória do Mundo também foram nominados o Arquivo Herbert de Souza (1952-2003); o atlas e mapa do cartógrafo Miguel Antônio Ciera (1758); Coleção Carlos Gomes do Museu Imperial (1855-1942); a coleção de livros do tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia (1543-1818); Fundo Câmara Municipal de Ouro Preto (1711-1889), entre outros.
População de
menos de 900 mil
Dados de pesquisa realizada em 2010 pelo IBGE indicam que há 896,6 mil índios vivendo em território nacional. Eles estariam divididos em 305 etnias e falando 274 línguas. Comparando com o primeiro levantamento do gênero, realizado em 1991, o crescimento populacional foi de 205%.
Para Ruben Caixeta, a realidade indígena está mais complexa hoje em dia porque muitos índios vivem fora de suas próprias comunidades, grande parte em centros urbanos. “Por outro lado, há um intenso movimento de ressurgimento étnico, isto é, comunidades que antes não se consideravam indígenas (e sim como caboclas ou camponesas), hoje estão reconstruindo suas histórias, sua relação com uma territorialidade e com práticas culturais específicas ao ‘mundo indígena’.”
Na opinião dele, isso só se tornou possível porque o preconceito diminuiu, de certa maneira. “No interior do estado, há posições e órgãos menos desfavoráveis aos índios, daí todo esse movimento de afirmação e valorização da condição indígena por parte da população mais pobre e pelos camponeses no Brasil. Além disso tudo, a taxa de natalidade indígena cresceu enormemente nos últimos anos.” Mesmo assim, o caminho ainda é longo. “O caso atual dos índios guarani e caioá, sobretudo no Mato Grosso do Sul, é um exemplo eloquente de que há um racismo e uma violência ostensivos contra os índios.”
“O documento permite visualizar de maneira clara e precisa a imensa diversidade social e linguística do país, demonstrando além das localizações dos povos indígenas em todos os estados brasileiros os seus deslocamentos desde o século 16”, explica a coordenadora de Informação e Documentação do Museu Emílio Goeldi, Aldeídes Camarinha. No mapa produzido por Nimuendajú, as línguas indígenas são classificadas em 40 famílias linguísticas.
O mapa entrou para o programa da Unesco por meio de candidatura. A cada ano, desde 2007 (ver destaque), uma série de documentos brasileiros se lança como candidato a entrar para o Memória do Mundo. “O museu sempre quis dar maior reconhecimento ao documento, um mapa manuscrito, normografado, colorido e produzido em grande formato. Lembro-me que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reeditou o mapa nos anos 1980”, conta Aldeídes.
Para Ruben Caixeta, coordenador do programa de pós-graduação em antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, é difícil mensurar a importância da obra de Nimuendajú, “tão grande foi o impacto dela no campo acadêmico (em especial na área da etnologia) e nos processos administrativos para regularização de terras indígenas (que lançaram mão do mapa para atestar e demonstrar a longa ocupação dos territórios por diferentes grupos étnicos), tão gigantesco e abrangente foi o banco de dados disponibilizado por ela sobre a distribuição no espaço e no tempo das tribos indígenas (e suas respectivas línguas) no Brasil e nos países vizinhos”.
A nominação no programa não implica nenhum compromisso da Unesco em destinação de recursos financeiros ou de outra natureza ao museu. “A instituição ganha a responsabilidade de preservação do documento e a sua disponibilização para o acesso ao público pesquisador. Logicamente, observadas as limitações que visem à sua preservação e segurança”, acrescenta a coordenadora do Goeldi.
Neste mês, o Museu Goeldi recebeu o diploma pela nominação. Atualmente, o mapa está em processo de restauração. A partir de julho, ele deverá estar disponível para apreciação do público. Na edição 2012 do Memória do Mundo também foram nominados o Arquivo Herbert de Souza (1952-2003); o atlas e mapa do cartógrafo Miguel Antônio Ciera (1758); Coleção Carlos Gomes do Museu Imperial (1855-1942); a coleção de livros do tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia (1543-1818); Fundo Câmara Municipal de Ouro Preto (1711-1889), entre outros.
População de
menos de 900 mil
Dados de pesquisa realizada em 2010 pelo IBGE indicam que há 896,6 mil índios vivendo em território nacional. Eles estariam divididos em 305 etnias e falando 274 línguas. Comparando com o primeiro levantamento do gênero, realizado em 1991, o crescimento populacional foi de 205%.
Para Ruben Caixeta, a realidade indígena está mais complexa hoje em dia porque muitos índios vivem fora de suas próprias comunidades, grande parte em centros urbanos. “Por outro lado, há um intenso movimento de ressurgimento étnico, isto é, comunidades que antes não se consideravam indígenas (e sim como caboclas ou camponesas), hoje estão reconstruindo suas histórias, sua relação com uma territorialidade e com práticas culturais específicas ao ‘mundo indígena’.”
Na opinião dele, isso só se tornou possível porque o preconceito diminuiu, de certa maneira. “No interior do estado, há posições e órgãos menos desfavoráveis aos índios, daí todo esse movimento de afirmação e valorização da condição indígena por parte da população mais pobre e pelos camponeses no Brasil. Além disso tudo, a taxa de natalidade indígena cresceu enormemente nos últimos anos.” Mesmo assim, o caminho ainda é longo. “O caso atual dos índios guarani e caioá, sobretudo no Mato Grosso do Sul, é um exemplo eloquente de que há um racismo e uma violência ostensivos contra os índios.”
Memória Homem com caminho próprio
Nimuendajú significa “homem que abriu seu próprio caminho”. O alemão Curt Unckel se naturalizou em 1922 como Curt Nimuendajú, nome dado de “presente” pela tribo dos guarani-ñandeva. Nascido em Iena, em 17 de abril de 1883, o etnólogo, antropólogo e linguísta passou quatro décadas entre os índios brasileiros. Chegou a São Paulo em 1903. Ao partir para a Região Norte do país, onde passou a residir, estudou os povos guarani e caingangue. Na segunda década do século 20, começou a publicar seus primeiros trabalhos.Sua obra inclui artigos publicados em todo o mundo, livros, diários de viagens, fotos, resultados de viagens e estudos pela Amazônia, Ilha de Marajó, Pará, Tocantins, entre outros lugares. “Importante lembrar que o trabalho de Nimuendajú não é somente quantitativo ou demográfico, mas um apurado estudo sobre a organização social e cosmologia indígena”, afirma Ruben Caixeta. Além do Museu Goeldi, o legado de Nimuendajú está conservado no Museu Nacional do Rio e Janeiro e em instituições da Alemanha e e da Suécia. Ele morreu em 10 de dezembro de 1945, entre os índios tucunas, no Norte do Amazonas. O etnólogo também dá nome a uma biblioteca digital (http://biblio.etnolinguistica.org), que reúne artigos e livros raros sobre línguas culturas indígenas ul-americanas.
Duas décadas de preservação
O programa Memória do Mundo está completando 20 anos. No Brasil, a iniciativa da Unesco para identificar e preservar documentos e arquivos de grande valor histórico se tornou ativa a partir de 2007. A Carta de Pero Vaz de Caminha foi o primeiro documento em língua portuguesa a ser incluído no programa. Arquivos dos escritores João Guimarães Rosa e Machado de Assis; do arquiteto Oscar Niemeyer; do ex-presidente Getulio Vargas; além da Lei Áurea e de manuscritos do maestro Carlos Gomes também integram o programa.
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