segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Valorizando pais e filhas [Cabul,Afeganistão]

Folha de São Paulo

INTELIGÊNCIA
MATIULLAH AMIN E SHABANA BASIJ-RASIKH
Educar meninas é necessário para a paz e a prosperidade
O atentado a tiros cometido pelo Taleban paquistanês contra Malala Yousafzai, mais de dois meses atrás, chamou a atenção do mundo. Malala começou em 2009 a escrever para a BBC um blog anônimo sobre como as meninas sofriam para receber educação depois de o Taleban assumir o controle do vale do Swat. Após ser baleada na cabeça em retaliação por seu trabalho, ela virou uma heroína e está se recuperando em um hospital da Inglaterra. Mas sua história é um sombrio lembrete dos desafios que muitas meninas mundo afora ainda enfrentam ao irem à escola.
A história de Malala tornou-se uma sensação no Ocidente em parte porque o terrível atentado de 9 de outubro ecoou uma percepção ocidental sobre os homens dessa região: tribais, atrasados e cruéis, capazes de ser tão violentos a ponto de tentar matar uma criança inocente simplesmente porque ela estava se manifestando por seus direitos.
Mas, depois do ataque, houve outra coisa que surpreendeu muita gente. Homens, mulheres e crianças -de diferentes origens políticas e socioeconômicas- saíram às ruas do Paquistão para condenar o ataque à Malala. Entre eles estavam pais como Ziauddin Yousafzai, o pai Malala, que é educador e líder comunitário no Swat e que teve a coragem de ser uma voz da razão e da luta pelos direitos da sua filha.
Em um documentário feito em 2009 por Adam B. Ellick, Malala disse: "Quero me tornar médica, mas meu pai me disse para virar política". Ziauddin rapidamente acrescentou: "Vejo um grande potencial na minha filha para que ela possa fazer mais do que como médica. Ela pode criar uma sociedade onde uma aluna de medicina facilmente consiga se doutorar." Eis aí um pai que não está apenas sonhando grande por sua filha, mas que, depois da conquista do Swat pelo Taleban, protestou nas ruas de Peshawar para pressionar o governo paquistanês a retomar a região dos insurgentes, de modo que Malala pudesse perseguir seus sonhos.
A história de Malala revela uma tendência emergente nessa região do mundo, no Afeganistão e no Paquistão em particular, algo que costuma ser minimizado no Ocidente: há pais que veem valor nas suas filhas e, contra todas as probabilidades, apoiam sua educação. Muitos pais estão desempenhando um papel crucial nas vidas das suas filhas, mais do que nunca. Uma menina educada pode ajudar em casa. Às vezes, isso se dá em pequenos gestos, como ao ensinar o pai a salvar um número na agenda do celular ou ao ler uma carta para ele. Isso tem mostrado aos pais como a educação das suas filhas pode beneficiar uma família.
Nos últimos anos, nos deparamos com histórias semelhantes. Uma aluna da Escola de Liderança do Afeganistão, a quem chamaremos de Saba, é da província de Helmand, outrora um reduto do Taleban. O pai de Saba continua apoiando seu sonho de receber uma formação, apesar das ameaças que ele enfrenta. Saba diz que, sabendo do compromisso do seu pai com a educação das filhas, sente-se reconfortada, fortalecida e também mais estimulada a perseguir seus sonhos.
"Se meu pai pode resistir às ameaças por mim, então devo resistir por meus direitos e pela confiança do meu pai em mim", disse ela.
Quando uma menina recebe educação, ela pode casar mais tarde, ter filhos mais saudáveis e em menor número e ganhar mais renda, da qual a maior parte ela poderá reinvestir na família -isso se traduz em paz e em prosperidade econômica de longo prazo para sua comunidade.
O mais interessante é que o pai de Saba e muitos como ele adotaram essas noções intuitivamente. O pai de Saba reconheceu que investir na educação de uma filha é algo amplamente visto como um desperdício, porque ela vai deixar a casa do pai depois de casar. Mas ele afirma: "Meu esforço para educar Saba não é um desperdício, porque se ela não me beneficiar diretamente, pelo menos poderá cuidar da sua família, e eu não precisarei me preocupar com ela".
Deveríamos reconhecer que os pais são vitais para possibilitar a educação das meninas em algumas das áreas mais inseguras do mundo. Devemos buscar o apoio dos pais convidando-os para a sala de aula, para manifestar suas preocupações e ideias. As meninas -as milhões de Malalas cujos nomes jamais saberemos- são o exército da paz e da prosperidade, e devemos lhes fornecer a educação que elas merecem, para que elas possam tornar-se as pacificadoras da qual a nossa volátil região tão desesperadamente precisa hoje.

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