segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ruy Castro

Folha de São Paulo

Sozinha no Brasil
RIO DE JANEIRO - Numa época, meados do século 19, em que máquinas fotográficas eram um trambolho e, ao mesmo tempo, um luxo, quem retratava a natureza eram os artistas viajantes, com seus lápis e pincéis. Por sorte, ainda havia muita natureza a retratar, principalmente no Brasil, embora, entre uma viagem e outra, os europeus que nos visitavam já percebessem o começo da devastação.
Um desses artistas só está sendo revelado agora: a inglesa Marianne North (1830-1890). Sua viagem ao Brasil, em 1872-73, lhe rendeu 112 pinturas a óleo sobre papel da nossa paisagem e flora -o que supera em número a obra de Thomas Ender, Rugendas e Debret no gênero, além de antecipar em cem anos a de outra inglesa, a querida Margaret Mee (1909-1988). A íntegra de sua produção brasileira está no livro "A Viagem ao Brasil de Marianne North", com texto de Julio Bandeira, recém-lançado pela Sextante.
Marianne veio ao Brasil sozinha, o que não foi pouca façanha, e, pelo que pintou e escreveu, nunca se arrependeu. Era fascinada pelas árvores, plantas, flores, frutas, borboletas e cobras com que deparava, e deixou um exuberante registro pictórico de tudo isso -com o qual, em Londres, matava seus conterrâneos de inveja.
Segundo Bandeira, o único desgosto de Marianne era constatar, a cada passo, a aversão dos brasileiros à floresta, vista como um lugar ameaçador, "um pesadelo a ser destruído". O que a mata virgem provocava na gente da terra era "o nojo, um terror iluminado apenas pelo clarão ardente das queimadas". E não se conformava com a total ausência de naturalistas brasileiros -como se a riqueza natural não fosse digna de estudo.
Quase 150 anos depois, se Marianne voltasse aqui, não lhe faltariam brasileiros com quem discutir a mata. Entre esses, os defensores de códigos florestais movidos a motosserras.


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