segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Preso em casa na China, Ai Weiwei terá em fevereiro sua 1ª individual no país, no MIS

Folha de São Paulo

Diário de um detento
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULOEm 4 de junho de 1994, Ai Weiwei fotografou sua mulher levantando a saia e mostrando a calcinha na praça da Paz Celestial, em Pequim.
Não era uma data qualquer. O artista chinês, que terá em fevereiro sua primeira individual no Brasil, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, acabava de voltar de uma década vivendo em Nova York, e aquele era o aniversário de cinco anos do massacre ocorrido ali, ponto que marcou a onda violenta de repressão na China.
De lá para cá, o país ganhou força no cenário geopolítico equivalente à exposição midiática global do autor.
Seus ataques ao regime, tanto em sua obra quanto em manifestações pelas redes sociais, acabaram despertando a ira do governo e culminaram na prisão domiciliar que o artista cumpre agora em Pequim, além da proibição de se pronunciar na internet.
Mesmo confinado à sua casa desde o ano passado, depois de ficar encarcerado por três meses, Ai não deixou os holofotes da cena artística.
A individual de fevereiro de 2013 no MIS, uma retrospectiva de sua obra fotográfica, chega ao país três anos depois de o artista participar da Bienal de São Paulo com uma instalação.
"Essas fotografias revelam mais sobre sua atitude e seu pensamento político do que o resto de sua obra", diz Urs Stahel, curador da mostra, à Folha. "Elas mostram desde a época em que vagava por Nova York até sua vida em Pequim e a rotina do ateliê."
Suas imagens em preto e branco, de fato, começam como espécie de diário visual de seus anos em Manhattan, onde conviveu com o poeta beatnik Allen Ginsberg e estudou a obra de Marcel Duchamp. Mas, no fim dos anos 1980, Ai voltou suas lentes para a degradação urbana da cidade e a truculência policial em manifestações de rua.
Esse olhar crítico parece se adensar no retorno do artista a Pequim. Filho do poeta Ai Qing, perseguido pela ditadura e condenado a trabalhos forçados numa área remota do nordeste da China, Ai passara a adolescência numa espécie de deserto intelectual. Virou artista em Nova York e regressou à terra natal num momento que ele descreve como "negro".
"Essa era a cor de fundo, como se tivéssemos todos caído num balde de tinta", escreveu Ai em seu blog censurado pelo Estado chinês em 2009. "Não havia outra cor."

    Lado pop do artista contrasta com obra de teor iconoclasta
    Ai Weiwei mantém retórica afiada nas redes sociais, mas reduziu agressividade de suas performances e esculturas
    Enquanto suaviza o tom de trabalhos, chinês provoca regime dançando e posando com celebridades
    Fotos Ai Weiwei/Divulgação
    Imagem da série "Cortes de Cabelo" (2007)
    Imagem da série "Cortes de Cabelo" (2007)
    DE SÃO PAULOQuando voltou à China, há quase 20 anos, Ai Weiwei adotou a atitude iconoclasta que aparece em imagens como a série em que deixa cair o que seria um vaso de 2.000 anos, espatifando uma relíquia arqueológica do país. Era a forma sintética -e histérica- de denunciar o atropelo das tradições na China.
    Em 1994, ele reproduziu a marca da Coca-Cola sobre um vaso da mesma época. Noutra série, "Estudos de Perspectiva", Ai se retrata mostrando o dedo médio em frente a lugares históricos e sedes de governo pelo mundo, da Casa Branca ao Partido Comunista chinês.
    Mas, aos poucos, sua postura perde a agressividade. "Ele leva esses gestos de vanguarda à China, mas depois percebe que o regime era muito mais radical em suas atitudes", diz o curador da mostra de fevereiro no MIS, o suíço Urs Stahel. "Ao longo do tempo, sua obra plástica se torna mais conservadora enquanto sua retórica fica muito mais afiada."
    Afiada e pop. Ai endureceu no discurso, mas vem se exibindo ao lado de celebridades, como Elton John, e chegou a postar um vídeo em que dança a pegajosa coreografia "Gangnam Style" do rapper sul-coreano Psy. Sua vida, fotografada e filmada à exaustão, virou performance libertária, de crítica ao regime.
    "Ai é sincero, mas é ao mesmo tempo muito teatral. Dançar o 'Gangnam Style' para ele nada mais é do que um exercício de pura liberdade", observa Stahel.
    Enquanto isso, seus trabalhos mais recentes, como os milhões de sementes de girassol feitas de porcelana que espalhou pela Tate, em Londres, parecem resgatar as tradições do artesanato chinês e são alusão poderosa a abusos trabalhistas em seu país.
    No ponto mais crítico desses ataques, que levou à censura de seu blog há três anos, Ai denunciou a precariedade das construções escolares em Sichuan, província atingida em 2008 por um terremoto onde morreram quase 6.000 crianças.
    AI WEIWEI
    QUANDO abre em 7/2, às 19h30; de ter. a sex., das 12h às 21h; sáb. e dom., 11h às 20h; até 14/4/13
    ONDE MIS (av. Europa, 158, tel. 0/xx/11/2117-4777)
    QUANTO R$ 4

      CINEMA
      Filme sobre Ai pode ir ao Oscar em 2013
      "Ai Weiwei: Never Sorry", da documentarista norte-americana Alison Klayman, está entre os 15 filmes que podem ser nomeados para o Oscar de melhor documentário no ano que vem. A lista de indicados sai em janeiro.

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