quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Vida dos santos ganha tom pop em livro


Rogério de Campos, criador da editora Conrad e ex-militante trotskista, publica obra sobre o imaginário cristão
Autor diz que não inventou nada, mas admite que certos casos lembram o grupo cômico Monty Python
CADÃO VOLPATOESPECIAL PARA A FOLHA DE SÃO PAULOOs santos andam meio fora de moda (a santidade, nem se fala). Rogério de Campos, 51, um dos criadores da editora Conrad, especializada em livros de esquerda, quadrinhos, videogame e mangás, concorda.
Por isso, talvez, para estar na contramão, ele está lançando a hagiografia "O Livro dos Santos", por sua nova editora, a Veneta.
"É não ficção. Não inventei nada", ele faz questão de dizer, mas as histórias dessas pessoas fabulosas do imaginário cristão não têm nada de realistas. Segundo a ficha catalográfica é sim um livro de ficção. Campos se diverte.
Para um homem que, apesar da formação católica clássica, teve uma banda de rock nos anos 1980 chamada Crime e participou do movimento trotskista Libelu no final dos anos 1970, contar a vida de santos poderia não cair bem. "Eu escrevo os livros que não achei para ler, e gosto de escrever sobre assuntos de que não entendo."
Como autor, Campos já publicou um pequeno romance político-policial, "Revanchismo". Conquistou neste ano o terceiro lugar da categoria gastronomia do prêmio Jabuti com "Dicionário do Vinho", escrito em parceria com Maurício Tagliari, velho parceiro, mais conhecido como produtor musical.
Campos passou anos colecionando histórias de santos. Também foi atrás de obras de referência, frequentando livrarias cristãs em torno da praça da Sé, no centro da cidade. "Comprei um monte de santinhos. E os vendedores me tratavam muito bem, talvez porque seja cada vez menor o número de pessoas interessadas no assunto."
Mas a grande epifania veio mesmo com o "Gênesis", de Robert Crumb, que a Conrad lançou no Brasil em 2009. "Ele trata o tema com respeito", garante. "Só a Bíblia de Jerusalém é tão boa".
O autor só usou fontes católicas. "Acho que juntei histórias extraordinárias e reveladoras sobre a nossa própria vida", diz. "Só que, em alguns momentos, reconheço que parece Monty Python."
De fato, a história de são Vicente, detido e torturado pelos romanos, daria um quadro perfeito do famoso grupo cômico inglês. Depois de ter todos os seus ossos quebrados e de ser espetado com ferro, o santo gozava dos torturadores e pedia mais suplícios.
Foi então levado a um braseiro -ao qual subiu sozinho- e grelhado, "enquanto os soldados o perfuravam com garfos ardentes e jogavam sal no fogo". Mesmo assim, Vicente continuou vivo.
Os santos do livro são seres assim tão extraordinários que parecem super-heróis. O autor, porém, rechaça a comparação. "Nunca gostei de super-heróis. Eles são para meninos que não têm vida sexual."

    TRECHOS
    SANTA BRÍGIDA
    A tradição atribui diversos milagres à irlandesa santa Brígida, mas o que se sabe ao certo é que a água em que ela tomava banho transformava-se em cerveja.
    SÃO VEDASTO
    No enterro de são Vedasto, um velho cego chamado Audomato lamentou não ter tido a chance de ver o santo. Deus, em sua grande generosidade, fez então com que Audomato recuperasse a visão, visse o corpo do santo, e voltasse a ser cego.
    SÃO FILLAN
    A mão do monge são Fillan, do século 8, brilhava à noite, para que ele pudesse estudar as Sagradas Escrituras.

      CRÍTICA / RELIGIÃO
      Comentários sardônicos trazem influência de Buñuel e de Marx
      ESPECIAL PARA A FOLHALuis Buñuel conta uma piada anarquista em seu livro de memórias, "Meu Último Suspiro": "Dois padres vinham pela calçada. Diante de tal provocação...". E a anedota termina aí.
      "O Livro dos Santos" tem uma pegada meio buñuelesca em certos momentos. Rogério de Campos distribui aqui e ali alguns comentários sardônicos que entregam seu passado marxista.
      Ao falar de são José, o santo aclamado pelo papa Pio 11 como "patrono daqueles que combatem o comunismo ateu", ele escreve numa nota de rodapé: "O herói da luta anticomunista na Itália mereceu até um elogio especial do papa Pio 11: 'Benito Mussolini é [...] um homem enviado pela Divina Providência, um homem livre dos preconceitos dos políticos da escola liberal'."
      Mas, no geral, o livro se contenta em descrever as façanhas miraculosas dos santos, estabelecendo uma conexão curiosa com a literatura fantástica.
      Afinal, segundo está escrito nele, são Cristóvão, patrono dos caminhoneiros, media exatos 7,92 metros.
      Há também inúmeras histórias divertidas sobre santos voadores ("algumas dezenas", segundo o autor).
      Entre elas, se destaca a de são José de Cupertino, um santo tão despreparado para a santidade que acabou levado ao cinema.
      O escritor americano John Fante, de "Pergunte ao Pó", foi quem escreveu o roteiro de "O Santo Relutante" (1962), com Maximilian Schell no papel principal.
      "Além de voar, fazer curas milagrosas e ter muita sorte nas provas, são José de Cupertino, apesar de não tomar banho e usar roupas imundas, exalava, segundo uma narrativa católica, 'um fino e delicado perfume'. Mais uma razão pela qual ele se tornou muito popular entre os estudantes católicos", escreve o autor.

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