quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Pergunta proibida: 'Você é feliz?'

estado de são paulo

Fernando Reinach *
O EEJeep está causando preocupação nos EUA e no Canada. Ele não passa de um carro equipado com um novo e sofisticado sistema de eletroencefalograma. Com esse equipamento móvel, um grupo de cientistas pretende visitar e examinar centenas de pacientes que vivem imóveis e incomunicáveis por anos a fio. São pessoas que após um trauma craniano ou uma doença entram em um estado que os médicos classificam como "vegetativo". 

O objetivo é descobrir quantos deles possuem alguma forma de consciência, mas, incapazes de emitir qualquer sinal que demonstre seu estado mental, são considerados mentalmente mortos.

Tudo começou em 2006, quando um único paciente em estado vegetativo foi colocado em um equipamento de ressonância magnética capaz de medir a atividade cerebral em regiões discretas do cérebro, o fMRI - sigla para functional magnetic ressonance imaging. 

Durante o exame, os cientistas pediram ao paciente que imaginasse que estava movimentando o braço, como se estivesse jogando tênis. Para surpresa dos médicos, as regiões do cérebro que nas pessoas conscientes são ativadas quando imaginamos que estamos jogando tênis também foram ativadas neste paciente. Em seguida, pediram a ele que imaginasse que estava caminhando por sua casa. Em pessoas conscientes, uma outra região do cérebro é ativada quando imaginamos nosso deslocamento em um espaço conhecido. Novamente o cérebro do paciente respondeu ao estímulo, ativando áreas idênticas às ativadas em pessoas normais. 

Na época, esse estudo provocou uma grande polêmica. Será que esse paciente estava realmente consciente ou seu cérebro estava simplesmente sendo ativado por meio de um reflexo automático? Será que muitos pacientes classificados como em estado vegetativo apresentam esse tipo de resposta? Será que essa resposta é suficiente para classificar esses pacientes como possuidores de alguma forma de consciência?

Levou quatro anos, mas em 2010 os mesmos pesquisadores publicaram um estudo com 54 pacientes. Destes, 49 se mostraram incapazes de alterar a atividade cerebral quando, dentro da máquina de fMRI, eram solicitados a imaginar que jogavam tênis ou andavam pela casa. O impressionante é que cinco pacientes apresentavam resposta semelhante ao paciente analisado em 2006.

Mas o mais impressionante é o caso de um deles, o paciente 23, um rapaz de 22 anos que havia sofrido traumatismo craniano cinco anos antes e, desde então, estava incomunicável, em estado vegetativo. Os cientistas o instruíram a tentar responder perguntas da seguinte maneira: se a resposta era "sim", ele deveria imaginar que estava jogando tênis; se a resposta fosse "não", ele deveria imaginar que estava andando pela casa. Desse modo, observando o sinal do fMRI após a pergunta e identificando o que o paciente estava imaginando, os cientistas poderiam compreender a resposta do paciente. 

Quando perguntaram se ele tinha irmãos, ele imaginou que jogava tênis (sim, correto). Seu pai se chamava Thomas? Ele imaginou que andava pela casa (não, correto). Seu pai se chamava Alexandre? Imaginou que jogava tênis (sim, correto). No total, foram seis perguntas. E em todos os casos a resposta foi correta. 

Esse resultado demonstrou que esse paciente entendeu a instrução verbal de imaginar duas situações distintas (jogar tênis ou andar pela casa) e foi capaz de associar a cada ato de imaginar a palavra "sim" ou "não" e, finalmente, com esse método, foi capaz de responder corretamente algumas perguntas relacionadas à sua biografia, comunicando-se com o mundo exterior.

Dilema. Sem dúvida esse paciente possui algum grau de consciência. No trabalho publicado em 2010 não é esclarecido porque esse método de comunicação não foi tentado com os outros quatro pacientes. Uma das prováveis razões é a falta de autorização, por parte dos responsáveis legais por esses pacientes, para a realização do experimento. 

O fato é que a comunicação com o paciente 23 foi interrompida após esse experimento inicial. Mesmo os cientistas tiveram receio de continuar. O que fazer com a resposta "sim/não" do paciente 23 se a pergunta fosse "Você quer continuar vivendo nesse estado?"

É por isso que o EEJeep está provocando tanta polêmica. Foram dois anos construindo um equipamento mais simples e barato, capaz de detectar a atividade cerebral induzida pelo ato de imaginar que a pessoa está jogando tênis ou passeando pela casa.

Agora, com esse novo equipamento instalado em um carro e financiamento do governo do Canadá, os pesquisadores pretendem avaliar, com a autorização dos responsáveis legais, centenas de pacientes em estado vegetativo. 

Existem dezenas de milhares de pacientes nesse estado somente nos Estados Unidos, uma consequência direta do progresso dos centros de terapia intensiva, capazes de salvar a vida de pessoas que décadas atrás não sobreviveriam a lesões cerebrais dessa natureza.

Pessoalmente, eu espero que os resultados do estudo feito com o EEJeep seja negativo na grande maioria dos pacientes. Se uma fração desses pacientes for capaz de se comunicar, os dilemas éticos e morais que os médicos, as famílias e os legisladores serão forçados a enfrentar são enormes. O primeiro é decidir o que perguntar e o que fazer com as respostas. O segundo é enfrentar a pergunta proibida: "Você é feliz?"

* Fernando Reinach é biólogo. E-mail: fernando@reinach.com.
Mais informações Willfull Modulation of Brain Activity in Disorders os Consciousness. New England Journal of Medicine, vol. 362, pág 579. 2010.

Entrevista Bill Gates - Raul Juste Lores


Agora é hora de falar com bilionários pelo mundo
Em entrevista à folha, empresário e filantropo Bill Gates elogia Embrapa e instituto Butantan, mas cobra mais ação
folha de são pauloRAUL JUSTE LORESDE NOVA YORKO empresário e filantropo americano Bill Gates, 57, prepara uma série de viagens pelo mundo para convencer outros bilionários fora dos EUA a doar boa parte de suas fortunas para a filantropia -como ele mesmo já fez.
Ele também afirmou que países de renda média -como o Brasil- deveriam doar mais e ajudar países "muito mais pobres" pelo mundo, especialmente em tecnologia agrícola e vacinação.
Em um hotel em Nova York, falando a um grupo de quatro jornais internacionais, entre eles a Folha (o único latino-americano), ele disse que conseguiu convencer 92 bilionários americanos a doar fortunas "muito antes do testamento, em vida, cobrando resultados e colocando seus conhecimentos para a filantropia".
O fundador da Microsoft vai anunciar que países irá visitar, dentro da campanha "Giving Pledge", em fevereiro. Gates já afirmou que deixará 95% de sua fortuna pessoal para a filantropia.
"Agora é hora de falar com bilionários pelo mundo. Muitos deles já fazem suas ações de filantropia, mas podemos fazer mais", disse. "Não será fácil, porque não existe a tradição. Pode até levar um tempo, mas vale a pena."
Gates lançou ontem a carta anual da Bill & Melinda Gates Foundation, criada em 2000, em que fala de progressos em educação e saúde, principalmente em países africanos e asiáticos. "É uma chance de compartilhar minhas visões, dar opiniões e falar de dados e inovação".
A íntegra da carta (já traduzida para o português) pode ser lida em bit.ly/11hemKd.
À Folha Gates disse que o Brasil deve elevar a ajuda externa aos países mais pobres, o que outros países de "renda média" deveriam fazer mais.
"A Embrapa é um tesouro mundial, pois conhece profundamente os grãos e os solos tropicais, aquela informação valiosa para países africanos e asiáticos. O Brasil tem diversos acordos bilaterais, especialmente com a África lusófona, tem grandes programas de vacinação com o Butantan, mas sempre dá para fazer mais", afirmou.
CRISE
Tanto na carta quanto durante a entrevista, Gates falou repetidas vezes sobre a necessidade de medir resultados e de ter objetivos na filantropia.
Em tempos de crise, quando até tradicionais países doadores estão apertando os cintos, é importante saber exatamente os resultados "para que isso continue a ser uma prioridade para as pessoas, os contribuintes".
O filantropo disse que, "em um mundo com GPS, imagens por satélite, celulares onipresentes e softwares baratos", nunca foi tão fácil medir o impacto de programas e doações.
Na carta, ele fala de um projeto no Estado americano do Colorado, em que professoras são avaliadas pela performance dos alunos, em entrevistas e por "professoras-mentoras", entre as mais bem avaliadas do distrito, que passam 30% do seu tempo assistindo à aula de colegas.
EDUCAÇÃO
A tripla avaliação garante aumentos de salários e bônus para as professoras com a melhor avaliação, para reter as melhores no emprego.
"Os melhores países do mundo em avaliação de professores também estão entre os que têm alunos com melhores resultados em testes internacionais, como Cingapura e Coreia do Sul. Isso demonstra a vantagem da avaliação. Vão bem melhor do que os EUA", afirmou Gates.
"Mas, em muitas partes do mundo, ainda precisamos checar se os professores não estão faltando muito. Há o 'status quo' dos sindicatos, que não querem mudanças."
Ele disse que não sabe como é no Brasil, mas que, "no México e na África do Sul, os resultados dos alunos são ainda piores que nos EUA. Até as boas professoras ficam nervosas com a avaliação, mas precisamos dessa métrica".
Gates festejou o acordo entre a Khan Academy, da qual é doador, com a Fundação Lemann para traduzir e dublar as aulas do popular professor americano Salman Khan para o português. "O Brasil está no caminho certo para adotar as ferramentas tecnológicas para ajudar o professor."
CLIMA
Gates também se mostrou defensor dos Objetivos do Milênio da ONU. Afirmou que, ao contrário de tantos documentos que são arquivados e prontamente esquecidos, os objetivos, por terem números claros e metas realistas, foram sendo cumpridos.
Mas disse que está na hora de "refinar" e de atualizar os tais objetivos. Incluindo, ainda, "objetivos climáticos". "Pode ser difícil colocar China e Estados Unidos para atingir essas metas, mas ainda há 193 países para chegar a um acordo", afirmou.
Ele contou um pouco de suas últimas viagens por Nigéria, Etiópia e Índia e disse ver progressos em todas as áreas, "mais do que a maioria dos analistas". "Sou um grande otimista, mas é fato que a vida dos mais pobres melhorou muito nos últimos 15 anos."

    FRASE
    "É hora de falar com bilionários pelo mundo. Muitos deles já fazem suas ações de filantropia, mas podemos fazer mais. Não será fácil, porque não existe a tradição"



    RAIO-X BILL GATES
    VIDA
    Nascido em 28 de outubro de 1955, em Seattle (no Estado de Washington)
    EDUCAÇÃO
    Lakeside School; Harvard (incompleto)
    OBRA
    Construiu, ao lado de Paul Allen, a gigante da computação Microsoft em 1975
    FAMÍLIA
    Casado com Melinda Gates desde 1994; tem três filhos

      Quadrinhos


      CHICLETE COM BANANA      ANGELI

      ANGELI
      PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

      LAERTE
      DAIQUIRI      CACO GALHARDO

      CACO GALHARDO
      NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

      FERNANDO GONSALES
      MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

      ADÃO ITURRUSGARAI
      BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

      ALLAN SIEBER
      MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

      ANDRÉ DAHMER
      GARFIELD      JIM DAVIS

      JIM DAVIS

      HORA DO CAFÉ      VELATI

      VELATI

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      CACO GALHARDO
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      ALLAN SIEBER
      MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

      ANDRÉ DAHMER
      GARFIELD      JIM DAVIS

      JIM DAVIS

      HORA DO CAFÉ      MANDRADE

      Mandrade

      Angeli


      PAULO SANT’ANA - O perigo de viver

      ZERO HORA - 31/01/2013

      Escrevi inúmeras vezes neste espaço que era perigosíssimo ser jornalista e que quem exercia esta profissão corria todos os dias grandes riscos.

      Vejo só agora que foi uma bobagem o que escrevi: não é perigoso ser jornalista, perigoso é viver.

      Vou dar um exemplo: quem calcularia que os mais de 230 jovens que morreram na boate em Santa Maria, quando se dirigiram para a festa, estavam correndo risco? Rigorosamente, ninguém imaginava que era perigoso ir a uma festa.

      E, no entanto, como os fatos provaram, foi terrivelmente perigoso.

      É perigoso casar-se e ainda perigoso ficar solteiro. É perigoso, portanto, viver.

      Não há nada mais perigoso do que entrar no trânsito dirigindo. Mas ficar em casa sem dirigir é perigoso também, pode a casa ser tragada pela terra, como tantas vezes aconteceu, como anteontem aconteceu na China.

      É perigoso ser autoridade e mais ainda que perigoso é não ser autoridade e ser governado como súdito.

      É perigoso acordar com a notícia de que os combustíveis tiveram seus preços aumentados. E já pensaram no perigo que encerrava para o Grêmio o jogo que ele teria à noite contra a LDU?

      É perigosíssimo ser velho, mas a juventude encerra mil perigos ao seu redor.

      É perigoso apaixonar-se, mas às vezes é ainda mais perigoso não amar ninguém, pode-se morrer de tédio.

      É perigoso fazer a assinatura de um jornal, tomando conhecimento de tragédias terríveis, mas não assinar o jornal encerra perigos ainda maiores, entre os quais o de alienar-se do mundo, o que é fatal.

      Já fiz muitas ressonâncias magnéticas com contraste na veia para cuidar da minha saúde. Sempre entreguei minhas veias para o contraste com desconfiança.

      Pois não é que anteontem morreram três pessoas em Campinas pelo motivo direto de que foram submetidas a contrastes em ressonâncias magnéticas?

      Ou seja, perigoso é viver. Vou mais longe, viver é mais perigoso que morrer.

      O único perigo que a morte encerra é de morrermos amanhã e sermos esquecidos para sempre.

      Eu me tracei o dever de nunca esquecer, jamais, os mortos, como os de Santa Maria.

      Marina Colasanti - A banda que foi de Ipanema


      Marina Colasanti - marinacolasanti.s@gmail.com
      Estado de Minas: 31/01/2013 
      “Minha teoria é que o mundo acabou”, disse-me sorridente o crítico Maksen Luiz, quando nos encontramos sábado passado no hall de um teatro, à espera de que a peça começasse. Era uma blague, mas nem tanto. Tinha chegado ensopada, vindo a pé debaixo de chuva sem ter encontrado um único táxi porque os principais acessos ao bairro estavam interditados. Era dia de saída da Banda de Ipanema, que, depois de desfilar a tarde inteira, acabava de se dispersar. Dispersar talvez não fosse a palavra adequada, a Praça General Osório que eu acabava de atravessar continuava tomada por uma multidão.

      Oitenta mil pessoas, foi o que disse o jornal na segunda-feira. Penso na banda que conheci, e sou obrigada a concordar com meu amigo Maksen: o mundo, aquele mundo que acompanhamos juntos como jornalistas do Caderno B do Jornal do Brasil, acabou.

      Era um mundo menor e menos habitado, o de Ipanema de 1964, em que Ferdy Carneiro e Albino Pinheiro fundaram a banda para reviver o antigo carnaval de rua. E atrás deles fomos todos, com nossas crianças, nossos conhecidos, nossos vizinhos. Lembro minha filha ainda pequena, fantasiada de abelha com duas amiguinhas formigas, ondeando antenas. Revejo o jornalista João Luís Albuquerque, já de mole avantajada, fantasiado de Mickey, com sua família de camundongos Disney, todos sentados na beira da calçada esperando a banda sair. E me pergunto como pude, em outra ocasião, deixar que meu pai levasse minha filha na banda, se eu sabia que ele beberia, cantaria, abraçaria quantas mulheres houvesse, apesar de estar com a sua própria, e se esqueceria de cuidar da neta – que meu marido foi recuperar, perdida entre os foliões, tingida de azul pelas penas da fantasia de índio que haviam desbotado debaixo da chuva.

      Ditadura e sofrimento no país, mas uma inocência docemente provinciana naqueles desfiles, que, partindo da Praça General Osório, davam a volta no bairro ainda de casas, vilas e prédios de poucos andares.

      Outra era a multidão que tive que fender sábado passado a caminho do teatro. Oitenta mil mediamente jovens, de copo ou garrafa na mão quando não levada à boca, cerveja ou vodca, vontade menos de bebida do que de embriaguez, e uma tensão no ar, que horas de cantoria e braços ao alto não haviam esgotado. Uma multidão carnívora em busca da carne um do outro, tentando satisfazer o desejo de diversão que não quer ser satisfeito, porque o que se quer é manter aceso o impulso e continuar a caçada de prazer, continuar, continuar até a exaustão.

      Não há 80 mil habitantes em Ipanema, suspeito que nem mesmo se somados os do Leblon. A gente que ali estava ignorando a chuva havia brotado da terra pela boca do metrô, transbordado dos ônibus, dos hotéis, dos albergues. Era tão diferente daquele longínquo 1964, gente vinda de longe, alheia ao bairro. 

       Predadores de um charme que não mais existe, chegam certos de adentrar em uma Ipanema que se foi. Mas pisam em campo minado. Já de manhã, ao redor da Praça General Osório, as tropas do abastecimento formam fileiras nervosas com suas caixas de isopor, à espera dos invasores que começam o desembarque.

      Não há dúvida, a inocência saiu de moda. Entrou em moda a multidão. São dois mundos incompatíveis e, como disse Maksen Luiz, a subida de um custou a morte do outro.

      Lenda popular (Evaldo Braga) - Mariana Peixoto‏

      Há 40 anos morria o cantor Evaldo Braga, "ídolo negro". Criador de Sorria, o artista foi considerado o responsável pela introdução da black music no cenário do brega 

      Mariana Peixoto
      Estado de Minas: 31/01/2013 
      O cantor Evaldo Braga em uma de suas participações no programa do Chacrinha: carreira meteórica e apenas dois discos gravados

      Os pouco mais de 400 quilômetros que dividem Santa Rita do Sapucaí, Sudoeste do estado, de Belo Horizonte, foram vencidos com certa dificuldade pelo TL azul. O motorista Arley, mais conhecido como Calça Branca, que mal havia dormido na noite anterior, deu umas cochiladas. Mulher e bebida, lembra César de Aguiar, um de seus companheiros na viagem. Aqui chegando, o grupo logo rumou para o Bairro JK, em Contagem. Foi ali que Evaldo Braga fez o derradeiro show de sua meteórica carreira. Saindo do local, o mesmo grupo – incluindo Paulo César, empresário do cantor – foi jantar num restaurante da Rua Goiás, no Centro. Mais tarde, rumaram para a casa de Aguiar. Evaldo tomou uísque; Calça Branca, cerveja.

      “Na viagem de Santa Rita, Evaldo havia comprado na estrada um chapelão tipo mexicano. Disse que no Programa do Chacrinha, do qual ia participar no dia seguinte, ia usar o chapéu e um terno branco novinho. Também iria levar a revista Só Sucessos, que eu tinha feito com ele na capa, ‘para mostrar para todo o Brasil’. Falei para ele para viajar no dia seguinte, pois o motorista não tinha dormido. Estava com dinheiro, poderia pegar um avião”, continua César de Aguiar. De acordo com ele, não houve quem convencesse Evaldo do contrário. Paulo César pegou inclusive emprestado um travesseiro para dormir no banco de trás do TL. Tarde na noite, o trio deixou a casa de Aguiar. No dia seguinte, o empresário e cantor foi acordado com a notícia que não saía das rádios de todo o país. “O ídolo negro” havia morrido em acidente em Alberto Torres, próximo a Três Rios, depois de colisão com uma carreta. Ninguém sobreviveu ao acidente.

      Quarenta anos depois da morte de Evaldo Braga, em 31 de janeiro de 1973, o que se fala sobre o autor de canções como Sorria, sorria, Eu não sou lixo, A cruz que carrego e Tudo fizeram pra me derrotar não é muito diferente do que se falava na época. É basicamente por meio da história oral que o legado dele, morto aos 27 anos, sobrevive. César de Aguiar, que descreveu os dois últimos dias da vida do cantor, era na época o empresário que o trazia para shows em BH e interior de Minas. Autor do documento mais importante sobre a música brega dos anos 1970, o livro Eu não sou cachorro, não, o pesquisador e jornalista Paulo César de Araújo ratifica tal opinião.

      Ele admite ter tido bastante dificuldade para traçar a trajetória de Evaldo na época da pesquisa do livro, lançado há 10 anos. “Tive que ir catando informações aqui e ali, pois não havia nada publicado. Ouvi ainda compositores contemporâneos, como Odair José e Osmar Navarro (esse último acompanhou o começo da carreira de Evaldo Braga), pois não tive acesso a familiares dele.” Em vida, Evaldo Braga lançou apenas dois álbuns, O ídolo negro (volumes 1 e 2, de 1971 e 1972, respectivamente). Em 2011, a Som Livre, em parceria com a Universal, resgatou boa parte dos dois discos na coletânea Sempre.

      Lata de lixo 

      Uma das notas mais controversas da biografia do cantor diz respeito a seu nascimento. Diz a lenda que ele, nascido na cidade fluminense de Campos (que não guarda absolutamente nada de sua passagem por lá), havia sido abandonado numa lata de lixo (o sucesso da música Eu não sou lixo teria reforçado essa ideia). Já no documentário em curta-metragem Evaldo Braga – O ídolo negro (1997, disponível no YouTube), há um depoimento de Antônio C. Braga, que se apresenta como irmão de Evaldo, contradizendo essa informação. O artista seria filho de Antônio Braga com uma amante. Como a mulher dele não o aceitava, o pai teria entregue o garoto a uma senhora. 

      Um dos quatro diretores do documentário, realizado como projeto de conclusão do curso de rádio e TV da UFMG, Armando Mendz comenta que um dos interesses que a trajetória de Evaldo suscitou para o então grupo de estudantes de comunicação social foi o caráter investigativo do curta. “As coisas sobre ele não estavam na superfície. À medida que fomos pesquisando, o projeto se tornou mais interessante. E as pessoas que foram próximas a ele não ‘resolvem’ a figura. Fomos atrás de vários caminhos.”

      O curta, lançado na primeira edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, sofreu forte influência do clássico O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla (1968), sugestão do orientador do projeto, o professor Delfim Afonso. “Tecnicamente é primitivo. Foi feito em VHS, a gente não sabia operar microfones na época. Mas até hoje é um dos trabalhos que fiz que as pessoas mais procuram”, continua Mendz. Na época, para conseguir recursos para finalizar o vídeo, alunos da UFMG (vindos do grupo The Jingles) criaram até uma banda, It’s Only Evaldo Braga, que fez duas festas em BH. 

      O cantor foi enterrado no Cemitério São João Batista, no Rio. Seu túmulo é ainda hoje um dos campeões de visitas no Dia de Finados. “Tenho até uma gravação do enterro com as pessoas cantando”, continua Paulo César de Araújo. Para ele, Evaldo Braga tem uma importância maior dentro do universo da música brega. “Ele foi um ídolo pop negro. Surgiu no momento de afirmação do “Black is beautiful”. Sua música é de balada pulsante com metal. Embora ele não cite explicitamente a questão negra, se tornou o principal expoente da música black no brega.” 
      “Nós vencemos”

      “Na realidade não éramos amigos, mas inimigos, pois um tinha inveja do outro. Ele cantava e todo mundo aplaudia. Eu falava que a voz dele era de pato rouco com gripe. E ele me perguntava: ‘O que você vai ser?’ Dizia que ia tentar ser jogador de futebol. E ele me dizia que eu era uma porcaria. Quando saímos do SAM (Serviço de Assistência ao Menor, no Rio de Janeiro, antiga Febem), o sucesso dele cantando veio antes do meu jogando. Quando o via no Chacrinha, xingava o cara. Depois que fiquei famoso e virei o Dadá Maravilha, fui ao colégio em que a gente tinha estudado para tirar um documento. Quando cheguei lá, me falaram que o Evaldo tinha ido também e que queria conversar comigo. Fui atrás dele antes de um show, conversamos, ele disse que nós tínhamos vencido. Pouco depois morreu. Fui ao enterro em Botafogo e fiquei no meu canto, lembrando e pensando quantos anos ficamos sem nos ver.”

      Dadá Maravilha (foto)
      jogador de futebol que conviveu com Evaldo Braga no final dos anos 1950, quando ambos foram internos no SAM


      “Sou apaixonado mesmo”


      “Conheci o Evaldo Braga em 1985, quando escutei um disco inteiro na casa do Marcelo, que era da banda The Jingles. Pirei com o disco, peguei meio roubado e gravei em fita. Hoje tenho todas as músicas dele, inclusive em espanhol. Criei o cantor Torino Braga, que participou do It’s Only Evaldo Braga e até hoje se apresenta em festas. Sei todas as músicas dele de cor e salteado, sou apaixonado mesmo. É até difícil falar de qual gosto mais. Hoje, por exemplo, é Não vou chorar. Mas também tem Meu Deus e A vida passando por mim.”

      Alessandro Torino
      Cantor que assume a persona de Torino Braga quando dubla o cantor (na foto, de 1997, ele é o quarto integrante da banda It’s Only Evaldo Braga, a partir da esquerda)

      O retrato do cérebro quando aprende - Paloma Oliveto‏

      Estudo produz imagens cerebrais de crianças e adultos enquanto eles assistem a programas educativos e confirma teorias que associam certas regiões a habilidades específicas 

      Paloma Oliveto
      Estado de Minas: 31/01/2013 
      Brasília – Descobrir como o cérebro se comporta durante o aprendizado é uma das obsessões da neurociência.Os pesquisadores acreditam que ao desvendar quais são as áreas e os circuitos envolvidos na cognição poderão compreender melhor diversos distúrbios relacionados a essa habilidade, como autismo, dislexia, disgrafia e discalculia. Um estudo conduzido pela Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, conseguiu identificar as regiões ativadas quando crianças e adultos assistem a um programa educativo. Essa é a primeira vez que se usa tecnologia de imagem para investigar o comportamento cerebral durante uma atividade cotidiana, como ver televisão.

      Foram necessários três anos para a conclusão da pesquisa, publicada na revista PLoS Biology. Nesse período, os cientistas realizaram exames de ressonância magnética funcional enquanto os participantes assistiam ao programa Vila Sésamo, muito popular nos Estados Unidos. As crianças fizeram  também testes de QI para avaliar se as imagens realmente refletiam as habilidades e as dificuldades de aprendizado. “Os transtornos cognitivos têm sido muito explorados pela psicologia, com experimentos comportamentais. Achamos que eles são importantes, mas acreditamos que a neuroimagem pode contribuir muito nesse campo, porque mostra o que realmente está se passando no cérebro”, afirma Jessica Cantlon, cientista cognitiva e principal autora do estudo.

      De acordo com Jessica, técnicas como a ressonância têm sido aplicadas com frequência para investigar os circuitos neurais associados ao aprendizado. Contudo, esses testes são feitos fora de um contexto natural, o que pode atrapalhar os resultados. Normalmente, os participantes veem fotografias ou rápidas cenas que passam em uma tela, enquanto a atividade cerebral é monitorada pelos cientistas. O problema é que sequências de imagens não reproduzem a realidade – naquele momento, a pessoa não está vivenciando a situação que os cientistas desejam investigar. Ao colocar os participantes para assistir ao programa educativo enquanto faziam o exame, os pesquisadores de Rochester conseguiram visualizar o que ocorre quando a criança está, por exemplo, na sala de aula ou diante de um livro.

      Os resultados foram compatíveis com teorias que vinculam determinadas regiões do cérebro a diferentes habilidades. Quando, na tela, os personagens da Vila Sésamo exploravam a linguagem, o local mais ativado, tanto em crianças quanto em adultos, era a área de Broca, no giro frontal anterior. Entre outras funções, acredita-se que ela seja responsável não apenas pelo ato motor da fala, mas também por ajudar na compreensão da gramática – por exemplo, diferenciando sujeito, verbo e objeto. Os testes de QI que as crianças fizeram depois confirmaram a associação. Aquelas cujos exames mostraram uma ativação mais pobre da área de Broca se saíram pior nas questões de linguagem.

      Da mesma forma, uma região que já havia sido associada às habilidades matemáticas, o sulco intrapariental, ficava mais ativa quando o vídeo mostrava cenas educativas que envolviam números, como uma canção na qual o boneco Elmo conta a quantidade de peixes em um aquário. 

      No exame escrito, as crianças que acertaram mais problemas de matemática foram aquelas que exibiram um padrão de ativação maior no sulco intrapariental. “A interrupção no funcionamento normal dessa região devido a lesões ou distúrbios genéticos está associada a prejuízos no processamento numérico”, relata Jessica.
       Semelhanças Com mais de 600 imagens obtidas durante as ressonâncias, os cientistas constataram que a maturidade da conexão dos neurônios aumenta com a idade, o que era de se esperar. A surpresa, para os pesquisadores, foi constatar que o padrão, contudo, não é diferente: os cérebros de crianças e de adultos reagiram da mesma forma durante a exibição do vídeo educativo. Com isso, eles derrubam uma antiga hipótese, de que o processo cognitivo é diferente, dependendo da fase da vida. 

      Radiologista da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, o professor Eric Halgren ressalta que, obviamente, adultos não aprendem com programas educativos voltados a crianças da fase pré-escolar. “O que isso indica é que o processo de aprendizado é o mesmo da compreensão. A criança aprende uma nova palavra, o adulto entende o que ela quer dizer. A forma como o cérebro se comporta nos dois casos, contudo, é semelhante”, explica. Há alguns anos, Halgren conduziu um estudo de imagem para investigar como bebês processam as palavras. De acordo com ele, os cérebros das crianças de 1 ano e os dos adultos utilizam o mesmo mecanismo. 

      Para Jessica Cantlon, uma das conclusões da pesquisa publicada na PLoS Biology é que a ressonância magnética funcional prediz a performance acadêmica de uma criança. “Nossos dados indicam que esses estímulos complexos identificam a forma como o cérebro de cada um vai reagir ao conhecimento”, afirma. Ela não quer dizer, contudo, que o estudo não sugere que os pequenos estudantes deveriam ter seus cérebros escaneados, até porque é consenso entre os cientistas que a cognição depende de outros fatores, além do neurológico. “Estamos interessados em aumentar o conhecimento que temos sobre o desenvolvimento do cérebro no contexto natural”, esclarece. 

      Segundo a neurocientista Kimberley G. Noble, especialista em desenvolvimento cognitivo e professora da Universidade de Columbia, mesmo quando a criança apresenta uma atividade cerebral limitada, isso não significa que ela jamais conseguirá um bom desempenho matemático ou linguístico. “Experiências traumáticas na infância, como abuso e estresse extremo, podem gerar mudanças anatômicas no cérebro, provocando danos à aprendizagem e à memória. Contudo, o cérebro infantil tem uma enorme plasticidade e capacidade de crescimento e desenvolvimento. Intervenções educacionais focadas nessa questão têm se mostrado promissoras na melhoria da função cerebral e do comportamento, principalmente em relação à habilidade linguística”, revela. 

      Lições de verdade O estudo conduzido pela Universidade de Rochester  concluiu também que programas de televisão educativos podem, de fato, ensinar. A neurocientista Jessica Cantlon, que liderou a pesquisa, esclarece que o trabalho não tinha como foco essa questão e que o programa Vila Sésamo foi escolhido por ser popular nos Estados Unidos. “Existem evidências de que a performance das crianças na leitura, na disposição para estudar e na criatividade melhora depois de assistirem a programas como Vila Sésamo”, afirma, citando pesquisa realizada em meados da década de 1970, no auge do sucesso do programa.

      Mais recentemente, em 2008, a organização não governamental Children Now divulgou um ranking dos melhores programas infantis em exibição nos EUA, e Vila Sésamo ficou em primeiro lugar. “Evidentemente, não é recomendável deixar a criança em frente à TV o tempo todo, achando que, com isso, ela vai aprender. O vídeo que exibimos tinha apenas 20 minutos”, explica a cientista. 

      Segundo pesquisadores da Universidade de Illinois e da Universidade do Arizona que avaliaram os programas, no entanto, o conteúdo de alguns deixa a desejar. Apenas 13% mostraram um valor altamente educativo. A maioria foi classificada como minimamente educativa.

      Mesmo os de qualidade, contudo, não ensinam nada para crianças com menos de 3 anos, alerta Marie Evans Schmidt, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Harvard. “Existem milhares de shows televisivos e DVDs para bebês, prometendo aos pais que as crianças vão desenvolver mais a cognição, mas nessa idade os programas não têm qualquer influência positiva”, alerta a pesquisadora, que analisou os dados de 872 crianças que participaram do Projeto Viva, conduzido pelo Departamento de Atenção Ambulatória e Prevenção da Universidade de Harvard.

      Tereza Cruvinel - Tudo é sucessão‏

      Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, candidatos a presidentes da Câmara e do Senado, enfrentam resistências agudas a seus nomes. Para o PT, é o preço da governabilidade, que optou por pagar quando, minoritário, buscou o PMDB como aliado preferencial 


      Estado de Minas: 31/01/2013 
      Começa nas próximas horas o rodízio bienal nos postos de comando do Poder Legislativo, tendo como ponto alto a provável eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL), amanhã, para a Presidência do Senado, e a de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), na segunda-feira, para a Presidência da Câmara. Daqui para a frente, tudo é sucessão. Mesmo com os prováveis concorrentes ainda na fase de aquecimento, a presidente da República, Dilma Rousseff, já pegou a estrada e seguirá nela. Hoje vai ao Pará, anteontem esteve em Sergipe. Daqui para a frente, fará uma viagem por semana ao Brasil real. 

      A troca de guarda no Congresso também é sucessão. Afora os presidentes das duas Casas, foram ou estão sendo escolhidos novos líderes e presidentes de comissões técnicas, que completam o elenco dos atores políticos mais relevantes dos próximos meses. O PMDB acabou confirmando ontem o senador Eunício Oliveira como líder no Senado, contornando o veto branco de Dilma a Romero Jucá, que ela mesmo destituiu da liderança do governo meses atrás. A disputa acirrada pelo posto de líder na Câmara será no domingo. Contendas semelhantes ocorrem em outros partidos, mas não no PT, que depois dos infortúnios recentes vive uma fase de inusitada coesão. Ontem resolvia apenas pendengas relativas a comissões, mas sem fissuras. Todas as figuras que emergem agora serão fundamentais no jogo que recomeça, para um governo que pretende conquistar mais quatro anos de mandato para sua titular. O mesmo vale para os do campo da oposição.

      Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, candidatos a presidente do Senado e da Câmara, respectivamente, enfrentam dentro e fora do Parlamento resistências agudas a seus nomes, por conta de denúncias envolvendo suas práticas políticas. Elas são compreensíveis mas não são realistas, por mais que o Legislativo necessite restaurar sua imagem e credibilidade. Eles são candidatos pela regra que reserva tais cargos aos partidos hegemônicos em cada casa. No caso do PMDB, com apoio do PT. Essa mesma regra, que garante a estabilidade interna, leva o PSDB a votar em Henrique mesmo a contragosto. Para o PT, é o preço da governabilidade que optou por pagar quando, minoritário, buscou o PMDB como aliado preferencial, ainda na era Lula. Se o PT tivesse decidido governar apenas com partidos de esquerda, poderia estar apoiando nomes imaculados, seus ou de partidos aliados. Por exemplo, Chico Alencar (PSOL-RJ), para presidente da Câmara, ou Cristóvam Buarque (PDT-DF), para presidente do Senado.

       Entretanto, com uma aliança restrita à esquerda, a governabilidade teria sido comprometida ainda no governo Lula. Dilma nem estaria no Planalto. Algumas crises teriam sacudido o país. Tal como Lula, Dilma rende-se ao realismo político para conservar o poder. Há riscos nessa escolha? Certamente. Renan foi denunciado pelo procurador-geral e novas denúncias podem surgir contra Alves, depois de eleito. Tudo isso pode gerar instabilidade e trazer dissabores para o Governo dela, mas isso está na conta. A contrapartida será a fidelidade político-eleitoral do PMDB nas votações do Congresso e na campanha para a reeleição.

      Alvo de Dilma

      O encontro nacional de prefeitos, organizado pelo Governo Federal, terminou ontem com os municípios entregando uma nova conta ao Planalto. Eles querem uma gentileza já feita pelo governo aos empresários: a desoneração da folha de pagamento e alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo prometeu bilhões em convênios mas ficou de estudar essas duas demandas. Só daqui a duas semanas, entretanto, saberemos se a presidente Dilma alcançou seu principal objetivo prático com o encontro, afora a semeadura de bondades administrativas para colher apoios eleitorais: a concordância da maioria dos prefeitos com a destinação exclusiva dos royalties do petróleo à educação. Quando o Congresso votou a lei sobre o assunto, que teve partes vetadas pela presidente, o poderoso lobby dos prefeitos foi decisivo para a derrota desse ponto, assegurando a liberdade de cada um para aplicar os recursos recebidos. Em março, o Planalto espera que o Congresso aprecie os vetos pendentes e mantenha, com o apoio (ou neutralidade) dos prefeitos, aqueles que garantem a destinação exclusiva à educação, conforme reiterado por uma medida provisória que também terá de ser votada em breve. No discurso ela falou tangencialmente no assunto mas, nos bastidores, a ministra de Relações Institucionais,Ideli Salvatti, e outros articuladores foram claros com os prefeitos: deixem os vetos em paz e receberão outros milhões.

      Ar fresco

      A OA B escolhe hoje sua nova direção nacional, disputada por duas chapas depois de 15 anos de conchavos para a montagem de chapa única. No páreo, Marcus Vinicius Coêlho, que enfrentou denúncias durante a campanha, e Alberto de Paula Machado, que promete eleições diretas para sua eventual sucessão. Hoje só votarão os 81 conselheiros federais. A volta da disputa e do debate oxigenou a instituição, que já viveu tempos mais gloriosos.

      Pasquale Cipro Neto

      folha de são paulo

      "Esporte de verdade"
      É por essas e outras que quase sempre ficamos lá embaixo nos certames internacionais de compreensão de texto
      Como dizia um velho amigo, "não há limite para o pior". Parece que a intolerância (substantivo que, por eufemismo, emprego no lugar de outro) é a regra, a norma, o padrão vigente. E um dos grandes pilares dessa "intolerância" (termo que, repito, emprego por eufemismo) é a incapacidade de ler, compreender, analisar, relacionar, contextualizar etc.
      Na semana passada, um dos meus filhos foi me buscar em Guarulhos. Depois de falarmos disto e daquilo, ele me perguntou se eu tomara conhecimento da "polêmica" causada por uma fala de Tiago Leifert no "Globo Esporte". Eu tinha ficado dez dias fora do país e, embora tivesse entrado na internet inúmeras vezes, não soubera do caso.
      Já em casa, entrei no YouTube e vi Leifert dizer algo como "Agora vamos falar de esporte de verdade", logo depois da exibição de uma matéria em que se falava de doping no ciclismo.
      Pois bem. Fiquei sabendo que choveram mensagens de "repúdio" à declaração de Leifert. Também choveram pedidos de retratação (um deles era de uma federação de ciclismo). Impressionante! Haja falta do que fazer! Haja incapacidade de compreensão do texto e do contexto! Haja complexo de inferioridade!
      O caso me lembra o da peça publicitária da Caixa Econômica em que aparecia um Machado de Assis branco como Papai Noel. Qual foi a manifestação mais ouvida e lida? "Racismo!!!" Ora pipocas! Escrevi sobre isso quando a peça foi ao ar: o nome correto disso nem de longe é racismo; o nome disso é ignorância, arrogância. Os idealizadores da peça devem ter escrito "Machado de Assis" no Google (imagens) e... Teria bastado uma simples consulta a um dos bons especialistas em Machado para que se "descobrisse" que nosso grande escritor era mulato.
      O episódio de agora parte da mesma premissa, enviesada, torta e, sobretudo, intolerante (repito: é eufemismo), que pressupõe que Leifert só pode ter dito o que disse porque acha que o ciclismo não é esporte de verdade. Na cabeça dessa gente não passa levar em conta o contexto: falava-se de doping, de esporte maquiado etc., o que nos leva a entender (desde que a alma não seja pequena e desde que a mente seja aberta, livre de complexos) que, no caso, "esporte de verdade" é qualquer um (repito: qualquer um) em que não haja (atentem para o emprego de "haja" e não de "há") o uso de porcarias. É claro que a alma limpa nos faz pressupor que Leifert não é imbecil a ponto de achar que no futebol não há (atentem agora para o uso de "há") doping e de desconhecer os inúmeros casos já registrados nesse e em muitos outros esportes.
      Nos comentários que li, muita gente diz que Leifert é gênio ou idiota, que só diz maravilhas ou só diz besteiras, que o adora ou o odeia etc. Nada disso importa. A análise de um caso como esse requer a circunscrição à essência. Nada de divagações ou de remissões a declarações de Leifert ou de quem quer que seja sobre fatos que não dizem respeito ao episódio em tela. Será que isso é tão difícil assim?
      É por essas e outras que quase sempre ficamos lá embaixo nos certamens internacionais de leitura e compreensão de texto. Não sabemos ler, porque não sabemos pensar. Pensamos mal; pensamos torto.
      Vou repetir aqui o que escrevi há algum tempo: 1. Toda vaca voa; 2. Mimosa voa; 3. Conclusão: Mimosa é uma vaca. Certo, não? Nada disso. ERRADO, erradíssimo! Dizer que toda vaca voa não significa dizer que tudo que voa é vaca.
      O que ocorreu no episódio Leifert/ciclismo acontece milhões de vezes por dia na internet e nas tais "redes sociais". Muitos dos comentários a respeito de um sem-número de textos e declarações constituem a mais pura demonstração de incapacidade de ler, de relacionar, de contextualizar. Haja paciência! É isso.

      Bactérias favorecem a desnutrição - Marcela Ulhôa‏


      Estado de Minas: 31/01/2013 
      A desnutrição é a principal causa de mortalidade infantil em todo o mundo. De acordo com a organização Médicos sem Fronteiras, nove crianças morrem a cada minuto pela falta de nutrientes básicos. O problema tem um forte vínculo socioeconômico: onde há pobreza, desigualdade social e falhas no saneamento básico, a deficiência alimentar aparece estampada nos rostos e nos corpos ainda em crescimento. Apesar de todo o avanço alcançado nos últimos anos, para algumas crianças desnutridas, aumentar a ingestão de calorias, ainda que essencial, não é suficiente para torná-las mais saudáveis.

      A partir de um estudo conduzido com mais de 300 pares de gêmeos no Malawi, um dos países da África com maior taxa de desnutrição, pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, descobriram que algumas bactérias que vivem no intestino podem ajudar na instalação de um quadro de desnutrição infantil grave, chamada kwashiorkor. Publicada na revista Science de hoje, a pesquisa mostra como alterações nas comunidades de micróbios presentes no intestino combinadas a uma dieta pobre em nutrientes conspiram para provocar a desnutrição aguda nos primeiros anos de vida. 

      Autor principal do estudo, o médico Jeffrey Gordon afirma que o interesse pela linha de pesquisa surgiu baseado em resultados anteriores que revelaram uma ligação entre a flora intestinal e a obesidade. “Questionei se o inverso poderia ser também verdadeiro, ou seja, se a disfunção da microbiota do intestino é uma causa subjacente de desnutrição”, explica. A partir de uma análise detalhada da flora intestinal de todos os pares de gêmeos durante os três primeiros anos de vida, os pesquisadores perceberam uma diferença expressiva entre o perfil de micróbios encontrados em crianças saudáveis e naquelas altamente subnutridas. O fato poderia explicar porque, sob as mesmas condições ambientais e nutricionais, um irmão se torna desnutrido enquanto o seu gêmeo permanece saudável. A resposta estaria, então, em um padrão diferente da microbiota de cada pessoa.

      Para sustentar a análise feita em humanos, os pesquisadores realizaram estudos adicionais com camundongos de laboratório. Ao transportar para os ratos o conjunto de micróbios presentes em crianças com kwashiorkor, os roedores iniciaram uma perda dramática de peso e alterações metabólicas. A deficiência, entretanto, aparecia somente quando eram também alimentados com uma dieta pobre em nutrientes. De acordo com Alexandre Nikolay, coordenador do serviço de pediatria do Hospital Santa Lúcia, é importante ressaltar que as bactérias, por si só, não causam desnutrição. “Não existe desnutrição aguda onde há alimento. Você não desenvolve a deficiência só porque pegou um tipo específico de bactéria. É preciso que haja também uma alimentação pobre”, pondera o médico.

      Amendoim Ainda que não seja suficiente para causar o problema, a flora intestinal desempenha um papel complementar na desnutrição. Ao alimentar os gêmeos e os camundongos infectados com uma dieta com alto teor calórico e rica em nutrientes, os pesquisadores observaram um efeito benéfico, porém temporário e insuficiente para reparar a disfunção. O tratamento nutricional baseou-se, principalmente, na entrega de alimentos derivados do amendoim, como pastas e óleos, seguindo, por tanto, o protocolo da Organização Mundial da Saúde que defende a utilização de alimentos terapêuticos prontos para o uso.

      Enquanto a dieta especial era administrada, a microbiota de crianças e ratos desnutridos foi ficando cada vez mais parecida com a de organismos saudáveis e bem alimentados. Além disso, os indivíduos ganharam peso e as alterações clínicas ligadas, por exemplo, ao fígado e à pele melhoraram. Entretanto, quando voltaram a ingerir somente a comida disponível na comunidade, a combinação de micróbios voltou ao estágio inicial presente no quadro de desnutrição. “Nossos resultados sugerem que precisamos elaborar novas estratégias de reparação da flora intestinal para que essas crianças possam experimentar um crescimento saudável e atingir o seu pleno potencial”, defende Gordon.

      tuberculose

      Doença que mata quase 2 milhões de pessoas anualmente – no Brasil, foram 4,6 mil óbitos e 71.337 casos em 2011 –, a  tuberculose é tratada com antibióticos que  amenizam os sintomas. Porém, anos depois ela pode voltar. Estudo da Universidade de Stanford indica o motivo da resistência: a bactéria Mycobacterium tuberculosis que provoca o mal infiltra e se estabelece em uma classe de células-tronco da medula óssea. Fazendo isso, tira vantagem da capacidade do organismo de se autorrenovar.

      Uso de antibiótico 


      Em outro estudo publicado também hoje na revista científica New England Journal of Medicine, pesquisadores da mesma equipe de Jeffrey Gordon trazem uma nova possibilidade de tratamento para o kwashiorkor, a desnutrição infantil grave. A resposta estaria no uso de antibióticos. Os pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington defendem que as crianças gravemente desnutridas se recuperam melhor e têm mais chance de sobreviver quando recebem, além dos alimentos terapêuticos, certos antibióticos. De acordo com eles, a combinação de terapias é muito mais eficiente do que a utilização única de alimentos terapêuticos prontos para o uso.

      A pesquisa envolveu cerca de 2.800 crianças de Malawi com desnutrição severa. Cada pessoa recebeu por 30 dias a comida terapêutica, além de um placebo ou um antibiótico oral — amoxicilina ou cefdinir — por sete dias. O resultado mostrou que, em comparação com o não uso de antibiótico, o cefdinir proporcionou uma queda de 44% da mortalidade infantil por desnutrição. Já a amoxicilina reduziu em 36% essa mesma estatística. 

      Apesar dos resultados, Benedito Scaranci, pediatra e especialista em nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais, acredita que é preciso cautela antes de induzir antibiótico para tratamento de desnutrição. “Do ponto de vista clínico, o que a gente sabe é que os antibióticos alteram a flora intestinal para o bem e não para o mal. Eles dificilmente agem de forma selecionada para agir somente nas bactérias nocivas, normalmente matam tudo, inclusive as bactérias que participam da absorção de alimentos”, pondera. 

      Para Scaranci, o uso indiscriminado do medicamento pode causar um efeito contrário ao desejado, prejudicanto o organismo da criança.“É preciso esperar o amadurecimento dessas pesquisas para ter uma opinião mais tecnicamente firmada, mas eu escolheria outra linha de pesquisa que tente ver nos alimentos probióticos uma solução para melhorar a flora intestinal”, defende. (MU)