Fernando Reinach *
O EEJeep está causando preocupação nos EUA e no Canada. Ele não passa de um carro equipado com um novo e sofisticado sistema de eletroencefalograma. Com esse equipamento móvel, um grupo de cientistas pretende visitar e examinar centenas de pacientes que vivem imóveis e incomunicáveis por anos a fio. São pessoas que após um trauma craniano ou uma doença entram em um estado que os médicos classificam como "vegetativo".
O objetivo é descobrir quantos deles possuem alguma forma de consciência, mas, incapazes de emitir qualquer sinal que demonstre seu estado mental, são considerados mentalmente mortos.
Tudo começou em 2006, quando um único paciente em estado vegetativo foi colocado em um equipamento de ressonância magnética capaz de medir a atividade cerebral em regiões discretas do cérebro, o fMRI - sigla para functional magnetic ressonance imaging.
Durante o exame, os cientistas pediram ao paciente que imaginasse que estava movimentando o braço, como se estivesse jogando tênis. Para surpresa dos médicos, as regiões do cérebro que nas pessoas conscientes são ativadas quando imaginamos que estamos jogando tênis também foram ativadas neste paciente. Em seguida, pediram a ele que imaginasse que estava caminhando por sua casa. Em pessoas conscientes, uma outra região do cérebro é ativada quando imaginamos nosso deslocamento em um espaço conhecido. Novamente o cérebro do paciente respondeu ao estímulo, ativando áreas idênticas às ativadas em pessoas normais.
Na época, esse estudo provocou uma grande polêmica. Será que esse paciente estava realmente consciente ou seu cérebro estava simplesmente sendo ativado por meio de um reflexo automático? Será que muitos pacientes classificados como em estado vegetativo apresentam esse tipo de resposta? Será que essa resposta é suficiente para classificar esses pacientes como possuidores de alguma forma de consciência?
Levou quatro anos, mas em 2010 os mesmos pesquisadores publicaram um estudo com 54 pacientes. Destes, 49 se mostraram incapazes de alterar a atividade cerebral quando, dentro da máquina de fMRI, eram solicitados a imaginar que jogavam tênis ou andavam pela casa. O impressionante é que cinco pacientes apresentavam resposta semelhante ao paciente analisado em 2006.
Mas o mais impressionante é o caso de um deles, o paciente 23, um rapaz de 22 anos que havia sofrido traumatismo craniano cinco anos antes e, desde então, estava incomunicável, em estado vegetativo. Os cientistas o instruíram a tentar responder perguntas da seguinte maneira: se a resposta era "sim", ele deveria imaginar que estava jogando tênis; se a resposta fosse "não", ele deveria imaginar que estava andando pela casa. Desse modo, observando o sinal do fMRI após a pergunta e identificando o que o paciente estava imaginando, os cientistas poderiam compreender a resposta do paciente.
Quando perguntaram se ele tinha irmãos, ele imaginou que jogava tênis (sim, correto). Seu pai se chamava Thomas? Ele imaginou que andava pela casa (não, correto). Seu pai se chamava Alexandre? Imaginou que jogava tênis (sim, correto). No total, foram seis perguntas. E em todos os casos a resposta foi correta.
Esse resultado demonstrou que esse paciente entendeu a instrução verbal de imaginar duas situações distintas (jogar tênis ou andar pela casa) e foi capaz de associar a cada ato de imaginar a palavra "sim" ou "não" e, finalmente, com esse método, foi capaz de responder corretamente algumas perguntas relacionadas à sua biografia, comunicando-se com o mundo exterior.
Dilema. Sem dúvida esse paciente possui algum grau de consciência. No trabalho publicado em 2010 não é esclarecido porque esse método de comunicação não foi tentado com os outros quatro pacientes. Uma das prováveis razões é a falta de autorização, por parte dos responsáveis legais por esses pacientes, para a realização do experimento.
O fato é que a comunicação com o paciente 23 foi interrompida após esse experimento inicial. Mesmo os cientistas tiveram receio de continuar. O que fazer com a resposta "sim/não" do paciente 23 se a pergunta fosse "Você quer continuar vivendo nesse estado?"
É por isso que o EEJeep está provocando tanta polêmica. Foram dois anos construindo um equipamento mais simples e barato, capaz de detectar a atividade cerebral induzida pelo ato de imaginar que a pessoa está jogando tênis ou passeando pela casa.
Agora, com esse novo equipamento instalado em um carro e financiamento do governo do Canadá, os pesquisadores pretendem avaliar, com a autorização dos responsáveis legais, centenas de pacientes em estado vegetativo.
Existem dezenas de milhares de pacientes nesse estado somente nos Estados Unidos, uma consequência direta do progresso dos centros de terapia intensiva, capazes de salvar a vida de pessoas que décadas atrás não sobreviveriam a lesões cerebrais dessa natureza.
Pessoalmente, eu espero que os resultados do estudo feito com o EEJeep seja negativo na grande maioria dos pacientes. Se uma fração desses pacientes for capaz de se comunicar, os dilemas éticos e morais que os médicos, as famílias e os legisladores serão forçados a enfrentar são enormes. O primeiro é decidir o que perguntar e o que fazer com as respostas. O segundo é enfrentar a pergunta proibida: "Você é feliz?"
O objetivo é descobrir quantos deles possuem alguma forma de consciência, mas, incapazes de emitir qualquer sinal que demonstre seu estado mental, são considerados mentalmente mortos.
Tudo começou em 2006, quando um único paciente em estado vegetativo foi colocado em um equipamento de ressonância magnética capaz de medir a atividade cerebral em regiões discretas do cérebro, o fMRI - sigla para functional magnetic ressonance imaging.
Durante o exame, os cientistas pediram ao paciente que imaginasse que estava movimentando o braço, como se estivesse jogando tênis. Para surpresa dos médicos, as regiões do cérebro que nas pessoas conscientes são ativadas quando imaginamos que estamos jogando tênis também foram ativadas neste paciente. Em seguida, pediram a ele que imaginasse que estava caminhando por sua casa. Em pessoas conscientes, uma outra região do cérebro é ativada quando imaginamos nosso deslocamento em um espaço conhecido. Novamente o cérebro do paciente respondeu ao estímulo, ativando áreas idênticas às ativadas em pessoas normais.
Na época, esse estudo provocou uma grande polêmica. Será que esse paciente estava realmente consciente ou seu cérebro estava simplesmente sendo ativado por meio de um reflexo automático? Será que muitos pacientes classificados como em estado vegetativo apresentam esse tipo de resposta? Será que essa resposta é suficiente para classificar esses pacientes como possuidores de alguma forma de consciência?
Levou quatro anos, mas em 2010 os mesmos pesquisadores publicaram um estudo com 54 pacientes. Destes, 49 se mostraram incapazes de alterar a atividade cerebral quando, dentro da máquina de fMRI, eram solicitados a imaginar que jogavam tênis ou andavam pela casa. O impressionante é que cinco pacientes apresentavam resposta semelhante ao paciente analisado em 2006.
Mas o mais impressionante é o caso de um deles, o paciente 23, um rapaz de 22 anos que havia sofrido traumatismo craniano cinco anos antes e, desde então, estava incomunicável, em estado vegetativo. Os cientistas o instruíram a tentar responder perguntas da seguinte maneira: se a resposta era "sim", ele deveria imaginar que estava jogando tênis; se a resposta fosse "não", ele deveria imaginar que estava andando pela casa. Desse modo, observando o sinal do fMRI após a pergunta e identificando o que o paciente estava imaginando, os cientistas poderiam compreender a resposta do paciente.
Quando perguntaram se ele tinha irmãos, ele imaginou que jogava tênis (sim, correto). Seu pai se chamava Thomas? Ele imaginou que andava pela casa (não, correto). Seu pai se chamava Alexandre? Imaginou que jogava tênis (sim, correto). No total, foram seis perguntas. E em todos os casos a resposta foi correta.
Esse resultado demonstrou que esse paciente entendeu a instrução verbal de imaginar duas situações distintas (jogar tênis ou andar pela casa) e foi capaz de associar a cada ato de imaginar a palavra "sim" ou "não" e, finalmente, com esse método, foi capaz de responder corretamente algumas perguntas relacionadas à sua biografia, comunicando-se com o mundo exterior.
Dilema. Sem dúvida esse paciente possui algum grau de consciência. No trabalho publicado em 2010 não é esclarecido porque esse método de comunicação não foi tentado com os outros quatro pacientes. Uma das prováveis razões é a falta de autorização, por parte dos responsáveis legais por esses pacientes, para a realização do experimento.
O fato é que a comunicação com o paciente 23 foi interrompida após esse experimento inicial. Mesmo os cientistas tiveram receio de continuar. O que fazer com a resposta "sim/não" do paciente 23 se a pergunta fosse "Você quer continuar vivendo nesse estado?"
É por isso que o EEJeep está provocando tanta polêmica. Foram dois anos construindo um equipamento mais simples e barato, capaz de detectar a atividade cerebral induzida pelo ato de imaginar que a pessoa está jogando tênis ou passeando pela casa.
Agora, com esse novo equipamento instalado em um carro e financiamento do governo do Canadá, os pesquisadores pretendem avaliar, com a autorização dos responsáveis legais, centenas de pacientes em estado vegetativo.
Existem dezenas de milhares de pacientes nesse estado somente nos Estados Unidos, uma consequência direta do progresso dos centros de terapia intensiva, capazes de salvar a vida de pessoas que décadas atrás não sobreviveriam a lesões cerebrais dessa natureza.
Pessoalmente, eu espero que os resultados do estudo feito com o EEJeep seja negativo na grande maioria dos pacientes. Se uma fração desses pacientes for capaz de se comunicar, os dilemas éticos e morais que os médicos, as famílias e os legisladores serão forçados a enfrentar são enormes. O primeiro é decidir o que perguntar e o que fazer com as respostas. O segundo é enfrentar a pergunta proibida: "Você é feliz?"
* Fernando Reinach é biólogo. E-mail: fernando@reinach.com.
Mais informações Willfull Modulation of Brain Activity in Disorders os Consciousness. New England Journal of Medicine, vol. 362, pág 579. 2010.