A encantadora
A escritora franco-iraniana Lila Azam Zanganeh virá à Flip e terá seu "O Encantador", sobre Nabokov, lançado no país
A concisão fala. Estrela ainda não anunciada da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a escritora queria, com seu laconismo, desviar as atenções que vinham sendo dadas a sua trajetória pessoal.
Desde que assinou, como organizadora, um primeiro livro de contos de autores iranianos, em 2006, quando tinha 30 anos, e começou a frequentar o "star system" literário de Nova York, onde vive, muitas toneladas de papel jornal haviam sido impressas sobre ela.
Diziam que ela falava fluentemente seis idiomas, do persa de seus pais ao russo, que aprendeu sozinha; que escrevera em inglês para o "New York Times", em francês para o jornal "Le Monde", em italiano para "La Repubblica"; que, aos 22 anos, havia sido professora em Harvard, depois de se formar na prestigiada École Normale Supérieure, em Paris.
Apesar da discreta nota biográfica ("queria fugir do marketing pessoal", diz ela), com a publicação de "O Encantador" a mística decuplicou: vieram elogios rasgados de Orhan Pamuk a Salman Rushdie e contratos com editoras de renome no circuito Elizabeth Arden.
Azam não queria falar sobre isso. O seu assunto é Vladimir Nabokov (1899-1977).
O escritor russo (depois americano) é o tema de "The Enchanter", que a Alfaguara lançará no Brasil em junho com o título "O Encantador - Nabokov e a Felicidade".
Obra híbrida, entre ensaio e biografia, com "twists" de ficção (como uma entrevista da autora, que tem 36 anos, com o velho Vladimir, que morreu dez meses após o nascimento dela), o livro é centrado numa ideia fixa dela sobre o autor de "Lolita".
"Estou convencida de que ele é o grande escritor da felicidade", diz ela, em entrevista àFolha no café do Hotel Santa Clara, em Cartagena das Índias, na Colômbia, onde ela esteve como convidada do Hay Festival local.
Felicidade nunca foi um tema em alta na pintura ou na literatura. E não é um assunto que se associe com Nabokov. Basta lembrar um episódio recente. No dia 9 de janeiro, uma vidraça do elegante Museu Nabokov, em São Petersburgo, na Rússia, foi destruída por uma garrafa.
Dentro dela, como numa história de náufragos, havia um bilhete: "Como vocês podem permanecer alheios à ira de Deus, promovendo a pedofilia de Nabokov?".
TABU E TRANSGRESSÃO
Azam tem uma explicação com nota de rodapé para o furor que ainda causa a obra de Nabokov. "Denis de Rougemont, estudioso do amor no Ocidente, escreveu que um dos problemas do século 20 é que não temos mais tabus. É muito difícil escrever livros transgressores. Diz que os únicos tabus que restam são incesto e pedofilia. É nessa direção que Nabokov vai."
Mas mesmo nos momentos mais transgressores (não são poucos) da ficção nabokoviana, Azam diz enxergar poesia, brilho, alegria.
Numa das cenas do ambicioso romance "Ada ou Ardor", por exemplo, há uma descrição de um cão morto numa poça de sangue. "Nabokov se põe a falar sobre os dentes brancos do cão e de como neles brilha o sol."
Na concepção da escritora, "Ada" (1969) é, por sinal, o livro que ela considera o mais feliz de Nabokov. "Cada página de 'Ada', frase após frase, cintila com luz."
A escritora se diz especialmente conectada a esse livro por ser ele um romance sobre um tema caro ao escritor (e a ela mesma): a recuperação de um universo perdido, "a recuperação de uma língua que é a sua própria língua".
Nabokov, vale recordar, é membro, como o polonês Joseph Conrad (1857-1924), do minúsculo clube dos grandes autores que escreveram obras importantes em outra língua, que não a materna.
Em um debate no Hay Festival Cartagena com o escritor Juan Gabriel Vásquez, Azam comentou o assunto.
"Até os 40 anos, Nabokov escreveu em um idioma. Depois mudou. E criou um inglês único, quase que inventado por ele, e com o qual escreveu obras-primas", argumentou ela, que adotou para a sua literatura o inglês, quarta língua que aprendeu.
Ainda que tenha pisado só uma vez no Irã, ainda bebê, Azam diz que viveu o exílio por meio dos seus parentes.
Quando a Revolução Islâmica de 1979 estourou, um tio foi assassinado e a mãe deixou o país no último voo antes do fechamento das fronteiras. "Foi no mesmo avião da Air France que acabara de trazer Khomeini ao país."
CONTATO COM NABOKOV
A mãe, que é poeta, e poliglota como a filha, foi quem a apresentou à obra de Nabokov. Lila ainda era criança, quando a mãe lia trechos de "Fala Memória" para ela.
"Felicidade se aprende é nas horinhas de descuido", dizia Guimarães Rosa, e foi dessa maneira que a escritora achou a alegria Nabokov.
Mas nem tudo é Nabokov. Atualmente, Azam se dedica a escrever seu primeiro romance. "Orlando Inventions" será ambientado em 14 lugares diferentes, ao longo de 14 séculos. "Será uma reescritura ficcional da história do mito de Orlando. Começa com a 'Chanson de Roland', o épico francês do século 8, e vai até o século 21 em Nova York."
Nas horas vagas, a escritora, que conhece Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo ("Adoraria ficar encarcerada na Livraria Cultura da avenida Paulista"), começa a estudar o seu sétimo idioma: o português. "Vou fazer todo o possível para falar em português na Flip." Ela ainda tem ao menos cinco meses para isso.
RAIO X - LILA AZAM ZANGANEH
Nasce em 1976, em Paris, filha de iranianos exilados
ESTUDOS
Formada pela École Normale Supérieure, em Paris, com mestrado na Columbia University, de Nova York
CARREIRA
Foi professora na Universidade de Harvard.
Escreveu para jornais em diversos idiomas, como para o "Le Monde" (em francês), "The New York Times" (em inglês) e "La Repubblica" (em italiano).
Publicou o livro "The Enchanter" (2011) e prepara no momento seu primeiro romance, "Orlando Inventions".
A autora vem ao Brasil em julho para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)
PROJETOS SOCIAIS
A autora integra uma ONG que presta ajuda humanitária a regiões em conflito
País terá contos completos de autor russo
DO ENVIADO ESPECIAL A CARTAGENA"O Encantador" não chegará sozinho às livrarias brasileiras. Com ele, a editora Alfaguara publicará pela primeira vez no país "Contos Completos" de Vladimir Nabokov.O livro reúne mais de 60 histórias, que o escritor publicou entre os anos 1920 e 1950, reunidas em volume de 850 páginas.
A tradução será de José Rubens Siqueira, que já verteu ao português obras do escritor como a novela "O Olho" e o romance "A Verdadeira Vida de Sebastian Knight", primeiro livro dele em inglês.
A Alfaguara, que desde 2009 publica a obra de Nabokov, terá ótimas novas aos fãs também para 2014.
Relançará dois títulos centrais, já publicados pela Companhia das Letras, mas há tempos fora de catálogo: o romance "Pnin" e o autobiográfico "Fala, Memória" (lançado antes no Brasil como "A Pessoa em Questão").
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