LIVROS
Da vasta produção de Agustina Bessa-Luís, maior escritora lusitana, só cinco livros foram editados aqui
Para pesquisadores, preconceitos e relação cultural tênue entre Brasil e Portugal prejudicaram sua obra
Em sua coluna na "Ilustrada", publicada no dia 15, o português queixou-se do que considera o maior mistério de nosso mercado: por que a Agustina Bessa-Luís, sua conterrânea, é pouco lida no Brasil?
"Mas como é possível só ter ouvido falar do maior gênio vivo da literatura portuguesa? Não é possível. Nem desculpável", escreveu.
A indagação de Coutinho é compartilhada por pesquisadores e acadêmicos ouvidos pelaFolha.
"A meu ver, Agustina é o grande prosador da língua portuguesa do século 20", afirma a professora Anamaria Filizola, autora de uma tese de doutorado sobre a escritora.
Agustina, que completou 90 anos em 2012, é autora de uma obra extensa, em todos os sentidos. Em 2004, ganhou o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa.
Começou a escrever aos 16. Em 1954 surpreendeu o meio literário ao publicar "A Sibila", denso romance sobre as transformações na sociedade rural portuguesa.
A ele se seguiram dezenas de outros títulos. Entre seus romances há obras de peso, como "As Fúrias" (1977), "O Mosteiro" (1980) e "Um Cão que Sonha" (1997). Ela ainda enveredou por peças de teatro, crônicas, relatos memorialísticos e livros infantis.
No Brasil, contudo, quem quiser conhecer sua vasta produção terá que recorrer a edições importadas.
Segundo especialistas e o grupo Babel, que a edita em Portugal, só foram publicados aqui "A Sibila", "Sebastião José" (ambos pela Nova Fronteira), "Vale Abraão" (Planeta) -os três esgotados- e os infantis "Dentes de Rato" e "Vento, Areia e Amoras Bravas" (ambos pela Peirópolis).
Alcir Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, avalia que isso ocorre porque "talvez falte mais conhecimento efetivo da literatura portuguesa e menos contato apenas por meio de agentes internacionais, que sempre vendem o mesmo peixe".
Ele considera Agustina "muito superior" a José Saramago e António Lobo Antunes, dois dos mais prestigiados autores portugueses no Brasil.
Para Filizola, o romance agustiano, por seu tom digressivo, não é fácil de ler, nem para os portugueses. Além disso, nota um preconceito contra a autora entre os acadêmicos.
"Seu discurso não é maniqueísta, não há nele nada de panfletário no sentido político. A predominância de uma literatura engajada, com repercussões no estrangeiro, a isolava nos meios culturais."
ABISMO CULTURAL
Marlise Vaz Bridi, professora de literatura portuguesa da USP, reclama que outros autores portugueses importantes, como José Cardoso Pires, também têm pouco espaço aqui.
"Isso é um grande equívoco da relação Brasil-Portugal. É preciso criar um lugar de convívio entre os autores, do contrário não há acordo ortográfico que una os países."
A poeta Maria Lúcia Dal Farra faz coro. "Acho que é o tal oceano a nos unir e a nos separar. E é um oceano onde falta vontade política para tal, e acho que muitíssimo da parte dos dirigentes brasileiros."
A portuguesa Maria João Costa, editora-executiva da Leya no Brasil -o grupo atua em países de língua portuguesa-, diz que o fato de falarmos a mesma língua acaba não sendo um facilitador.
"O mercado brasileiro é complicado. É difícil chamar atenção para os autores portugueses. Lá em Portugal, com a crise econômica, as perspectivas vão ficar ainda piores."
Agustina teve um AVC (acidente vascular cerebral) há alguns anos e desde então não escreve nem dá entrevistas.
Mónica Baldaque, filha da escritora, respondeu por e-mail que "se no Brasil Agustina é pouco editada, não é por desinteresse seu". "Há um conjunto de fatores que tem que ver com a pouca capacidade dos editores portugueses em lançar Agustina no Brasil."
Vasco Silva, diretor-editorial da Babel, disse que o grupo planeja fortalecer a presença de Agustina no Brasil. Segundo ele, "Breviário do Brasil", coletânea de textos da escritora sobre o país, deve ser editado neste ano por aqui.
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