Por uma cabeça
Quando, em dezembro último, a "Economist" pediu a demissão de Guido Mantega, brasileiros cordatos se perguntaram se a vetusta revista britânica teria perdido o senso. A sequência dos acontecimentos iria mostrar que havia método naquela loucura, pois, na véspera do Natal, o também inglês "Financial Times" iniciou uma série de ataques à condução da economia pátria.Na quarta passada, aproveitando a oscilação do dólar ao longo do dia, o "FT" voltou à carga. Algumas horas depois de Guido assegurar a prefeitos reunidos em Brasília que não iria permitir "uma valorização especulativa do real", o jornal de negócios publicou na internet comentário segundo o qual seria "exaustivo" tentar entender o que o ministro queria para o câmbio. De modo a acentuar o tom crítico da observação, o texto levantava a hipótese de que os membros do governo não teriam a menor "ideia do que estão fazendo".
Outra vez, patrícios de boa índole se indagaram sobre o que estaria ocorrendo com o tradicional discernimento anglo-saxão. Seria preciso escandir mais as sílabas para que ficasse compreensível a determinação de evitar a "valorização especulativa do real"? Os leitores que tenham tido a paciência de chegar até aqui já terão entendido que aos súditos de Sua Majestade não falta capacidade cognitiva. Ocorre que alguns deles não gostam das posições assumidas pela Fazenda do Brasil e, treinados na caça ao pato, decidiram alvejar o titular da pasta em pleno voo industrialista.
Naquele dia, Mantega adotara tom menos moderado do que o de hábito. "O câmbio é flutuante, mas, se exagerar na dose, a gente vai lá e conserta", prometeu. Em outras palavras, garantiu que o ganho de competitividade que a indústria nacional terá com a diminuição do preço da energia elétrica não vai ser anulado por uma valorização indesejada da moeda, a qual facilitaria a entrada de produtos estrangeiros.
Havia um segundo recado implícito no discurso ministerial. Para estimular a reindustrialização do país, o Executivo está disposto a arriscar alguma pressão inflacionária, uma vez que, ao recusar a apreciação do real, abre mão, em certa medida, de contar com as importações para segurar os preços internos.
Tudo somado, assiste-se a um embate político de proporções razoáveis. Sem abandonar o lulismo, mas à diferença de Lula, Dilma adotou posição menos conciliadora na defesa do industrialismo. Comprou briga séria com os bancos ao forçar a redução dos juros. Impôs restrições ao capital internacional flutuante. Enfrentou a ferro e fogo poderosos interesses no setor energético. A resposta dos prejudicados, lá fora e aqui, é exigir a cabeça de Guido, que, todos sabem, no fundo é a da presidente.
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