sábado, 23 de março de 2013
ALEGRIAS E TRISTEZA
O Estado de S.Paulo - 23/03/2013
Em estreia no Rio, Caetano Veloso expande melancolia do disco Abraçaço em show que chega a São Paulo em abril
Crítica Mauro Ferreira
Manifesto filosófico que veicula a melancolia incisiva de Caetano Veloso, o disco Abraçaço gerou show arquitetado no mesmo tom eletroacústico do CD gravado em2012 com a Banda Cê. No show, que estreou no Rio quinta e chega a São Paulo em 12 e 13 de abril na casa HSBC Brasil, o artista expande essa melancolia, mas demonstra paradoxal alegria excelsa por estar no palco com trio de indie rock para cantar músicas que esboçam retratos de um Brasil mais triste e, em âmbito pessoal,deum homem triste, flagrado
em estado de espírito que por vezes deixa entrever certo fastio da vida. Sintomaticamente, Triste Bahia, poema do baiano Gregório de Mattos (1636-1696) musicado por Caetano,foi a música escolhida para fazer no palco o link de Abraçaço com Transa, o cultuado álbum de 1972 que remete à recente guinada roqueira iniciada em 2006 com o CD Cê, primeiro da trilogia encerrada com Abraçaço. Contudo, com sua alegria, o cantor abarca o público e dissimula sua tristeza. “Eu quero dar o fora / E quero que você venha comigo”, enfatizou Caetano, repetindo várias vezes o último verso do samba de 1971.
O público vai com Caetano, a julgar pela reação catártica da plateia que lotou o Circo Voador, plataforma carioca para o lançamento nos anos 80 de roqueiros como Cazuza(1958–1990),saudado no bis (a renda da estreia foi revertida para a Sociedade Viva Cazuza). A bem da verdade, o público foi com Caetano desde o primeiro dos 23 números do show, A Bossa Nova é Foda. “É o grito de guerra do Brasil!”, bradou o cantor, exagerado, incitando a plateia a repetir o verso-refrão-título do tema que abre o CD Abraçaço. Na sequência,Caetano reiterou a devoção ao seu mestre João Gilberto ao entoar a bossa-novista Lindeza. Tal como no disco que originou o show, o violão está no centro do som desta canção de 1991, e também de Alguém Cantando (1977), do samba Quando o Galo Cantou e de Vinco, anticlímax d bis, reanimado com as providenciais lembranças do hit A Luz de Tieta e do rock Outro.
A tristeza se insinuou senhora, mas foi diluída em números expansivos como Eclipse Oculto (1983)e a veloz Parabéns,composta a partir de saudação enviada a Caetano por e-mail pelo cineasta Mauro Lima. Envolto em clima dançante, o texto curto foi reforçado no show com o vocal do baixista Ricardo Dias Gomes. Ápice da recorrente melancolia do repertório, a canção Estou Triste soou menos pungente no palco. Com a voz assumidamente cansada, Caetano esboçou falsete menos profundo. Mas a tristeza foi ratificada nos versos de Mãe, a canção de 1978 que o compositor já reabilitara ao selecionar o repertório do show que criou para Gal Costa em2012, Recanto.
Letárgica no disco, a pregação de Um Comunista surtiu mais efeito no palco. Aplausos fortes ecoaram ao som de “Vida sem utopia / Não entendo que exista”, versos da letra verborrágica em que Caetano traça perfil de Carlos Marighella (1911-1969), poeta guerrilheiro baiano assassinado pelo governo militar.Efeito também teve o samba Escapulário. Parceria póstuma de Caetano com o modernista Oswald de Andrade (1890-1954), Escapulário caiu no samba-rock com a pegada da Cê. Aliás, o samba-reggae Alexandre também virou sambarock em número no qual Caetano faz jogo de cena com livro de história, no qual inseriu a letra da música do disco Livro (1997), lida pelo artista, assim como os versos do Funk Melódico.
No palco preenchido por quadro preto do pintor russo Kazimir Severinovich Malevich (1878-1935), Caetano celebrou o balanço do Recôncavo em Reconvexo (1989), escorado no suingue da guitarra de Pedro Sá. O verso “Quem não rezou a novena de Dona Canô” gerou aplausos espontâneo à mãe do artista, morta no Natal. Subindo em direção ao Norte, O Império da Lei pregou com rancor o fim da impunidade no Pará entre toques de carimbó e maracatu. Outro retrato de um Brasil triste.Abraçaço,o show,expande a melancolia do disco com menor impacto musical do que os dois espetáculos anteriores do cantor porque a conexão de Caetano com a Banda Cê já surpreende menos. Ainda assim, Abraçaço é show pleno de vida pela alegria excelsa e jovial que dissimula a senhora tristeza do artista.
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Caetano: lépidos, parados!
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