Tara Siegel Bernard
- Michelle V. Agins/The New York TimesJeff Friedman (à esq.) e Andrew Zwerin, com o filho do casal, Joshua, 9, na casa da família, em Nova York
Mas uma vitória para os direitos dos gays em qualquer um dos dois casos monumentais que serão apresentados aos ministros na próxima semana não necessariamente resolverão todas as questões financeiras e legais complicadas enfrentadas atualmente pelos casais de mesmo sexo. Os casais gays provavelmente precisarão lidar com uma colcha de retalhos de leis estaduais, muitas das quais não reconhecem suas uniões e, talvez ainda mais importante, o relacionamento legal deles com seus filhos.
Muito depende de como os votos serão escritos, algo que provavelmente não será conhecido até junho (e isso supõe que a Suprema Corte decidirá publicar os votos sobre os méritos em ambos os casos). Mas mesmo que parte da Lei de Defesa do Casamento --que nega os benefícios federais aos casais de mesmo sexo-- seja derrubada, muitos gays ainda precisariam viajar para outro Estado para se casarem, enquanto os casais heterossexuais só precisam ir até o cartório local.
E, mesmo nesse caso, dizem alguns peritos legais, mais trabalho provavelmente precisará ser feito --seja por meio dos tribunais ou do Congresso-- para assegurar que os casamentos de pessoas que vivem em Estados hostis ao casamento gay sejam reconhecidos para fins federais.
"Há a ilusão de que, com um fim da Lei de Defesa do Casamento, todos os casais de mesmo sexo terão acesso a todos os direitos e benefícios federais, mas isso não é verdade", disse Emily Hecht-McGowan, diretora de políticas públicas do Conselho de Igualdade da Família. "Nós temos apenas um punhado de Estados que permite a igualdade do casamento. Seria preciso viajar para um desses Estados para se casar."
A segunda questão que está sendo apresentada à Suprema Corte trata de um assunto mais amplo, sobre quem tem o direito de se casar. Ela contesta a proposta 8, uma iniciativa da Califórnia proibindo o casamento de mesmo sexo.
"O caso da proposta 8 é mais amplo do que o caso da Lei de Defesa do Casamento, porque o resultado no caso da proposta 8 seria, no mínimo, permitir que os casais de mesmo sexo na Califórnia se casassem", disse James D. Esseks, diretor do projeto da União Americana das Liberdades Civis, que lida com questões de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, "e pode até mesmo obrigar todos os Estados do país a permitirem o casamento de casais de mesmo sexo".
A corte, é claro, pode manter as leis como estão agora ou seguir em várias direções diferentes. Mas vamos ver como a vida mudaria para os casais de mesmo sexo se acordassem em uma manhã de junho e soubessem, no mínimo, que a Lei de Defesa do Casamento foi derrubada.
Procurei um casal de mesmo sexo que entrevistei há mais de quatro anos, Jeff Friedman e Andrew Zwerin, de Rockville Centre, Nova York, para ver como seria a situação deles. Na época, eles me falaram sobre uma pasta de papel pardo surrada cheia de documentos --a licença de casamento deles, a decisão judicial de adoção do filho deles, entre outras coisas-- que provavam que eram uma família. Eles não viajavam para longe sem ela.
O casal, ambos com 44 anos, ainda tem a pasta, que agora está exibindo ainda mais sinais de desgaste. Friedman disse que continuariam a carregando mesmo se a Lei de Defesa do Casamento fosse derrubada, porque eles querem ter certeza de que a família deles será reconhecida onde quer que possam ir. Isso é especialmente importante, eles disseram, porque tiveram que provar o status de família aos funcionários do hospital em mais de uma ocasião. E, infelizmente, tiveram que fazer mais de uma dúzia de visitas ao pronto-socorro, porque o filho deles de 9 anos, Joshua, sofre de alergias e asma. Em uma ocasião, quando Josh mal conseguia respirar devido a um ataque severo de asma, uma enfermeira não permitiu a entrada da família na unidade pediátrica mesmo após o casal ter fornecido a certidão de nascimento que os apontava como os pais. A enfermeira estava esperando pela mãe.
E houve um tempo, há seis anos, em que Friedman foi hospitalizado após um ataque cardíaco. Um funcionário disse a Zwerin, na frente do filho deles, que ele não podia assinar a papelada do marido dele porque não eram uma família.
"Josh vinha até mim toda manhã, enquanto estava na unidade de terapia intensiva, e me perguntava se agora éramos uma família", disse Friedman. Josh tinha 3 anos na época.
"A menos que eles se livrem completamente da Lei de Defesa do Casamento e obriguem todos os Estados a tratarem todas as pessoas igualmente, eu me depararei com esse problema de novo, em algum lugar", acrescentou Friedman (em 2011, o governo Obama pediu ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos que impusesse regras permitindo direito de visita aos casais gays e que os direitos de tomada de decisões médicas também fossem respeitados).
Mas a eliminação da Lei de Defesa do Casamento também ajudaria o casal financeiramente. Se a união deles fosse reconhecida pelo governo federal --eles são apenas um dos aproximadamente 18 mil casais que se casaram na Califórnia antes do Estado parar de emitir licenças de casamento lá-- eles também economizariam cerca de US$ 7.000 por ano em impostos federais. Os casais com um pai que permanece em casa, como Friedman, ou o casal em que um membro ganha significativamente menos, geralmente pagam menos impostos federais quando fazem uma declaração conjunta --apesar de que outros casais, incluindo aqueles que ganham mais ou menos igual, provavelmente acabariam pagando mais.
Viver em Nova York, onde o casamento gay é legal, complica ainda mais a situação tributária. Eles precisam apresentar várias declarações --são solteiros para fins federais, mas declaram em conjunto para fins estaduais, o que significa que precisam preencher um formulário simulado, como se estivessem apresentando uma declaração federal conjunta, para que possam preencher apropriadamente a declaração estadual.
Até recentemente, o casal também tinha que pagar taxas extras para o plano de saúde: funcionários gays que adicionam seus parceiros aos seus planos costumam ter cobrados o valor dessa cobertura (se tiverem sorte de lhes oferecerem cobertura para o parceiro doméstico), porque suas uniões não são reconhecidas pelo governo federal. Os casais de sexo oposto não estão sujeitos à taxação, de modo que alguns empregadores --incluindo a Time Warner, onde Zwerin é gerente de tecnologia da informação na HBO-- tentam compensar as coisas cobrindo os custos adicionais para os funcionários em relacionamentos de mesmo sexo.
O reconhecimento federal permitiria a Friedman, que era advogado, receber os benefícios do Seguro Social de direito de Zwerin caso este morra primeiro. Ele também teria direito a receber uma pequena pensão em caso de morte, assim como benefícios de cônjuge enquanto ambos estiverem vivos.
Os casais de mesmo sexo também evitariam o imposto imobiliário, uma questão no centro do caso da Lei de Defesa do Casamento: Edith Windsor, de Nova York, que se casou com sua parceira no Canadá em 2007, herdou o imóvel de sua esposa após a morte dela em 2009. Mas, como o casamento delas não foi reconhecido, Windsor recebeu a cobrança do imposto imobiliário federal no valor de US$ 363 mil. Ela processou, contestando a Lei de Defesa do Casamento, e um tribunal federal de apelações julgou a lei inconstitucional.
Mesmo que a Suprema Corte concorde, o casamento de casais do mesmo sexo não seria exatamente igual ao de seus pares de sexo oposto.
"Não seria o caso de, automaticamente, casais gays em Estados hostis poderem viajar para outro Estado, se casarem, e então ter seu casamento reconhecido para fins federais, mesmo se a Lei de Defesa do Casamento for derrubada", disse Tobias Barrington Wolff, um professor da Escola de Direito da Universidade da Pensilvânia. "Os tribunais federais teriam mais trabalho em decidir como esses casos seriam tratados para fins federais."
E mesmo se isso fosse resolvido, certos desafios permaneceriam. Conseguir o divórcio seria difícil, por exemplo, se o casal vivesse ou se mudasse para um Estado que não reconhecesse a união.
"Há muitas pessoas que se casaram e agora vivem em outro Estado e não possuem uma forma legal de dissolver seu relacionamento", disse Wolff. Para complicar as coisas, "os Estados geralmente exigem comprovante de residência para acesso aos tribunais de divórcio".
A derrubada da proibição federal ao casamento também não ajudaria os casais de mesmo sexo que têm problemas para estabelecer laços legais com crianças –29 Estados não possuem leis que permitem que pais de mesmo sexo adotem, incluindo sete Estados que restringem ou impõem proibições, segundo pesquisa do Movement Advancement Project.
Assim, se algo acontecer ao pai que foi incapaz de adotar ou estabelecer um relacionamento legal, a criança poderá não ter acesso a certos benefícios federais (digamos, benefícios do Seguro Social pagos à criança de um pai morto), algo que os filhos da maioria dos pais heterossexuais receberia automaticamente.
"Derrubar a Lei de Defesa do Casamento virtualmente não contribui em nada para os direitos de pais dos casais de mesmo sexo", disse Hecht-McGowan. "Eles são governados por leis estaduais e, tradicionalmente, o governo federal olha para a lei estadual para determinar quem são e quem não são os pais."
De fato, a maioria dos Estados possui leis nos livros que dizem que uma criança é supostamente filha de ambos os cônjuges em um casamento. Isso tipicamente se aplica aos casais de mesmo sexo, mesmo um pai não biológico, mas apenas se o Estado reconhecer a união (com a exceção de Iowa).
Tudo isso significa que mesmo se a Lei de Defesa do Casamento for derrubada, mas nada mudar para proteger as famílias chefiadas por casais de mesmo sexo em todos os Estados, os casais gays continuarão sendo menos iguais em muitos lugares.
Nove Estados e o Distrito de Colúmbia atualmente emitem licenças de casamento para casais de mesmo sexo e outros oito Estados e o Distrito possuem leis que fornecem aos casais os mesmos direitos que o casamento, apesar de tratado por outro nome, como união civil ou parceria doméstica. O Colorado em breve aumentará esse número para nove, segundo a Campanha de Direitos Humanos.
E famílias como a Friedman-Zwerin ainda viajarão menos livremente do que seus pares heterossexuais. Em vez de voarem para a Flórida no recesso de primavera, a opção fácil para muitos nova-iorquinos, eles continuarão optando por locais mais hospitaleiros. "Eu prefiro ir para a Califórnia", disse Friedman, porque lá "eu ainda sou quem eu sou".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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