Debate político ganha tom cômico em livro
Vencedor do Man Booker Prize 2010 alterna melancolia e humor ao narrar história de três amigos
O tão falado humor judaico, afinal, é algo que quase não se vê na obra desses grandes autores, que testemunham no dia a dia a conturbada vida na Terra Prometida.
"Eles são incríveis, mas nenhum deles é engraçado. Ser judeu em Israel não deixa espaço para isso", diz Jacobson por telefone à Folha, de Londres, onde sempre viveu.
O autor ganhou, em 2010, por "A Questão Finkler", aquilo que foi anunciado como "o primeiro Man Booker Prize para um romance de humor desde 1986", quando a honraria ficou com "The Old Devils", de Kingsley Amis.
Anúncio que viu como ligeiramente injusto: apesar do inegável tom cômico que perpassa as quase 450 páginas, foi o caráter melancólico do livro, até onde o autor soube, o que seduziu os jurados.
"Alguns deles me disseram que o livro os fez chorar. Eu mesmo chorei ao escrever. Não sabia que ia virar algo tão dramático", diz, a sério.
"A Questão Finkler", que acaba de ser lançado pela Bertrand Brasil, narra a história de três amigos emocionalmente ligados ao judaísmo, no bom e no mau sentido.
Há Julian Treslove, um gói (não judeu) obcecado pela improvável chance de ter raízes judaicas. Há também Libor Sevcik, judeu tcheco de quase 90 anos a quem a origem importa menos que a morte de Malkie, sua mulher por mais de meio século.
E há Samuel Finkler, judeu tão avesso a Israel que prefere usar um breve "Sam" na assinatura de seus best-sellers de autoajuda filosófica. Finkler também perdeu a mulher, mas isso afeta mais Treslove do que o viúvo.
RANDÔMICO
Esse trio mantém ao longo do livro discussões randômicas sobre a questão judaica -o que torna cômico um assunto que, para o autor, não poderia ser mais sério.
"Não há razão para se amar Israel politicamente, é natural criticar [o premiê israelense Benjamin] Netanyahu, mas me preocupo quando noto, na vida intelectual inglesa, uma crítica que beira o antissemitismo", diz Jacobson, que já se envolveu em discussões do gênero no jornal "Independent", para o qual colabora.
No romance, para ilustrar esse ponto, cita um certo "carismático diretor de cinema" para quem "o antissemitismo é perfeitamente compreensível" dada a postura do governo israelense -uma referência a Ken Loach, que se manifestou assim em 2009.
"Fico desconfiado ao ver um europeu criticando o sionismo sem considerar sua origem, já que foram os europeus que trataram de garantir que judeus não estivessem à vista. Não significa, é claro, que o sionismo não seja problema para árabes e palestinos."
Mas, se o texto de Jacobson cai na melancolia, especialmente nas situações relacionadas ao viúvo Libor, nada da discussão política soa pesado em "A Questão Finkler".
É nela, acima de tudo, que aparece o humor. Que não é bem o humor judaico tal como o conhecemos entre americanos, esclarece o autor.
"Nos EUA, os judeus ajudaram a construir a cultura, lá eles são milhões. Na Inglaterra somos só 250 mil e não fazemos muito barulho", avalia.
O humor resultante disso acaba sendo "sui generis": tem muito da sutileza do humor britânico, mas com essa capacidade de rir da tragédia que, para os ingleses, é absolutamente estrangeira.
CRÍTICA - ROMANCE
Obra tem humor de nuances sutis ao explorar tema judaico
NOEMI JAFFEESPECIAL PARA A FOLHA
Um judeu. O que é ser um judeu? Se essa pergunta ronda, irrespondível, a imaginação de judeus, escritores ou não, há centenas de anos, imagine então o que deve representar para um não judeu obcecado em respondê-la.
Julian Treslove, um desafortunado gói inglês, deseja neuroticamente -nada mais judeu do que isso- saber o que é ser um "finkler", expressão que usa para designar todos "eles", os judeus.
Seu amigo de infância Samuel Finkler é um judeu que se torna sucesso nacional no gênero autoajuda filosófica.
Seu também amigo Libor, outro "finkler", foi seu professor na faculdade e colunista de fofocas em Hollywood, tendo chegado a ficar amigo de Marylin Monroe e Marlene Dietrich, que não lhe pareceram boas para competir com Malkie, sua mulher "finkleresa" cuja maior qualidade era saber fazê-lo rir.
Essa talvez seja uma boa resposta para o que é ser "finkler": saber rir de si mesmo. Isso é o que faz Howard Jacobson em "A Questão Finkler", livro ganhador do Man Booker Prize de 2010.
Philip Roth, Saul Bellow e mais recentemente Jonathan Safran Foer são norte-americanos que souberam fundir comédia e tragédia na exploração de temas judaicos. Na Inglaterra não há tradição do gênero -e essa pode ser uma razão por que "A Questão Finkler" soa diferente de seus equivalentes dos EUA. Seu humor tem nuances mais sutis.
Apesar de Treslove trabalhar como sósia de celebridades (como Brad Pitt, e mais Woody Allen do que isso impossível) as farpas filosóficas-existenciais-sofisticadas travadas com seus amigos só poderiam ocorrer na Inglaterra.
Finkler é um judeu que odeia Israel e lidera um grupo chamado Judeus MORTificados, Libor é um sionista frustrado e Treslove é o que os americanos chamariam de "loser" -não consegue constância no amor, não sente nada pelos filhos e sua maior fixação é ser ou não ser judeu.
Mas a autoironia, o humor judaico só brilha com sua estranha luz quando junto com ela opera a melancolia. O riso judaico é misteriosamente triste e é assim também em "A Questão Finkler". Que o leitor não estranhe se, no meio de uma gargalhada, se pegar chorando.
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