Segundo pesquisa, surto, que matou 8.000 pessoas, pode ser relacionada a soldados do Nepal em missão de paz
Primeira investigação foi inconclusiva, mas pesquisas recentes dão resultado mais concreto; tema é explosivo no país
Os dados foram apontadas pelo mesmo grupo de especialistas que integrou um painel da ONU sobre o tema -embora o relatório final, na ocasião, não apontasse diretamente a culpa para os nepaleses e sim para uma "confluência de fatores".
"Quando nós estávamos no painel, a linhagem do cólera do Nepal não havia sido sequenciada, então podíamos dizer que ela parecia com outras linhagens asiáticas, mas não podíamos dizer que se parecia com a do Nepal", disse a pesquisadora norte-americana Daniele Lantagne, da universidade Tufts.
"Após o fim do painel, no entanto, nós recebemos a linhagem de cólera do Nepal e então soubemos que ela batia exatamente com a linhagem que foi encontrada no Haiti. É a mesma", conclui.
Apesar de não fazerem mais parte do painel, os quatro especialistas trabalham em pesquisas relacionadas ao cólera e por isso continuaram analisando relatórios sobre o caso do Haiti.
Foram três trabalhos em especial que despertaram a atenção do grupo, por conter informações novas para aumentar a discussão sobre o caso. Como a ONU não solicitou um novo relatório, eles decidiram divulgar as novas evidências.
Além do trabalho com os sequenciamentos dos micro-organismos, Lantagne afirma que outro relatório trouxe novas informações epidemiológicas sobre como o cólera "viajou" da parte alta para a mais baixa do país, ao longo do rio Artibonitte.
O assunto é politicamente explosivo no país. Ontem, haitianos protestaram contra a ONU em Porto Príncipe e acusaram a organização de ser a culpada pelo surto.
FALTA DE SANEAMENTO
A base dos soldados do Nepal ficava ao lado de um afluente na parte alta do Rio Artibonitte -o local apontado pelo novo relatório como provável início do surto. Reportagens mostraram que não havia o devido tratamento dos dejetos das bases nepalesas, jogados no córrego.
O surto de cólera explodiu no país em outubro de 2010. Além dos mortos, foram infectados cerca de 600 mil haitianos pela doença, que provoca diarreia, com risco de desidratação intensa.
As condições precárias de saneamento no Haiti e o difícil acesso da população à água tratada contribuíram para o efeito devastador da doença. Casos de cólera não eram registrados no país havia mais de um século.
A Folha apurou que a divulgação recente dessas evidências foi um dos principais motivos para a ONU, em um movimento raro, ter invocado no início do ano imunidade para não indenizar as vítimas da doença. A Minustah foi procurada, mas informou que não comentaria as novas evidências e os aspectos legais que as envolvem.
Entidade diz que não indenizará vítimas do surto
COLABORAÇÃO PARA A FOLHADE PORTO PRÍNCIPEA Organização das Nações Unidas provocou a revolta de haitianos e de entidades de direitos humanos após anunciar que não iria indenizar as famílias de vítimas do cólera.A ONU invocou imunidade para não ser responsabilizada pelo surto da doença.
O Instituto para a Justiça e Democracia no Haiti entrou em novembro de 2011 com uma reclamação na sede da ONU buscando reparação para os atingidos pelo cólera. Foi pedido US$ 100 mil para familiares de haitianos que morreram em decorrência da doença e US$ 50 mil para os demais infectados.
A ONU respondeu que as "reivindicações não poderiam ser recebidas sob os termos da Seção 29 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades".
O fato de a ONU invocar a sua imunidade foi visto como um sinal de culpa. "A ONU não nega sua responsabilidade. Ela está dizendo: 'Sim, nós somos responsáveis, mas temos imunidade e não vamos responder por isso.'", disse o advogado Mario Joseph, que trata do assunto.
O instituto afirma que vai continuar representando as vítimas do cólera e que o próximo passo é ingressar com ações pedindo reparação no Haiti e em diversos outros países, como Estados Unidos, Nepal e Brasil.
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