O conluio
SÃO PAULO - O ministro Joaquim Barbosa tende a ser enfático em suas colocações. "Conluio" talvez seja um termo forte demais para definir as relações entre juízes e advogados, mas não há dúvida de que Barbosa levantou um problema importante que não vem recebendo a devida atenção: julgadores costumam ser paparicados não apenas por defensores como também por empresas e associações de diversas naturezas e esses gestos não são desinteressados nem sem efeitos.
É claro que, num mundo inteiramente racional, nenhum magistrado se deixaria influenciar por brindes, gentilezas ou elogios. A questão é que o ser humano é tudo menos "inteiramente racional" e juízes, a exemplo de médicos, jornalistas e consumidores em geral são facilmente sugestionáveis, sucumbindo a truques simples, como mandar um e-mail por ocasião do aniversário, custear um congresso, enviar alguma lembrancinha etc. O que torna esse gênero de manipulação um crime perfeito é o fato de ela ser legal e passar por baixo do radar da consciência. O profissional "comprado" está intimamente convencido de que agiu com total imparcialidade.
Está claro, porém, que não agiu. No caso dos médicos, que são mais afeitos à ciência, os resultados desse tipo de interação já foram mapeados e mensurados. Numa metanálise de 2000, publicada no "Jama", que já é considerada um clássico, Ashley Wazana mostrou que pagar uma viagem para um profissional de saúde, por exemplo, aumenta entre 4,5 e 10 vezes a probabilidade de ele receitar as drogas da empresa patrocinadora.
Resolver esse tipo de situação é muito difícil, senão impossível. Não podemos simplesmente proibir juízes de conviver com advogados, entre os quais podem estar seus cônjuges e filhos. Mas podemos e devemos tornar os relacionamentos institucionais tão transparentes quanto possível e, mais importante, admitir que o problema existe.
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