Amigo torcedor, amigo secador, impusemos 2 x 0 na Itália, ainda no primeiro tempo --poderia ser três se o homem de preto não fosse um dom Corleone de ocasião que roubou um pênalti explícito-- e parecia que o Brasil inteiro implorava pelo empate deles. Parecia que o Brasil inteiro não mais acreditava que seria normal, no ano da graça de 2013, um triunfo de goleada sobre a Itália.
O país inteiro pediu, nos botecos e nas redes sociais, para tomar o empate. Como assim, 2 x 0 na Azurra, impossível, tem algo de errado. Ninguém acreditava. Os moleques principalmente. O inconsciente de videogame falava mais alto. Não podemos vencer os europeus, ora bolas, eles são incríveis, tampas de Crush, fodões do bairro Peixoto.
Vivemos, à véspera da Copa das Confederações e na antevéspera da Copa-14, não mais o rodriguianíssimo complexo de vira-lata pré-1958, vivemos algo muito pior, vivemos a síndrome do cão de raça premiado em momento de certa decadência. O cão desconfiado da sua potência.
Após cinco taças, a canarinha não ganha dos grandes, quase sempre é encurralada --independentemente do técnico-- e vê-se, no semblante de cada um dos jogadores, de cachorro pidão e inferiorizado.
A narrativa da crônica ludopédica nem se fala. É mais humilhante ainda. Diante de qualquer esperneio de Neymar, por exemplo, carimba-se o passaporte do menino para a Europa. Fica uma pergunta pendurada: quantas Copas ganhamos por causa desse suposto selo de qualidade? O jequismo mata o Brasil de inanição, amigo. Crescemos economicamente e ficamos condenados ao terceiro-mundismo mental.
O inconsciente gabiru não nos deixa matar o jogo no primeiro tempo. Ah, como assim, é a Itália! Como assim, é um gigante. Como assim, somos o 18º no ranking da Fifa. E nisso esquecemos inclusive a superioridade de títulos e decência estética na arte de jogar bola.
É a cabeça, irmão, como diria o compadre Walter Franco. Nossa crise não é técnica, não é tática, não é de pé de obra, como me ensinou o amigo Sócrates. Temos bons aqui e nos melhores times do mundo --só para acalmar o jequismo.
Fico em dúvida em nomear nosso complexo. Se caísse no conto da mídia diria: os técnicos europeus reinventaram a bola. Não caio. É de enrubescer o Jeca Tatu tamanha e óbvia tautologia a cerca do nada.
Sim, amigo Tite, falam muito e não dizem nada. Precisamos urgentemente recuperar nosso passado de cão mordedor. Vira-lata ou de raça. Não importa. E principalmente precisamos esquecer a Europa. Precisamos comer, viver, existir e jogar bola como brasileiros.
Pela repatriação do nosso inconsciente coletivo. Voltemos à várzea para sermos grandes de novo.
Pelo direito imediato de chamar todo lateral esquerdo de João, como fazia o Garrincha.
@xicosa
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".
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