ZERO hORA - 09/03/2013
Somos o país da gambiarra ideológica. Quem sacou a inclinação brasileira
para o “gato” de ideias foi o crítico literário Roberto Schwarz.
Escrevendo sobre o Brasil do século 19, Schwarz mostrou como o país da
escravidão e da desigualdade extrema estava aquém das elegantes
ideologias liberais que, assim como os vestidos das senhoras mais
exigentes da época, costumavam ser importadas da Europa.
O crítico chega a usar a expressão “comédia ideológica” para
descrever a tentativa de enfiar um Brasil atrasado, analfabeto e
escravagista na fatiota desconfortável do liberalismo político e
econômico – que, obviamente, pressupunha conquistas básicas como
liberdade de trabalho, igualdade perante a lei e universalismo. O teste
da realidade e da coerência, escreve Schwarz, não parecia necessário
para os senhores que defendiam a liberdade em praça pública e os
escravos dentro de casa. Eram ideias fora do lugar. Por fora bela viola,
por dentro pão bolorento.
Quase 40 anos depois da publicação do livro Ao Vencedor as Batatas
(1977), que inclui o clássico ensaio Ideias Fora do Lugar, e mais de 120
depois da abolição da escravatura, o Brasil continua ensinando ao mundo
como adaptar o céu das boas intenções ao pedregoso purgatório da
realidade.
Pega-se uma ideia lustrosa como a defesa dos direitos humanos,
baseada no princípio de que todos os homens nascem iguais em dignidade e
em direitos e devem agir uns para os outros em espírito de
fraternidade, e cria-se para ela uma comissão no Congresso Nacional – o
que, imagina-se, deve fazer bonito em relatórios internacionais e em
discursos de campanha nos rincões mais civilizados.
Criada a comissão, algum espírito suíno-pragmático percebe que, por
mais que a ideia lustrosa pegue bem em determinados ambientes, não é tão
relevante assim como moeda política. Abandona-se a comissão, então, não
apenas à própria irrelevância, o que já seria ruim o suficiente, mas à
porta daqueles a quem, desde o princípio, a comissão contradiz em
essência. Como se a Princesa Isabel entregasse a redação da Lei Áurea a
um senhor de escravos. Ou o próximo conclave chegasse à conclusão de que
Richard Dawkins, afinal, até que daria um bom papa.
Graças ao YouTube, qualquer um pode iniciar-se na vida e na obra do
deputado Marco Feliciano (PSC-SP), novo presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara, que responde a processos por estelionato e
homofobia. Aviso, porém, que as pregações do pastor presidente da Igreja
Catedral do Avivamento não são recomendadas para os fracos de estômago.
Assim como os relatórios da ONG Todos pela Educação divulgados esta
semana, que revelaram quedas em índices de aprendizado já
suficientemente vergonhosos, a escolha para um fórum de direitos humanos
de um homem que não apenas pensa torto, mas tem coragem de defender
ideias discriminatórias em público mostra que, no Brasil, o que está
ruim sempre pode tornar-se infame.
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