sábado, 9 de março de 2013

Melhor ficar fora - Felipe Canêdo

Pesquisadora da Unifesp entrevista pessoas que fizeram uso da substância para saber os motivos que as levaram a largar a droga. Trabalho pode ajudar nas ações de conscientização e projetos de prevenção


Felipe Canêdo

Estado de Minas: 09/03/2013 

O uso de ecstasy, droga ainda pouco estudada no Brasil, está intimamente relacionado ao contexto em que a substância é ingerida, e muitas vezes ligado à rotina da vida universitária. A metilenodioximetanfetamina, conhecida como MDMA, ou simplesmente "bala", é uma droga cara, usada principalmente por jovens de classe média e alta e, diferentemente do que se pensava, não está presente somente em festas de música eletrônica, mas também em churrascos e festas diversas. É o que afirma a pesquisadora Maria Angélica de Castro Comis, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que fez uma investigação qualitativa para sua tese de mestrado no Departamento de Psicobiologia, entrevistando 53 pessoas que fizeram uso da substância e sobre os motivos que as levaram a parar de usá-la.
"A novidade é que esse trabalho agora pode ser utilizado para auxiliar ações de conscientização, projetos de prevenção do uso e de redução de danos em festas. Existe pouca coisa escrita sobre ecstasy no Brasil. A droga chegou ao país em 1995. Ainda não havia sido descrito na literatura que seu uso não era somente em raves", afirma Maria Angélica.
Na pesquisa, os entrevistados foram divididos em três grupos: 23 não usuários que tiveram oportunidades de ingerir a droga, 12 ex-usuários leves e 18 ex-usuários moderados. Eles foram escolhidos pela técnica chamada bola de neve, em que os próprios entrevistados indicam outras pessoas para participarem da pesquisa. O estudo revelou que os principais motivos para não usuários recusarem ofertas para provar o MDMA eram o medo de passar mal, motivos familiares e influências religiosas e morais.
Entre os que experimentaram até cinco vezes e estavam há pelo menos um ano sem consumir ecstasy, os principais motivos eram influências religiosas e morais, o fato de terem passado mal com o uso, ou não terem gostado dos efeitos causados. Já entre as pessoas que usaram mais de cinco vezes, mas estavam há pelo menos um ano sem contato com a substância, os principais motivos para parar de usar a droga foram ressacas fortes, depressão, dores após o uso e o afastamento do contexto em que a droga era usada. "Muitos deles assumiram novas responsabilidades, começaram a trabalhar, se casaram ou se formaram", afirma Maria Angélica.
Outro fato que inibe o uso da pílula colorida no Brasil, segundo a pesquisadora, é a qualidade da droga, que geralmente é muito ruim. "As pessoas não sabem o que tem no comprimido, então esperam um efeito, mas podem sentir outro. Você pode encontrar aspirina, vermífugos e outras coisas no produto, e isso causa insegurança. Muitos comprimidos nem contêm o MDMA mesmo." A ressaca do dia seguinte é citada também como motivo para interromper o uso. Entre os sintomas, Maria Angélica cita amnésia, dores no corpo e depressão. "Quando uma pessoa toma ecstasy em uma festa, ela acaba sentindo um bem-estar muito intenso, e depois que passa o efeito ela fica esgotada", afirma.
Maria Angélica acredita que a divulgação dos riscos e das consequências do uso continuado também pode ajudar na inibição da ingestão de MDMA. "Há um risco grande, a pessoa pode ter uma crise de hipertensão, arritmia cardíaca – que pode evoluir para um ataque cardíaco –, além de crises de ansiedade intensas. Tem gente que quebra dente, porque força o maxilar. E pode causar sobrecarga renal, porque a pessoa não toma água suficiente, ou então ela pode acabar tomando água demais", diz.

MISTURA Para dar dimensão ao problema, ela cita um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU), que apontou o crescimento do consumo de substâncias sintéticas na América Latina. A pesquisadora alerta para uma outra questão grave: a mistura do ecstasy com álcool. "Tem gente que mistura o ecstasy com álcool achando que vai hidratar, e aí está um grande perigo, porque isso sobrecarrega o fígado e a pessoa pode ter um colapso em vários órgãos", avisa.
Segundo Maria Angélica, o contexto vivido pelos usuários também é relevante para o consumo da droga quando se leva em conta que, na maioria das vezes, ela é ingerida em festas que são afastadas da cidade e têm grande duração. Então, quem usa precisa ter tempo para ir e para se recuperar depois. Por isso, diz a pesquisadora, quando os usuários começam a se preocupar com o emprego e com outras responsabilidades muitos param de usar o ecstasy.
"Como as pessoas ficam muito eufóricas e ficam em pé e dançam por muito tempo, é comum elas ficarem com dores no dia seguinte, com o raciocínio mais lento. Muitos ficam com medo de não conseguir ter um bom desempenho no trabalho no dia seguinte", explica. "Um outro dado relevante que descobrimos é que, apesar de apenas um dos entrevistados ter relatado maior dificuldade de parar com o ecstasy, muitas pessoas que entrevistei usavam outras drogas. O ecstasy não é uma droga usada no dia a dia. Ela significa, para muitos deles, uma maneira de fugir dos problemas. E muitos relatam que ficam mais amorosos quando o tomam e que conseguem sentir música, o toque e a decoração das festas de uma maneira diferente", acrescenta Maria Angélica. 

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