sábado, 9 de março de 2013

Revistas revistas - Raquel Cozer

folha de são paulo

Dois novos livros contam história de publicações jornalísticas brasileiras desde o século 19
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHANão fosse a assinatura do poeta Olavo Bilac (1865-1918), seria fácil confundir o trecho a seguir com algo escrito por estes dias: "O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem reflexões profundas".
A análise saiu na "Gazeta de Notícias", no Rio, em 13 de janeiro de 1901. Àquela altura, já havia quem ficasse nostálgico ao recordar os bons tempos do jornalismo.
Não que antes os homens da imprensa no Brasil soubessem bem onde estavam pisando.
Ou que depois o jornalismo não tenha oferecido algumas de suas melhores e mais profundas reflexões.
Dois livros que saem agora no país ajudam a traçar, com diferentes recortes, o nascimento, as transformações e o impacto de um formato jornalístico que sempre deu margem a textos mais densos, o de revistas.
A trajetória da imprensa ao Brasil, da primeira tipografia que aportou no país em 1808, junto com a corte portuguesa, até os primeiros casos bem-sucedidos do gênero, é o tema de "A Revista no Brasil do Século 19", de Carlos Costa, recém-lançado pela Alameda.
Ainda neste mês, a Casa da Palavra coloca nas livrarias "Modernismo em Revista: Estética e Ideologia nos Periódicos dos Anos 1920", de Ivan Marques -este focado especificamente na produção que repercutiu a Semana de 22.
Em comum, tanto as revistas do século 19 quanto as publicações modernistas dos anos 20 do século passado tendiam a durar pouco: como não existiam fórmulas, o jeito era seguir na base da tentativa e do erro.
Escrito como tese de doutorado para a Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), com base em ampla pesquisa nos arquivos da Fundação Biblioteca Nacional, o livro de Carlos Costa partiu de premissa arriscada -a de, antes de tudo, identificar o que era jornal e o que era revista nos anos 1800.
Com o jornalismo ainda nascente, não existiam as nomenclaturas de hoje. Para Costa, as definições ficaram claras a partir de 1870, com a invenção do telégrafo: jornal era o que repercutia notícias imediatas; revista era o que buscava aprofundá-las.
Antes disso, existiam algumas pistas, como as ilustrações, historicamente ligadas às revistas: foi nelas que grandes desenhistas, como o italiano Angelo Agostini (1843-1910) e o português Rafael Bordallo (1846-1905) fizeram história no país.
Foi nas revistas que primeiro apareceram nomes como Casimiro de Abreu e Machado de Assis -ambos trabalhavam para Francisco de Paula Brito na "A Marmota na Corte", de 1849, uma das mais importantes do período.
Não que o trabalho de redatores fosse reconhecido àquela altura. "Na verdade, era possível encontrar pistas dos autores dos textos. Mas a maior parte usava pseudônimos. Não havia esse conceito de autor de texto jornalístico, de reportagem assinada", afirma Costa.
Um dos casos mais famosos, ele lembra, foi um virulento ataque contra o jornalista português Luis Antonio May (editor da "Malagueta"), publicado em 1823 em "O Espelho". O autor, que se refere ao desafeto com termos chulos sobre suas preferências sexuais, seria d. Pedro 1º, segundo a historiadora Isabel Lustosa.
Outras publicações, como a "Semana Illustrada", de 1860, ajudaram a consolidar o formato que se firmaria por décadas, de revistas com oito páginas, intercalando textos e ilustrações. Esta ficaria conhecida pela profissional cobertura da Guerra do Paraguai (1864-1870), com ilustrações feitas a partir de fotos.
Para Costa, a maior importância daquelas publicações foi consolidar a identidade de um país em formação. "No início do século 19, ninguém era brasileiro. Eram todos nascidos no Brasil colônia, portugueses. Foi por meio da imprensa que esse país encontrou sua cara", diz.
MODERNISTAS
No início da década seguinte, nos anos 20, a imprensa ajudaria também a dar a identidade que os modernistas buscavam.
Ao estudar sete publicações do gênero dentre as dezenas que pipocaram pelo país naquele período, o crítico literário Ivan Marques se impressionou ao perceber que, ao contrário do que se esperaria de uma vanguarda, as revistas modernistas tinham mais um aspecto construtivo que de destruição.
"Em 'Klaxon', a primeira delas, criada em 1922, ainda há esse espírito destruidor, mas ele se dilui ao longo da década. A 'Verde', em 1927, e 'A Revista de Antropofagia', em 28, tentaram de algum modo restaurar esse espírito iconoclasta", diz.
Para Marques, as revistas -onde primeiro publicaram nomes como Carlos Drummond de Andrade- são o testemunho vivo de um dos períodos mais agitados da cultura brasileira. "Elas mostram, entre outras coisas, que o modernismo não se limitou à Semana de Arte Moderna, e menos ainda à cidade de São Paulo."
A REVISTA NO BRASIL DO SÉCULO 19
AUTOR Carlos Costa
EDITORA Alameda
QUANTO R$ 66 (456 págs.)
MODERNISMO EM REVISTA
AUTOR Ivan Marques
EDITORA Casa da Palavra
QUANTO a definir (176 págs.)

    Livro resgata os bastidores da 'Realidade'
    Obra do ex-redator Mylton Severiano inclui informações inéditas do criador da revista
    DA COLUNISTA DA FOLHAO jornalista Paulo Patarra guardou por 40 anos uma caixa de papelão amarelo da Kodak, com cartas, bilhetes e fotos dos tempos em que dirigia a "Realidade", referência de jornalismo nos anos 1960.
    Antes de morrer, em 2008, entregou o material a Mylton Severiano, o Myltainho. O antigo redator da revista, como Patarra sabia, estava àquela altura escrevendo um livro sobre a publicação.
    Esse material, somado a um "diário de bordo" sobre os 16 primeiros números, também deixados pelo diretor, são a maior riqueza de "Realidade: A História da Revista que Virou Lenda", que Myltainho lança agora pela catarinense Insular. Especialmente pelo ineditismo.
    A publicação, afinal, já foi tema de estudos a perder de vista, além de ter sido retratada por outros ex-membros da equipe, como José Hamilton Ribeiro e José Carlos Marão, organizadores de "Realidade Re-Vista" (Realejo, 2010).
    Como todo remanescente da revista gosta de lembrar, a "Realidade" foi lançada em 1966 com um projeto singular bancado pela editora Abril -mensal, ambicionava dar conta de assuntos do momento em grandes reportagens, sem perder a atualidade.
    Entravam nas edições histórias tão variadas como a cobertura fotográfica de um parto, por Claudia Andujar, ou o premiado perfil dos meninos de rua do Recife, por Roberto Freire (o terapeuta).
    O fato de ninguém ali ter certeza de como seria o resultado, eles dizem, ajudou. Assim como, é claro, contar com reportagens de nomes como Luiz Fernando Mercadante e o escritor João Antônio.
    No auge, a revista chegou aos 500 mil exemplares vendidos em bancas, em plena ditadura, dando um jeitinho de ser provocativa sem incomodar demais os militares.
    Mas a fórmula, como anotou Patarra em 1968, a certa altura deixou de funcionar: "Os generais pediam (depois iam impor) que Realidade se autocastrasse". Pouco depois ele deixaria a revista, acompanhado por mais de dez membros da equipe.
    A "Realidade" sobreviveria até 1976, com menos impacto. Myltainho, no livro, encerra sua história em 1968.
    REALIDADE: A HISTÓRIA DA REVISTA QUE VIROU LENDA
    AUTOR Mylton Severiano
    EDITORA Insular
    QUANTO R$ 49 (320 págs.)

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário