sábado, 9 de março de 2013

A igreja precisa se modernizar? Dom Krieger: Sim! e Mons. Ancona Opus Dei:Não! Tendências/debates

folha de são paulo

DOM MURILO KRIEGER
TENDÊNCIAS/DEBATES
A igreja precisa se modernizar?
SIM
A obrigação de atingir corações
Antes de afirmar que a igreja precisa se modernizar, penso ser necessário responder a uma pergunta que é fundamental: Qual é a missão da igreja?
Ao longo de sua pregação, Jesus deixou claro que sua mensagem não era apenas para o povo de Israel, mas que o dom que estava trazendo era destinado a todo o mundo e a todos os tempos.
Após sua ressurreição, confiou essa missão aos apóstolos, que teriam a responsabilidade de fazer discípulos todos os povos. Para garantir que a salvação atingisse a todos, Jesus legou à igreja o memorial da Páscoa, que deveria ser celebrado sem interrupção, até a sua vinda gloriosa (cf. 1Cor 11,26).
Os apóstolos, contudo, eram limitados demais para concretizar tão altos sonhos. Jesus os tranquilizou, garantindo-lhes a assistência do Espírito Santo: ele é que atualizaria geográfica e cronologicamente a obra de salvação.
O Livro dos Atos dos Apóstolos testemunha como se deu, já nos primeiros tempos do cristianismo, a compenetração entre a ação do Espírito Santo, os enviados de Cristo e as primeiras comunidades que começavam a ser formadas.
Essa atualização contínua da presença viva de Jesus no meio de seu povo tem o nome de tradição.
Dito tudo isso de outra forma: a igreja é portadora de um patrimônio que não é dela, mas de Cristo. Fazem parte desse patrimônio a palavra de Deus, os sacramentos, especialmente a eucaristia, a unidade em torno de Pedro e seus sucessores, os escritos dos Padres da Igreja (teólogos dos primeiros séculos), os ensinamentos do magistério, o testemunho dos santos e, particularmente, dos mártires, a devoção mariana, as escolas de oração etc.
Feitas essas colocações, volto à pergunta proposta: A igreja precisa se modernizar? Não tenho dúvida em afirmar: sim, precisa.
Ela deve descobrir meios adequados para transmitir a todos os homens e mulheres, de cada tempo e lugar, o patrimônio que recebeu. Do direito que tem cada ser humano de entrar em contato com a proposta de Jesus Cristo nasce o grave dever, da parte dos que já são seus discípulos missionários, de transmitir aos demais a graça que receberam.
A garantia da ação do Espírito Santo na igreja, longe de nos acomodar deve nos levar a ser criativos, inquietos e ousados. Afinal, os atuais meios de comunicação e tecnológicos, que nos permitem entrar no recinto privado das pessoas, especialmente em suas casas, onde de outro modo não conseguiríamos entrar, e atingir corações aos quais não teríamos acesso, são fruto da inteligência humana -inteligência que é dom do Criador. Usá-los, bem como utilizar tudo aquilo que o progresso técnico coloca à disposição dos cristãos, mais do que uma possibilidade é uma obrigação.
Essa modernização não nos dispensará do essencial: a busca da santidade e o respeito aos valores que fazem parte do núcleo do patrimônio deixado por Jesus Cristo, como, por exemplo, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, a defesa da vida, desde sua concepção até o seu término natural, a indissolubilidade do matrimônio, a valorização da família etc.
Por fim, é importante ressaltar que -e aqui está o grande legado que o papa Bento 16 deixou à igreja, uma vez que seu pontificado se baseou na contínua reafirmação dessa certeza-, mais do que uma doutrina, somos chamados a anunciar uma pessoa: Jesus de Nazaré, o filho de Deus vivo, que morreu e ressuscitou e que, no final dos tempos, virá para julgar os vivos e os mortos.
Conhecê-lo é uma graça; viver segundo ele viveu, uma possibilidade, e anunciá-lo, um privilégio.


MONSENHOR VICENTE ANCONA
TENDÊNCIAS/DEBATES
A igreja precisa se modernizar?
NÃO
O concílio já modernizou a igreja
Fomos surpreendidos na manhã do dia 11 de fevereiro. Bento 16 (logo ele!), rompendo uma tradição de 600 anos, anunciou que iria renunciar. Voltou-se a viver um clima parecido ao do Concílio Vaticano 2º, no qual a mídia discutia diariamente questões teológicas e morais.
Diz-se que a igreja está encolhendo e em trajetória de extinção. Por que então a figura do papa ainda desperta tanto interesse? Talvez a resposta esteja na própria compreensão que a igreja tem do papa. Por mais atrevido que possa parecer, nós, católicos, acreditamos que ele não erra ao transmitir a doutrina de Jesus Cristo.
Não é pouco. Jesus disse "Eu sou a Verdade". Por esse motivo, a igreja afirma que há verdades inegociáveis, e não apenas consensos. Ela ainda aposta, por exemplo, na capacidade (e na beleza) de se viver a fidelidade conjugal e a castidade.
"Não vim abolir a lei, mas cumpri-la", explicava Jesus. Ele não veio modernizar os dez mandamentos da lei de Moisés. Com a igreja ocorre o mesmo. Ela não negocia o núcleo da sua doutrina.
Temos a mesma fé de Pedro, de Agostinho e de Teresa de Calcutá. E estamos agradecidos por tantas gerações de católicos que souberam respeitar as condições de sustentabilidade da sua fé. Há uma linha ininterrupta de 264 papas que nos transmite o tesouro que Pedro e os apóstolos receberam diretamente de Jesus Cristo. O papa não é o produto midiático de uma época, mas transcende o seu tempo.
Isso significa que a igreja vive da inércia? Em absoluto. Mas ela não necessita, neste momento, modernizar as suas propostas pastorais, pois o Concílio Vaticano 2º já o fez. Foram estabelecidas as pontes para um diálogo construtivo com o mundo moderno. Trata-se agora de continuar a implementá-las.
O Concílio Vaticano 2º ofereceu luzes para a ação da igreja no mundo. Permitiu uma compreensão mais profunda das consequências da liberdade, da secularidade e do pluralismo. A igreja está apta a conviver com a cultura política contemporânea e a sociedade pós-moderna. A verdade deve ser proposta, e não imposta, repetiu diversas vezes Bento 16.
Os textos do Vaticano 2º são uma eloquente manifestação desse equilíbrio entre continuidade e reforma, cujo mérito se deve a Paulo 6º. No entanto, a interpretação de um concílio nunca é um céu de brigadeiro. Sempre há a tentação da ruptura com a verdade revelada, na tentativa de substituí-la pelas opiniões do momento.
João Paulo 2º e Bento 16, ambos protagonistas do Vaticano 2º, sofreram enorme pressão para que pactuassem com tal ruptura. No entanto, escolheram outra via de modernização para a igreja. Estavam serenamente convictos de que o verdadeiro concílio exigia a hermenêutica da reforma na continuidade.
Os dois rejuvenesceram a igreja, tanto com os seus escritos -o catecismo da Igreja Católica é surpreendentemente contemporâneo!- como com as suas vidas. Que o digam os funerais de João Paulo 2º, com 174 chefes de Estado e milhões de peregrinos.
Esse equilíbrio entre reforma e tradição é o milagre constante da igreja e o seu desafio permanente. Não é fácil explicar como uma instituição, que começou sendo governada por uns pescadores da Galileia, tenha sobrevivido a tantos impérios, revoluções e cataclismos. Há algo nela que ultrapassa a nossa compreensão.
Quando aparecer a "fumata bianca" e for anunciado "Habemus papam" -seja quem for-, vou me posicionar diante da TV para receber a sua bênção. Penso que não conseguirei segurar as lágrimas de alegria, porque a igreja de sempre continua viva e caminha na história.

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