Cresce no Brasil a participação das igrejas inclusivas, que acolhem homossexuais e todos
aqueles que não se enquadram nos padrões ortodoxos das grandes comunidades religiosas
Alessandra Mello
Estado de Minas: 24/03/2013
Em tempos de da radicalização contra as
minorias, ganha força no Brasil as igrejas inclusivas, cujo discurso
passa ao largo da discriminação e acolhe sem distinção aqueles que não
se enquadram nos padrões ortodoxos das grandes comunidades religiosas.
Uma delas, a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), celebra em abril
uma década de existência, ainda bastante tímida, no Brasil. Mas aos
poucos vem conquistando adeptos e ajudando a romper o preconceito.
Em
Minas Gerais já são dois templos. Um na capital e outro em Divinopólis,
Região Central do estado. A maioria dos seus seguidores é de
homossexuais que tiveram de abandonar sua crenças por não se sentirem
acolhidos pelas igrejas que frequentavam. Em todo o Brasil são 13
igrejas distribuídas em 11 estados. Mas a ICM não está sozinha. Segundo
estudo da antropóloga Fátima Weiss, que acompanha a questão da
diversidade sexual e religião, existem hoje pelo menos 10 igrejas
inclusivas no país. Um número ainda pequeno para uma proposta que
surgiu, na década de 1960, na esteira do movimento pelos direitos civis
da comunidade homossexual estadunidense.
“A ICM está presente em
38 países há mais de 40 anos. Nos Estados Unidos, a nossa moderadora
mundial, reverenda Nancy Wilson, faz parte do Conselho de Fé do
presidente Barack Obama”, conta o líder da ICM no Brasil, reverendo
Cristiano Valério, de 36 anos, formado em psicologia e teologia e
assumidamente gay. Segundo ele, a igreja não se sente ofendida de ser
conhecida como “templo gay”. “Não nos incomoda de maneira nenhuma, mas
acaba reduzindo a nossa atuação. A questão gay é apenas uma das nossas
áreas de atuação. Lutamos contra as injustiças desse mundo, como o
machismo, o preconceito racial e de classe, o sexismo, a homofobia”,
defende Cristiano, criado em uma família, segundo ele, de católicos
fervorosos e praticantes. Para ele, a melhor definição para a ICM é “uma
igreja dos direitos humanos” que “valoriza e não ataca todo tipo de
diversidade”.
“O diferente não nos ameaça. Ele nos enriquece”,
prega Cristiano, para quem a radicalização contra a comunidade gay nada
mais é do que uma resposta dos conservadores as conquistas de cidadania e
direitos obtidas nos últimos anos pela comunidade LGBT (lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros). “Avançamos muito, por isso toda essa
reação”, afirma com tranquilidade e certeza de que mais conquistas vão
surgir a partir da mobilização da sociedade em torno da defesa dos
direitos das minorias.
DISCRIMINAÇÃO Em Belo
Horizonte, a ICM é comandada pelo pastor Silas Viana Soares, de 43 anos,
estudante de teologia e cabeleireiro. Nascido e criado em uma família
de evangélicos, frequentador assíduo dos cultos e da escola dominical ,
ele diz que deixou sua igreja há cerca de uma década quando começou a se
sentir discriminado por outros fiéis. “É muito difícil mudar um sistema
já colocado, por isso abandonei a igreja, mas nunca perdi a fé. Sempre
soube que o problema não era comigo e sim com os olhos com que a minha
igreja lia a Bíblia”, defende Silas.
A ideia de criar uma igreja
inclusiva na capital mineira surgiu, segundo ele, logo no início dos
anos 2000, quando um grupo e amigos começou a se reunir para discutir a
Bíblia e também maneiras de garantir assistência religiosa e espiritual
para gays excluídos de outras congregações. Aos poucos, o grupo se
organizou e hoje se reúne em um culto todos os domingos à noite, no
salão do Hotel Amazonas, no Centro de Belo Horizonte. “Nossa intenção é
estar onde estiver um excluído”, defende Silas, que, para se tornar
pastor, deve de frequentar uma curso de teologia. Segundo ele, no começo
foi difícil, mas, com o tempo, todos passaram a aceitá-lo.
Segundo
ele, atualmente há uma imagem errônea sobre os evangélicos. “Nem todos
são assim”, garante Silas, citando, entre vários exemplos, o nome de
Ebenezer da Silva Melo Júnior, pastor na Igreja Batista Nacional Palavra
de Vida e professor do curso de teologia do Centro Universitário
Metodista Izabela Hendrix, e contando com orgulho que ele já pregou para
os fiéis da ICM.
Questionado sobre por que aceitou pregar na
ICM, uma igreja que acolhe principalmente gays, alvo hoje de preconceito
por parte de algumas igrejas, Ebenezer disse que, como “ministro do
evangelho de Jesus Cristo”, não poderia se “privar de compartilhar essa
palavra com outros irmãos e irmãs em Cristo”
Sobre o fato de
algumas igrejas tachar como pecado o homossexualismo, o pastor disse que
essa definição é decorrente do método utilizado na interpretação da
escritura. “Entendo que, em função dos métodos utilizados, existem hoje
na Igreja Cristã, de uma forma geral, interpretações múltiplas e
contraditórias.” Ebenezer disse ainda considerar equivocado o pensamento
do pastor Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara, acusado de homofobia e racismo, e garante que ele
“não representa a totalidade do pensamento evangélico brasileiro”.
O
pastor Ebenezer garante que não causou nenhum estranhamento receber em
sala de aula um homossexual interessado em virar pastor. “Entendo que a
academia seja um ambiente aberto e de respeito a alteridade. Entendo
ainda que seja um ambiente onde podemos pensar a fé, criticando nossa
forma de ler, interpretar e aplicar a Bíblia em nossas igrejas locais e
na sociedade.”
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