ZERO HORA - 24/03/2013
Ficar sozinho não é estar abandonado, ao contrário: é encontro dos mais sagrados
Se
você fosse um super-herói, qual o poder que gostaria de ter? Pergunta
clássica, resposta clássica: 99% das pessoas gostariam de ficar
invisíveis. É o desejo também do senhor Y, o enigmático personagem de O
Homem Visível, de Chuck Klosterman, livro que mistura ficção científica,
bizarrice e suspense numa trama que, ainda que inverossímil, prende o
leitor e faz refletir.
Y trabalhou num projeto ultrassecreto do
governo americano e acabou desenvolvendo uma tecnologia de camuflagem
ele criou uma espécie de segunda pele que o torna invisível. Com que
propósito? Entrar na casa de pessoas que morem sozinhas e, sem ser
percebido, vê-las em sua rotina comum. O obcecado Y acredita que uma
pessoa é 100% autêntica apenas quando ninguém a está observando.
Ah,
super Y. Além de invisível, você lê pensamentos? Acredito no mesmo que
você. Sozinha não finjo, não disfarço, não retruco, não provoco, não
julgo, não condeno, não sumo, não volto. Sozinha não há céu que me
rejeite – assim encerra um poema que escrevi certa vez sobre o benefício
da solidão.
Não que sejamos todos uns falsos ao sair pela porta
de casa, mas é indiscutível que, assim que entra um vizinho no
elevador, você automaticamente aciona um dispositivo que produz um
sorriso e um comentário sobre o clima, quando na verdade está morta de
sono e preferiria continuar calada. Uma atuação inofensiva e gentil,
mas, ainda assim, uma atuação. É preciso contracenar.
No
entanto, em suas visitas secretas a homens e mulheres que se acreditavam
em total privacidade dentro de seus apartamentos, Y repara que elas não
se sentem tão relaxadas como deveriam. Ele se dá conta de que as
pessoas não consideram o tempo que passam sozinhas como parte de suas
vidas. Diz o personagem: “Sempre me senti mais vivo quando estava
sozinho, porque esses eram os únicos momentos que não sentia medo de ter
minhas ações examinadas e interpretadas. O que acabei descobrindo é que
as pessoas precisam que suas ações sejam examinadas e interpretadas,
para acreditar que o que fazem tem importância”.
É preocupante.
Hoje, as pessoas só confirmam sua existência quando estão em público. No
entanto, creio que é justamente quando estamos misturados aos demais
que nos tornamos invisíveis.
Acabamos infiltrados na manada e
compartilhamos opiniões originadas do senso comum, tudo pela ansiedade
de fazer parte de alguma coisa. Já ao nos concedermos momentos de
isolamento, entramos em real conexão com nossos desejos, processamos as
experiências vividas e esculpimos silenciosamente o homem e a mulher que
estamos nos tornando. Ficar sozinho não é estar abandonado, ao
contrário: é encontro dos mais sagrados. Invisível para os outros,
extremamente visível para si mesmo.
É divertido ser invisível e
todos nós temos esse poder, basta estar numa festa para 800 convidados,
por exemplo. A visibilidade é que é rara: olhar profundamente para
dentro e enxergar o que ninguém mais consegue ver.
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