País permanece sem estratégia antiterror
Prestes a sediar importantes eventos internacionais, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, o Brasil ainda não tem um projeto de lei que defina o combate ao terrorismo. Especialistas ouvidos sobre a questão, que pedem para não ser identificados, alertam que o Brasil, muito embora mantenha neutralidade em conflitos internacionais - sobretudo no Oriente Médio -, nem por isso pode se considerar imune a atentados terroristas que tenham como alvo não o Brasil propriamente, mas qualquer uma das delegações que aqui se fizerem representar.
Setores de Inteligência e Segurança do governo e das Forças Armadas manifestam preocupação com a falta de tempo para a elaboração da legislação. Há hoje seis projetos tratando do tema em análise na Câmara dos Deputados. O mais antigo é de 1991, e o mais recente foi apresentado em 2012.
Na prática, nada tipifica hoje o terrorismo no nosso Código Penal. O único instrumento legal disponível é herança do regime militar: a Lei de Segurança Nacional (LSN), que por pouco não foi aplicada pelo Ministério Público Federal para denunciar o MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) por invadir e depredar a Câmara em 6 de junho de 2006.
O assunto, apesar da urgência, não é livre de controvérsias, mas é pleno de evasivas e reticências. Abertamente, ninguém no governo federal fala sobre o tema. Nos bastidores, os especialistas relembram que a Argentina vivia situação similar na década de 90, quando foi alvo de dois atentados a bomba que atingiram a embaixada de Israel em Buenos Aires e a AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), provocando mais de uma centena de mortos.
O projeto de lei mais recente (PL 4674/12) é de autoria do deputado Walter Feldman (PSDB-SP). Define como terrorismo crimes que lesem ou exponham perigos à vida, à integridade física, à liberdade de locomoção ou ao patrimônio das pessoas. Atentados contra aviões, embarcações, plataformas em alto-mar e materiais nucleares também serão considerados atos de terror, assim como seu financiamento e preparação.
"Infelizmente, o instrumento mais avançado de que dispomos ainda é a LSN. Mas as questões político-ideológicas complicaram o debate da questão", diz Feldman. "Hoje vivemos sob um estado democrático, e nada mais justo do que nos livrarmos desse entulho autoritário e elaborarmos um instrumento que assegure a segurança e a tranquilidade de que a Nação necessitará, notadamente como hospedeira de grandes eventos internacionais". Ele recorda que a ONU tem recomendado aos estados-membros que adotem legislações específicas sobre o tema.
Ex-vice-presidente da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado na Câmara Federal, o ex-deputado Raul Jungmann (PPS-PE), insiste em que o Brasil precisa debater o tema, mas admite que a definição do que é terrorismo é por si complexa e pode resvalar para a criminalização de movimentos sociais. Nas palavras de Jungmann, "jamais se poderiam confundir protestos, ainda que por meios equivocados, com atos de terrorismo".
Esse é o nó górdio que paralisa os governos petistas na discussão do assunto: o temor do possível enquadramento de movimentos como o MST, historicamente ligado ao PT. "Uma nova legislação, minimamente eficaz, fatalmente enquadraria como crime de terrorismo a invasão e depredação do Congresso ou a destruição de laboratórios e plantações da Monsanto em Goiás, em 2003", avalia um especialista da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), em Brasília, que pediu para não ser identificado. Ele enfatiza que "esse é um vespeiro que nem o ex-presidente Lula nem a presidente Dilma Rousseff se atreveram a cutucar".
Prova da refração oficial ao assunto é o tratamento do anteprojeto de lei que tipifica o crime de terrorismo e o seu financiamento, elaborado sob a égide da SAEI (Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais) do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência da República.
O projeto, de 2006, foi elaborado por determinação da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN), através da constituição de um grupo de trabalho integrado por "notáveis" ligados às áreas de inteligência e segurança. O documento, considerado bastante avançado por especialistas, seguiu para análise do Ministério da Justiça para análise e ali permanece até hoje. Nunca chegou ao Congresso.
COOPERAÇÃO O governo brasileiro também tem se mostrado avesso a uma cooperação internacional mais íntima na prevenção do terrorismo. Segundo o jornalista Reinaldo Galhardo, autor do livro "Fundamentalismo Islâmico e seus Efeitos Globais: O Brasil na Rota do Terror" [AllPrint, 2012], em 2008 o governo norte-americano propôs ao Planalto a montagem de uma agência especial antiterror:
"Haveria escritórios em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, e o Brasil receberia tecnologia de ponta e recursos financeiros", revela Galhardo. "Seria instalado um moderno centro de operações e inteligência capaz de monitorar qualquer elemento suspeito de atividade ou ligação com terrorismo que desembarcasse no país."
Segundo Galhardo, o assunto "não prosperou". Ele enfatiza que, na prática, o que acontece é as instituições manterem rígidas visões não-cooperativas sobre o assunto:
"O que há são ações de cunho individual por parte de instituições cujas forças deveriam estar unidas por um objetivo comum", afirma o pesquisador, lembrando que o então comandante geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Roberto Antônio Diniz, admitiu em entrevista que a PM paulista tem estreitado seus contatos com o Departamento de Defesa dos EUA.
Galhardo obteve ainda a informação de que, em 2008, oficiais da PM paulista fizeram um curso de treinamento de táticas antiterror: "Treinamento e operações foram realizadas nas florestas de El Salvador, envolvendo monitoramento in loco das Farc (Forças Armadas Revolucionárias Colombianas) na própria selva da Colômbia", afirma Galhardo. Para ele, a experiência, patrocinada pelos norte-americanos, demonstra a preocupação de que as Farc sirvam de braço de apoio ao ingresso de terroristas estrangeiros no Brasil através de nossas extensas fronteiras.
O capitão de mar-e-guerra José Alberto Cunha Couto, que por 13 anos chefiou a SAEI, pondera que o Brasil, com seus 190 milhões de habitantes, praticamente 80% de urbanização e expressivas colônias de imigrantes implantadas há décadas, não poderia deixar de evidenciar vulnerabilidades:
"Existem aqui centenas de alvos para ataques terroristas. Os mais evidentes seriam de três tipos: atentados de grande visibilidade política a embaixadas, autoridades estrangeiras, figuras ou instituições; atentados capazes de criar sérias dificuldades econômicas, como destruição de linhas de transmissão de Itaipu, bombas em vias importantes, refinarias de petróleo, aeroportos etc.", afirma. "Atentados com potencial de ferir ou matar significativo número de pessoas, colocação de venenos em represas, adulteração de remédios e ataques para gerar pânico em concentrações humanas, como estádios e áreas de jogos", conclui.
Essas preocupações são corroboradas por estudiosos estrangeiros como o professor Gabriel Weimann, especialista em terrorismo da Universidade de Haifa, em Israel. Ele assevera que é muito possível que o Brasil venha a se tornar um alvo preferencial do terrorismo "devido a sua posição econômica privilegiada, ao fato de que irá sediar grandes eventos esportivos e à sua grave exclusão social".
"O Brasil tem populações frustradas e infelizes, que se sentem alienadas. Essa situação configura um território explorável pelas organizações terroristas que recrutam pessoas com esse perfil", adverte Weimann, alertando para a nova fase em que se encontra a Al Qaeda, após a morte de Osama bin Laden. Seu substituto, Ayman al Zawahiri, segundo ele, é mais sofisticado do que seu antecessor. "A Al Qaeda precisa demonstrar que ainda é capaz de atuar e ser mais perigosa. "A Primavera Árabe e o vácuo político criado pelos acontecimentos que gerou podem ser o cenário ideal para o seu ressurgimento", conclui.
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