domingo, 24 de março de 2013

Variedade protetora - Marcela Ulhoa

Maior número de espécies no mesmo hábitat torna os anfíbios menos vulneráveis a infecções. Achado demonstra a importância da biodiversidade para o equilíbrio natural 


Marcela Ulhoa

Estado de Minas: 24/03/2013 

Brasília – Em todo o mundo, é possível constatar profundas modificações na natureza que acabam por desequilibrar o ecossistema. A diminuição da biodiversidade, ou seja, da variedade de formas de vida no planeta, é uma delas. Recentemente, a alteração no número de espécies animais e vegetais começou a ser relacionada também ao risco de contração de doenças entre os seres vivos. Em artigo publicado na revista Nature, pesquisadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, mostram fortes evidências de como a queda na diversidade deixa os bichos mais vulneráveis.
Na pesquisa, os cientistas comprovam que, quanto maior o número de espécies de anfíbios em uma lagoa, maior é a proteção da comunidade de rãs, sapos e salamandras contra uma infecção parasitária que pode causar deformidades graves, como o desenvolvimento de pernas extras. Por mais de três anos, os especialistas estudaram 345 áreas úmidas da região da Califórnia e constataram que cerca de 25% dos sapos apresentavam malformação dos membros. Foi então que começaram a buscar as causas para o fenômeno e as possíveis implicações para a sobrevivência das espécies nesses locais. “Queríamos entender a ecologia comunitária da doença, ou como a diversidade de espécies no ambiente altera o risco de disseminação de uma doença. Os anfíbios são um grupo particularmente importante, pois são conhecidos marcadores da conservação ambiental”, relata Pieter Johnson, principal autor do estudo.


Para confirmar a possível conexão entre a transmissão do patógeno virulento Ribeiroia ondatrae – responsável pela deformação dos anfíbios – e o número de espécies nos ecossistemas complexos, o grupo fez o registro dos tipos de anfíbios e do número de caramujos infectados pelo parasita. Os caracóis, nesse caso, são os primeiros hospedeiros e os responsáveis por multiplicar o número de parasitas a cada noite. Depois que sai de um caramujo, o microscópico R. ondatrae se dispersa pela água em busca de girinos. Normalmente, ele se instala nas partes a partir das quais os membros se desenvolvem. Quando crescem, os sapos deformados passam a ser uma presa fácil para as aves, provocando um desequilíbrio no ambiente. Além disso, quando se alimentam dos anfíbios infectados, as próprias aves contraem o parasita, que volta ao ambiente liberados nas suas fezes.


Depois de coletarem centenas de amostras de hospedeiros, os pesquisadores desenvolveram ainda dois experimentos distintos. O primeiro envolveu testes de laboratório para medir o grau de propensão à infeccão de cada espécie de anfíbio. No segundo, os especialistas criaram réplicas de uma lagoa com grandes banheiras de plástico e as abasteceram com girinos expostos a um número conhecido de parasitas. Segundo Johnson, todas as experiências contaram a mesma história: a maior diversidade de hospedeiros reduziu o número de infecções e a quantidade de sapos deformados.
“Em comunidades mais diversificadas, há uma quantidade mais elevada de espécies que servem como hospedeiro do parasita e que são relativamente resistentes à infecção. Assim, elas ajudam a aumentar a resistência global da comunidade”, explica Pieter Johnson. Os resultados dos testes, reforça o autor, mostram que as lagoas com meia dúzia de espécies de anfíbios reduziram em 78% a transmissão do parasita em relação às piscinas com apenas uma espécie de anfíbio.


Um dos motivos apresentados para o declínio das infecções em função do aumento da biodiversidade está relacionado à diferença de resposta de cada espécie ao parasita. Segundo Johnson, há dois tipos de hospedeiros: os de baixa competência e os de alta competência. “Há, provavelmente, um componente evolutivo nisso. Por exemplo, espécies mais raras são, muitas vezes, de ‘passo lento’. Ao mesmo tempo em que investem mais em recursos de defesa, elas crescem também mais lentamente”, explica o autor. Por outro lado, as espécies de hospedeiros mais encontradas são capazes de se reproduzir e colonizar os hábitats de zonas úmidas rapidamente, o que as tornam especialmente vulneráveis à infecção.

Amortecedor Para John Wenzel, diretor do Centro de Biodiversidade e Gestão de Ecossistemas do Museu de História Natural de Carnegie, o estudo é uma demonstração muito boa de algo que os especialistas da área já sabiam, mas não tinham mensurado com cuidado antes. “Parasitas de todos os tipos esperam encontrar determinados hospedeiros em uma certa condição ou fase da vida. Quando há uma maior diversidade de hospedeiros, os parasitas se perdem em meio aos que não são apropriados”, explica Wenzel. Segundo ele, é por isso que um pequeno agricultor que trabalha com 10 culturas diferentes não tem uma série de problemas com pragas que um grande fazendeiro monocultor tem. “O pequeno rapaz tem diversidade em sua fazenda. Já o grandalhão não. E precisa gastar uma fortuna para o controle de insetos”, ironiza.


Apesar de o estudo publicado na Nature servir para explicar outras situações, além das infecções parasitárias em anfíbios, Pieter Johnson alerta que o aumento da biodiversidade nem sempre resulta em uma diminuição das doenças. Isso porque outros fatores afetam também as taxas de transmissão. “Nossos resultados indicam que a maior diversidade reduz o sucesso de patógenos em moverem-se entre os anfitriões”, afirma. No entanto, se a pressão é alta, a biodiversidade simplesmente funcionará como um amortecedor para o sucesso da transmissão, não garantindo uma proteção completa.

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