quinta-feira, 18 de abril de 2013

A SEGUNDA MORTE DE BRIZOLA » História ameaçada - Alessandra Mello‏

Acervo de Leonel Brizola, um dos mais importantes políticos brasileiros da segunda metade do século 20, está abandonado em guarda-móveis na entrada de uma favela do Rio de Janeiro 


Alessandra Mello

Estado de MInas: 18/04/2013 

O gaúcho Leonel Brizola foi um dos personagens mais destacados da história política brasileira desde o fim do Estado Novo, quando ajudou a fundar o PTB. Foi deputado, governador do Rio Grande do Sul, governador por dois mandatos do Rio de Janeiro, comandou com Tancredo Neves o movimento pelas Diretas Já, fundou o PDT e disputou em duas oportunidades a Presidência da República

Rio de Janeiro – Uma parte da história do Brasil está encaixotada em um subúrbio carioca em situação precária e corre sério risco de se perder. São caixas e mais caixas contendo cartas, documentos, livros, fotografias e objetos pessoais que pertenceram a um dos mais destacados líderes trabalhistas brasileiros, Leonel de Moura Brizola, morto em 2004, aos 82 anos. O acervo que o ex-governador amealhou ao longo de sua vida pessoal e política e que de tão extenso não cabia nas residências que ele mantinha no Rio de Janeiro e em Montevideú (Uruguai) – tanto que parte dele ficava guardada em uma casa alugada no Bairro Santa Teresa, também na capital fluminense – foi levado há cerca de cinco anos para um depósito, localizado na entrada da Favela da Galinha, em Inhaúma, Zona Norte do Rio de Janeiro, região controlada pelo tráfico.

O prédio que abriga esse material valioso fica dentro do pátio de caminhões de uma transportadora e serve também como guarda-móveis. Algumas janelas da construção estão quebradas e a fachada está mofada, com sinais de infiltração. Para ter acesso à sala do prédio onde estão os documentos do ex-governador é preciso autorização expressa de João Otávio Brizola, 60 anos, único filho vivo de Brizola. João Otávio e os sobrinhos Paulo Cesar e Layla Brizola, filhos de Neuzinha Brizola, única filha de Brizola, falecida em 2011, são os donos de todo esse material. Segundo apurou o Estado de Minas, depois de uma disputa pelo espólio do pai com o irmão José Vicente, falecido ano passado, eles fizeram um acordo e compraram dele os direitos sobre todo o acervo.

No entanto, a briga continua. Amigos de José Vicente dizem que ele não teria recebido o pagamento prometido pelo acervo. Pessoas ligadas a João Otávio negam. A deputada estadual Juliana Brizola (PTD-RS), filha de José Vicente, não quis conversar com o Estado de Minas sobre o assunto. Seus dois irmãos, o vereador fluminense Leonel Brizola (PDT) e o deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ), não foram localizados ontem para falar do caso. De Londres, João Otávio disse que só poderia dar entrevistas em seu retorno ao Brasil. Ele informou apenas que somente com sua autorização é possível a visitação ou a retirada do acervo do guarda-volumes. Layla Brizola disse que tudo “está bem guardadinho” e que a intenção deles é, futuramente, organizar toda a documentação e quem sabe abrigá-la em uma fundação. “Mas tudo ainda é apenas um plano”, disse por telefone.

Proibido Hoje o guardião dessa preciosidade é um português de 62 anos, seu Manoel de Oliveira Gonçalves, dono da transportadora e do guarda-volumes. Ciente da importância do acervo que mantém em seu prédio e da disputa, ainda travada na surdina pela família em torno desses documentos e objetos, ele não deixa ninguém entrar na sala onde o material está guardado. De vez em quando, algum funcionário da família liga ou vai ao local para conferir se tudo continua no mesmo lugar. Apesar de estar localizado em uma região dominada pelo tráfico e pela criminalidade, seu Manoel garante que não há risco de o material ser furtado. Há nove anos no local, ele afirma que foi assaltado apenas uma vez.

O português admite, no entanto, que as condições  em que tudo está guardado não são das melhores. “Aqui foi feito para guardar móveis”, afirma ele, que foi responsável por fazer todas as mudanças da família desde quando Brizola se elegeu governador do Rio de Janeiro pela primeira vez, em 1983. “Eu fiz mudanças de vários políticos e acabei sendo indicado para trabalhar para o Brizola e sua família”, conta, acrescentando que está no ramo desde 1966. No mesmo local, segundo seu Manoel, estão guardados móveis do deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ), deixados lá quando ele assumiu o comando do Ministério do Trabalho, em abril do ano passado.

Uma pessoa que já viu a situação do acervo e preferiu não ser identificada disse que tudo está se perdendo. Segundo ela, as caixas estão mofadas, rasgadas e guardadas sem nenhum cuidado. “Está tudo jogado, abandonado, se perdendo. Dá até dó”, relata.

Os segredos do baú

A Fundação Darcy Ribeiro, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, já se ofereceu, sem sucesso, para inventariar todo o acervo pessoal do ex-governador Leonel Brizola, separar documentos pessoais de históricos e catalogar todos os objetos. Também se dispôs a guardar tudo na fundação, onde já funciona o memorial de Darcy Ribeiro, outro importante líder trabalhista, responsável pela criação do PDT com Brizola, seu amigo pessoal.

Entre a papelada depositada precariamente no guarda-volumes, em Inhaúma, no Rio de Janeiro, haveria fotos e correspondências de Leonel Brizola com líderes da esquerda como Fidel Castro e Che Guevara, além de vasta documentação sobre a Rede da Legalidade, movimento organizado por ele em 1961, quando ainda era governador do Rio Grande do Sul, para garantir a posse do vice-presidente João Goulart. A Fundação Getulio Vargas (FGV), que leva o nome do presidente e padrinho de casamento de Brizola, tentou comprar o acervo, mas a disputa judicial pelo espólio do ex-governador impediu a negociação.

Em 2005, um ano depois da morte de Brizola, toda a documentação quase foi parar no Rio Grande do Sul. A família de Brizola chegou a acertar com o governo gaúcho a transferência do acervo. Um grupo de historiadores viajou ao Rio de Janeiro para uma classificação inicial do material, na época guardado no apartamento que Brizola mantinha na Avenida Atlântica, em Copacabana.

Também nessa época, a família se comprometeu a fazer a triagem dos documentos que foram catalogados pelo governo gaúcho e mandar o que achasse relevante para o Arquivo Público do Rio Grande do Sul. A intenção era construir um memorial no estado natal de Brizola e manter parte dos documentos no Rio de Janeiro, estado adotado por Brizola e governado por ele por dois mandatos. No entanto, uma divergência entre os irmãos impediu mais uma vez que todo esse “baú”, como o próprio se referia ao seu acervo, se tornasse público. 

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