FERNANDO TADEU MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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Um artigo de pesquisadores franceses e brasileiros traz novos dados à discussão sobre a data da chegada do homem à América ao analisar três sítios arqueológicos no Piauí e mostrar evidências de presença humana na região até 22 mil anos atrás.
Os achados dos pesquisadores, publicados no periódico "Journal of Archaeological Science", são mais uma evidência empírica contra o chamado paradigma "Clovis first", a teoria mais antiga sobre a ocupação das Américas.
Proposto por arqueólogos dos EUA na década de 1930, o modelo sustenta que os primeiros moradores do continente vieram a pé da Ásia durante a Era do Gelo há cerca de 13 mil anos --quando havia uma ponte terrestre entre os dois continentes-- e se dispersaram pelas Américas.
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"As evidências trazidas pelos estudos de artefatos líticos [objetos feitos com pedra lascada ou polida] não deixam dúvida da nossa descoberta", disseram Christelle Lahaye e Eric Böeda, líderes do time de arqueólogos. As escavações foram feitas entre 2008 e 2011 na Toca da Tira Peia, localizada no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, e 113 artefatos de pedra foram recolhidos de cinco camadas do solo.
Foi utilizada uma técnica que mede o dano natural da radiação solar em cristais como quartzo e feldspato presentes nos sedimentos nos quais foram encontrados os artefatos. Com isso, os cientistas conseguiram estimar a última exposição do solo à luz solar, variando de 4.000 anos no topo a 22 mil anos atrás no terceiro nível.
Uma dificuldade desse tipo de estudo é saber se as lascas nos artefatos são resultado de trabalho humano e não de fenômenos naturais.
"Encontramos ferramentas feitas a partir de matérias-primas que não se encontram perto do abrigo. Isso nos leva a concluir que elas foram escolhidas, trazidas, trabalhadas e utilizadas pela ação humana", disse Gisele Felice, da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
Para os autores, isso significa que homens viveram nessa parte do mundo no mínimo 10 mil antes do previsto.
ROTA ALTERNATIVA
Niède Guidon, presidente da Fundação Museu do Homem Americano e uma das autoras do trabalho, crê que as descobertas da equipe franco-brasileira reforçam a hipótese de que a chegada do homem à América se deu por várias regiões do continente.
"Pensamos que houve migrações vindas da África por uma corrente marítima que vem do litoral africano até o Nordeste, e há migrações mais tardias que chegaram pelo sul, vindas do Pacífico."
Segundo Guidon, grupos de humanos podem ter começado a sair da África a partir das grandes secas que atingiram o continente há cerca de 130 mil anos.
Astolfo Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnografia da USP diz, no entanto, que os modelos da vinda do homem pela África e pelo Pacífico, apesar de viáveis, são frágeis, devido à ausência de evidências convincentes.
ANÁLISE
Debate fica em torno de pistas indiretas com a falta de ossos
RICARDO BONALUME NETODE SÃO PAULONão existe tema mais polêmico na ciência do que a origem do ser humano ou a sua disseminação pelo planeta.Basta ver o título de um livro popular sobre o tema, "The Bones of Contention", que usa uma expressão que significa um assunto sobre o qual não há consenso. Poderia ser traduzido como "os ossos da discórdia".
No caso da colonização humana da América, o problema é pior: faltam ossos. São raros os sítios arqueológicos antigos com ossos humanos.
Muito do que se debate sobre o tema acaba sendo em função de pistas indiretas, como pedras lascadas que poderiam ser instrumentos de fabricação humana.
O sítio no Piauí sempre foi considerado um problema pela falta de provas concretas da presença humana. Uma grande ajuda aos seus defensores foi dada pelas pesquisas em Monte Verde, Chile, pela equipe do americano Tom Dillehay. Se havia gente no Chile, por que não no Piauí, mais perto da rota de migração vinda da Ásia?
Por exemplo, a equipe descobriu restos de algas marinhas em Monte Verde, indicando que poderiam ser uma das fontes de alimento dos antigos índios do sítio.
Monte Verde teria sido habitado há pelos menos 14 mil anos, mil anos antes portanto da cultura Clovis nos EUA.
Os antigos habitantes teriam percorrido uma rota pelo litoral oeste das Américas vindos da Ásia, embora também existam especulações sobre rotas marítimas.
A discussão dedica muita atenção às datas de povoamento e pouca ao cotidiano dos antigos colonizadores: o que comiam, onde moravam, como viviam, o que caçavam?
Para Nicole Waguespack, da Universidade de Wyoming, mais dados confiáveis são necessários e também "construções teóricas capazes de integrar tais dados".
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