quinta-feira, 18 de abril de 2013

Genoma do celacanto, peixe que apresentou poucas mudanças nos últimos 300 milhões de anos, é sequenciado


Evolução em marcha lenta Genoma do celacanto, peixe que apresentou poucas mudanças nos últimos 300 milhões de anos, é sequenciado. Dados vão auxiliar na compreensão da transição da vida aquática para a terrestre 

Vilhena Soares

Estado de Minas: 18/04/2013 


Brasília – Os celacantos formam um grupo de peixes raro e intrigante para os cientistas. Durante muito tempo, acreditou-se que eles tinham sido extintos há 300 milhões de anos, como indicavam registros fósseis. Em 1938, porém, uma espécie – a African coelacanth – foi descoberta nas profundezas da costa africana e, para espanto dos biólogos, ela era muito semelhante aos ancestrais pré-históricos, como se, nesse tempo todo, praticamente não tivesse evoluído. Por isso, esses animais marinhos mereceram a denominação de fósseis vivos, ou seja, espécimes que ainda existem, mas permitem o estudo do passado.
Agora, uma ampla pesquisa, publicada na edição de hoje da revista Nature, não só confirma que, de fato, os genes dos celacantos evoluem muito mais lentamente do que os de outros seres como traz novos dados que poderão explicar como ocorreu a evolução da vida na Terra, em especial a transição do meio aquático para o terrestre, que resultou no surgimento do homem. O feito principal do megaestudo, que reuniu 40 especialistas de 12 países, inclusive do Brasil, é o sequenciamento completo do DNA do A. coelacanth, que fornece uma rica variedade de informações a serem trabalhadas futuramente. Além disso, diferentes artigos analisam vários aspectos do peixe, ajudando a posicioná-lo melhor na história da evolução animal.

Uma das razões que tornam o celacanto tão interessante é que ele conta com características morfológicas que estão presentes nos animais terrestres, como a barbatana, que lembra os membros de quadrúpedes, e o sistema respiratório. Como há outro grupo de peixes, os dipnoicos (também chamados de lung-fishes), que possui características semelhantes, sempre houve dúvidas sobre qual dos dois está, evolutivamente, mais próximo dos animais terrestres, logo, do homem.

Segundo Igor Schneider, biólogo da Universidade Federal do Pará (UFPA), que participou do estudo, as análises mostraram que o lung-fish ganha no quesito proximidade. “Esses peixes tinham pulmões e precisavam respirar fora da água para viver”, explica. “Agora, foi comprovado que o sistema respiratório do celacanto não é tão bem desenvolvido como se suspeitava. Assim, os dipnoicos são a espécie mais próxima do homem”, complementa o pesquisador, que participou da análise das barbatanas do celacanto.

O resultado não diminui a importância dos estudos sobre o African coelacanth. Mesmo mais distantes evolutivamente, eles contam com traços que foram herdados por diversas espécies. A parte da pesquisa da qual Schneider participou, por exemplo, mostra que as barbatanas do peixe têm ossos muito semelhantes ao fêmur, que forma o braço humano.


Além disso, o celacanto faz parte de um dos grupos responsáveis pelo surgimento dos animais de quatro patas, denominados tetrápodes. Para o biólogo, a descoberta sobre o espécime vai beneficiar ainda mais as pesquisas na área de evolução graças aos genes conservados. “Com os novos dados, podemos fazer um estudo mais detalhado do ponto de vista morfológico, ou seja, notar como ocorreu a evolução dessa espécie, identificar genes que surgiram ou que não existem mais, membros que ele desenvolveu e que acabaram desaparecendo com o tempo”, exemplifica o biólogo da UFPA.

Para a professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) Cláudia Padovesi, a pesquisa é importante para a revisão do que já havia sido descoberto na área. “Esse trabalho feito em conjunto com tantos pesquisadores, apesar de não mostrar elementos que considero novidades, atesta confirmações de conceitos que já existiam na área”, explica. Para ela, o mapeamento genético é uma novidade que surgiu e que deve permanecer nas pesquisas biológicas. “É uma maneira eficaz para comprovar os conceitos que já tínhamos e que deve trazer benefícios na área da ecologia para que possamos dar continuidade aos estudos da área”, complementa.

Expansão de pesquisas O mapeamento genético do celacanto deverá trazer outras novidades no campo de estudo da evolução, acredita Igor Schneider. “Agora, teremos um material de estudo que vai expandir as pesquisas, principalmente em relação aos animais vertebrados que eram terrestres. Com a ajuda dessa espécie, surge uma oportunidade singular de observar um parente próximo aos humanos”, acrescenta.
Para um dos principais pesquisadores da empreitada científica, Chris Amemiya, o genoma do celacanto pode esconder muitas pistas importantes. “Esse é só o começo do que o celacanto pode nos ensinar sobre o surgimento dos vertebrados terrestres, incluindo humanos. Combinados com abordagens empíricas, os dados podem fornecer insights sobre os mecanismos que contribuíram com grandes inovações evolutivas”, afirma, em comunicado, o professor da Universidade de Washington.

Mudança desnecessária
Os cientistas frisam que o termo fóssil vivo, cunhado por Charles Darwin, não significa que a espécie é uma relíquia do passado trazida de volta à vida, mas uma que sobreviveu e mudou pouco na aparência em milhões de anos. “Não é um fóssil vivo, é um organismo vivo. Não vive em uma bolha do tempo”, diz, em comunicado, Jessica Alföldi, do Broad Institute, nos Estados Unidos. Uma das hipóteses é que o celacanto tem uma taxa tão baixa de mudança simplesmente porque não precisa passar por grandes adaptações, pois vive nas profundezas do oceano, um hábitat que passa por poucas transformações.



Relação com o homem



Um dos pesquisadores participantes do estudo sobre o celacanto, Igor Schneider, biólogo da Universidade Federal do Pará (UFPA), integrou a equipe que apontou indícios da ligação do peixe com o ser humano. O foco do grupo foi a barbatana do African coelacanth. “A nadadeira desse peixe se destaca por ter traços semelhantes aos membros humanos, como ossos parecidos com o fêmur. Queríamos analisar seus aspectos e comprovar se esses traços fazem parte da evolução humana”, explica o especialista.

Para atestar a suspeita inicial, a equipe implantou partes do genoma da nadadeira do peixe em camundongos transgênicos (mudados em laboratório) e conseguiram notar o desenvolvimento de membros superiores nos animais. “Marcamos o embrião com uma luz, chamada Lac-Z, que se pigmenta durante reações químicas. Ela marcou a região que nos interessava, aquela em que os órgãos deveriam se desenvolver, e confirmamos o desenvolvimento (dos membros)”, conta Schneider.

 O pesquisador destaca a importância da comprovação feita no experimento: “Os membros cresceram da maneira que imaginávamos, o que comprova que parte desse DNA seria, como achávamos inicialmente, semelhante ao humano. Essa descoberta é bastante importante, já que o DNA regulatório que implantamos, mesmo estando adormecido há 300 milhões de anos, se desenvolveu com a mesma função em outro organismo diferente”, afirma.
O especialista adianta que pretende continuar os estudos, feitos em parceria com três cientistas americanos. “Já tenho um projeto encaminhado. Acredito que essa área trará novidades importantes para o estudo dos vertebrados e renderá frutos na área da biologia”, complementa. (VS)

Peixe-zebra ajudará no estudo de males genéticos


A Nature desta semana apresenta também o mapeamento do DNA do peixe-zebra (Danio rerio), detalhado em dois estudos publicados na revista. A expectativa dos cientistas é usar a informação sobre o pequeno animal – que se destaca por gerar embriões transparentes e ter uma alta capacidade de reprodução em laboratório –  para buscar as causas de doenças genéticas que afetam o homem. Segundo os pesquisadores, 70% dos genes do animal são iguais aos do ser humano.
“Ao proporcionar uma análise sistemática da função de um gene do peixe-zebra, ela servirá para melhorar nosso conhecimento sobre a base biológica das doenças, já que a espécie se parece bastante em sua composição com o material genético humano. Podemos, por exemplo, simular doenças humanas por meio de mutações e tentar combatê-las em laboratório”, explica o biólogo molecular Derek Stemple, em um comunicado. “Por exemplo, a principal causa de distrofia muscular no ser humano reside nas mutações de um gene chamado distrofina, e os peixes-zebra têm um gene distrofina. É muito similar. E as mutações desse elemento no animal também provocam nele a doença”, menciona o especialista.

Os dados gerados estarão disponíveis para consulta por outros pesquisadores. “Acreditamos que o trabalho vai melhorar substancialmente o uso do peixe-zebra como modelo de organismo (para estudos), dando base para pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de vertebrados e ao combate de doenças humanas realizadas por cientistas que já trabalham nessa área”, acrescenta Stemple, geneticista do Wellcome Trust Sanger Institute de Cambridge (Reino Unido). O genoma do Danio rerio é o maior decifrado até agora, com 26 mil genes.

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