quinta-feira, 18 de abril de 2013

Mitos sobre o BNDES - Marcelo Miterhof


da Folha de São Paulo
É um mito dizer que o banco escolhe vencedores; não há ativismo na definição das operações a serem apoiadas
Na semana passada, a coluna tratou do papel geral do BNDES, em especial sua relação com o investimento. Hoje, o objetivo é discutir três mitos que têm sido criados em torno de sua atuação.
Primeiro, o BNDES inibiria o mercado de capitais. O banco atua em renda variável com um horizonte de longo prazo incomum no Brasil. Isso favorece que ele apoie empresas que, em razão de planos desafiadores, tendem a passar por períodos de turbulência. Essa estratégia --além de se mostrar rentável, pois o risco é recompensado quando os projetos florescem-- induz a entrada de empresas no mercado de capitais.
O BNDES atua com firmas em diferentes estágios, desde o capital-semente até as que buscam abrir seu capital. Nesse caminho, o fortalecimento da governança das investidas é sensível. Ao fortalecer a transparência corporativa, o banco favorece a formação de investidores.
O mesmo ocorre quando, na venda de papéis, o BNDES usa ofertas públicas para atrair investidores menores, como foram os casos do PIBB, o primeiro fundo brasileiro baseado num índice de mercado (Ibovespa), e das ofertas de ações do BB, que o fez o primeiro grande banco nacional a participar do Novo Mercado.
Assim, além de mitigar a deficiência da economia brasileira no financiamento de longo prazo, tema da coluna passada, o BNDES tem ação indutora do mercado de capitais.
O segundo mito é o de que o BNDES escolheria vencedores, reforçando a atuação de setores tradicionais e pouco inovadores.
Isso é um mito porque não há ativismo na definição das operações a serem apoiadas. O BNDES não aponta projetos a serem feitos. São as empresas que os estruturam e buscam o banco, que os avalia.
Como banco público, o BNDES está aberto a analisar todos os projetos que lhe são apresentados. Há prioridades em termos das condições de taxas, participação, prazos etc., algo expresso em suas políticas operacionais. Porém, se o demandante tem risco de crédito aceitável, o pedido é considerado viável e há garantias adequadas, nenhum pleito é negado. Se boa parte dos projetos apoiados ocorre em setores tradicionais, é porque são os mais fortes da economia --e eles também precisam aumentar a produtividade.
Além disso, a inovação tem um caráter mais geral do que o aspecto tecnológico. Quando o BNDES suporta a internacionalização de grupos brasileiros, há inovações ligadas à capacidade empresarial de dominar cadeias globais, buscando novos espaços de valorização e desenvolvendo as atividades corporativas centrais, como logística, marketing e inovação. Os países ricos têm grupos globais em diversos setores.
O BNDES sempre que possível apóia grupos brasileiros em setores de tecnologia, como tem feito, por exemplo, com as empresas de softwares Totvs e Linx.
O terceiro mito é que os empréstimos do Tesouro para reforçar as captações do BNDES estariam recriando a "conta-movimento".
Extinta em 1986, ela propiciava acesso automático, não contabilizado nos seus balanços, do Banco do Brasil aos recursos do BC. Com isso, o BB tinha menos incentivos a usar bons critérios de concessão de crédito e prejudicava a gestão da política monetária pelo BC.
A comparação é no mínimo forçada. O BNDES não toma recursos do BC nem busca sanar problemas de liquidez. Os empréstimos são devidamente expressos no seu balanço e na dívida pública, sendo apenas uma fonte de captação.
Está ausente no debate uma reflexão estratégica. A comparação que faz sentido é com o acúmulo de reservas cambiais. Nos dois casos, ocorre elevação da dívida pública bruta, sem impactar a líquida, cada uma com seu custo fiscal (diferença entre o custo da dívida pública e o rendimento da aplicação).
A manutenção de um alto nível de reservas mitiga a histórica vulnerabilidade externa. Os empréstimos ao BNDES irrigam a economia com financiamento de longo prazo.
E, como a inadimplência no BNDES é baixa (hoje, é 0,06%) e as operações de renda variável são no conjunto lucrativas, o risco da diferença entre o endividamento bruto e o líquido é pequeno.
Há forte viés político e ideológico no debate sobre o BNDES. Por isso, não pretendo convencer os críticos do banco, só mostrar que há uma visão alternativa bem fundamentada pautando a ação do BNDES.
marcelo.miterhof@gmail.com

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