Em palestra, vencedor do Nobel de Literatura contou como censores avaliaram sua obra durante o apartheid
Para sul-africano, que hoje fala em Porto Alegre, "quanto mais as coisas mudam, mais continuam iguais"
Em 1996, Coetzee publicou um livro de ensaios sobre censura, "Giving Offense" (sem edição brasileira). Depois, diz, havia tirado o tema do seu radar. Há alguns anos, um pesquisador lhe ofereceu: "Você quer ver os relatórios da censura sobre sua obra?".
A resposta foi sim, e foi sobre esses documentos que o escritor discorreu. O vencedor do Nobel de Literatura de 2003, que veio ao país a convite do festival Litercultura, deve repetir a fala nesta noite, em Porto Alegre.
Seus livros "No Coração do País" (1977), "À Espera dos Bárbaros" (1980) e "Vida e Época de Michael K" (1983) receberam o OK do apartheid. E o que escreveram os censores? "Maravilhosamente bem escrito" e "altamente intelectual", anotou um censor sobre o primeiro deles.
"Quem são estes censores?", perguntou retoricamente o autor à plateia. "Teriam sido burocratas que entram no trabalho às 8h30 e passam o dia circulando textos com caneta vermelha?"
Não foi o que descobriu. Com uma censora, havia chegado a tomar um chá da tarde. Comera churrasco certa vez na casa de outro. "Fiquei chocado quando soube."
Coetzee pôs-se, à época, a matutar sobre o porquê de ter sido poupado. Seu livro "À Espera dos Bárbaros", por exemplo, tem referências explicitas às torturas da polícia secreta do apartheid. "Nenhum sul-africano poderia ter lido o livro sem perceber."
A conclusão dele é de que tinham "deixado passar" por ser ele, Coetzee, branco, da mesma classe social dos censores e por fazer "obras que jamais seriam populares".
A seu modo, Coetzee fez uma espécie de defesa dos seus censores: comentando a atuação de um deles, disse: "Creio que a moral dele é normal". E, então, a reviravolta.
Em termos de censura, diz o Nobel, por mais que achemos ter avançado, nada muda. O instinto da censura está em nós. Mudam os objetos, a censura seguirá igual.
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