terça-feira, 16 de abril de 2013

Maria Esther Maciel - A vez da poesia‏



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Estado de Minas: 16/04/2013 

Foi com indisfarçável surpresa que li, um dia desses, a notícia de que o livro Toda poesia, que reúne a obra poética do curitibano Paulo Leminski (1944-1989), tinha entrado para a lista dos mais vendidos no país, na categoria ficção, chegando a desbancar o best-seller Cinquenta tons de cinza na rede de livrarias Cultura. “Como assim?” “Um livro de poesia, e logo do Leminski?”, muita gente também deve ter se perguntado diante de tal novidade, que deixou perplexa até mesmo a editora que publicou a obra.

Leminski, como se sabe, foi um poeta avesso às convenções de qualquer espécie, que elegeu a liberdade como o principal ingrediente de sua vida e sua poesia, chegando a receber o rótulo de “poeta marginal”. Com descontração, engenho e muito humor, criou um estilo próprio, misturando referências da cultura pop com procedimentos de vanguarda. Reabilitou a rima, aliou capricho e relaxo, transitou em diferentes gêneros literários. Aliás, quem fez um estudo muito interessante sobre ele foi o poeta mineiro Fabrício Marques, no livro Aço em flor – a poesia de Paulo Leminski, de 2001.

Como era de se esperar, a entrada de Leminski no rol dos best-sellers brasileiros foi comemorada com euforia tanto por quem o admira quanto pelos que gostam de poesia em geral. Afinal, um livro de poemas se tornar best-seller no Brasil, sobretudo nestes tempos de consumismo desenfreado, é algo digno de comemoração.

Por outro lado, há uma grande ironia nessa história. E é isso que a torna mais intrigante. Se a entrada do livro na lista merece aplausos e nos dá a sensação de que Leminski bagunçou o coreto do mercado, ela também não deixa de gerar certo desconforto. Daí a pergunta: será que o próprio poeta, sempre tão rebelde em relação às normas sociais, culturais e políticas, não se sentiria um “peixe fora d’água” nesse rol dos mais vendidos? Leminski, que considerava a poesia uma espécie de “inutensílio”, um tipo de arte que não serve para nada em termos utilitários, foi coerente com essa proposta, mantendo-se o tempo todo em dissonância com a lógica de produção e consumo do mundo capitalista. E agora, por ironia do destino, torna-se campeão de vendas no mercado de livros.

A ironia, obviamente, também afeta esse monstro sem rosto chamado mercado. Por tanto tempo ele marginalizou os livros de poesia, sob o argumento de que “poesia não vende”, por não se afinar com o tipo de literatura que as pessoas em geral consomem, e agora tem que “engolir” uma obra poética na lista dos mais vendidos do mês.

Tendo-se em vista os dois lados da moeda, fica a dúvida: será que a poesia venceu o mercado ou o mercado venceu a poesia de Leminski? Talvez, as duas coisas. Ou, mais provavelmente, nenhuma delas. O fato é que fenômenos desse tipo tendem a desafiar nosso poder de compreensão. Basta citar, como outro exemplo, o livro Eu, de Augusto dos Anjos, grande sucesso editorial no país por vários anos, apesar de sua linguagem difícil e seu tom sombrio. Há também o recente caso de Finnegans Wake, de James Joyce, que se tornou best-seller na China assim que foi publicado por lá.

Assim, diante do fenômeno editorial de Toda poesia de Paulo Leminski, só nos resta dizer, como Guimarães Rosa: “Não há o que não haja”.

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