Segundo testemunha, policiais entraram e atiraram nos detentos, até nos que estavam 'nus e rendidos'
Defesa afirma que eles reagiram a agressões; para perito, 90% dos disparos ocorreram dentro das celas
Santos era diretor da Divisão de Segurança e Disciplina; quando necessário, substituía o diretor, José Ismael Pedrosa.
Segundo ele, não havia rebelião ou tentativa de fuga, e os policiais, ao entrarem, fuzilaram os detentos, inclusive os que estavam rendidos e nus. "Vi um tapete de corpos", disse. "Às primeiras rajadas, os policiais do lado de fora comemoram como um gol."
A defesa dos 26 policiais réus no primeiro júri do caso (haverá ainda outros dois) afirma que eles reagiram a agressões dos presos, que estavam rebelados, armados e planejavam fugir. A advogada Ieda de Souza disse que só se pronunciará após o júri.
Santos disse que foi avisado às 13h de uma briga entre grupos rivais do pavilhão 9.
Nenhum servidor havia se ferido ou tornado refém, afirmou. Após tentar convencê-los a encerrar a briga, Santos deixou o local e acionou o alarme, avisando a Polícia Militar.
Quando o reforço chegou, formou-se uma espécie de comitê de autoridades, que combinou que Pedrosa faria uma negociação por megafone e os PMs lhe dariam cobertura com escudos."Eles não seguiram o acordo. Arrombaram a porta e já foram metralhando."
Santos só pôde entrar no pavilhão às 19h. Para ele, os PMs mataram a maioria dentro das celas e, depois, fizeram os presos removerem os corpos, para alterar a cena. Muitos dos que levaram corpos foram fuzilados depois, disse.
O depoimento foi similar ao de três presos sobreviventes, também ouvidos ontem.
Outra importante testemunha a falar foi Osvaldo Negrini Neto, perito criminal na época. Ele disse que 90% dos disparos ocorreram dentro das celas. Também relatou o cenário que viu. "Tinha sangue até as minhas canelas."
O júri continua hoje com o depoimento de testemunhas da defesa. (ROGÉRIO PAGNAN, TALITA BEDINELLI E LEANDRO MACHADO)
ANÁLISE JULGAMENTO DO CASO CARANDIRU
Futuro de acusados será decidido mais por ideias do que por provas
Estereótipos de policiais e de presidiários serão mais considerados do que exames, laudos e testemunhos
Passamos a ter praticamente só homens julgando homens, tanto réus quanto vítimas
Para alguns, esse preceito assegura o livre pensamento e a livre decisão. Mas será mesmo que os jurados brasileiros pensam e decidem com mais liberdade simplesmente por passarem horas ou dias de julgamento enclausurados no fórum, impedidos de fazer e receber ligações telefônicas, ler jornais, acessar a internet, ver TV e conversar sobre o caso?
Certo é dizer que brasileiros, "de notória idoneidade", maiores de 18 anos e no gozo de seus direitos políticos não chegam aos tribunais livres das mais diversas influências.
Estereótipos de réus e de vítimas povoam a imaginação da população e são reiterados nas narrativas de profissionais do direito.
Não será diferente no júri do "Massacre do Carandiru".
Representações sociais de policiais militares que receberam e executaram ordens de seus superiores, bem como de presidiários e de rebeliões prisionais serão consideradas mais do que exames, laudos e provas testemunhais.
A decisão dos jurados sinalizará quais estereótipos fazem mais sentido para eles.
O fato de o Conselho de Sentença contar agora com seis homens e uma mulher talvez interfira nessas percepções, pois passamos a ter praticamente só homens julgando homens (tanto réus quanto vítimas).
A advogada dos policiais e o promotor de Justiça talvez tenham de repensar algumas de suas estratégias discursivas devido à nova situação.
Resta a insolúvel dúvida sobre se os jurados mudariam seus votos caso tivessem a oportunidade de discutir entre si suas conclusões.
Antes minoria, homens agora dominam júri
DE SÃO PAULOO perfil do júri que avaliará o destino dos policiais militares réus do Massacre do Carandiru mudou radicalmente ontem em relação ao formado na semana passada, quando o julgamento teve início e foi adiado depois que uma jurada passou mal.Seis homens e uma mulher foram sorteados para julgar os 26 PMs denunciados nessa parte do julgamento, formação considerada mais favorável aos policiais.
Na semana passada, o júri foi composto por cinco mulheres e dois homens, o que havia sido considerado mais favorável à acusação --mulheres, em geral, costumam ser vistas pelas partes como mais emotivas e propensas à defesa dos direitos humanos.
O sorteio dos novos jurados, obrigatório após o adiamento, foi feito sem a presença dos jornalistas. Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, durante o sorteio, a defesa rejeitou duas mulheres e o Ministério Publico, três homens. Cada parte pode rejeitar até três pessoas sem ter que justificar.
De acordo com o Tribunal de Justiça, a maioria dos jurados tem entre 20 e 30 anos. No primeiro dia de júri, eles foram muitos participativos e fizeram perguntas a todas as testemunhas chamadas.
O comportamento dos 24 réus que se apresentaram no plenário também mudou em relação à semana passada.
Na última segunda-feira, antes do adiamento do júri, eles aparentavam descontração e riam entre eles. Ontem, estavam sérios --um deles passou as 11 horas de depoimentos segurando a Bíblia.
Hoje, devem ser ouvidas as testemunhas de defesa. Dez foram convocadas, entre elas o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho. (LM, RP E TB)
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