Costumo ouvir que os pais da atualidade querem poupar seus filhos de sofrimento. Por isso, sentem uma enorme dificuldade para dizer "não" a eles, para permitir que enfrentem as suas frustrações e para deixar que atravessem as situações difíceis que a vida lhes apresenta.
À primeira vista, esse discurso soa como uma verdade, não é mesmo? Afinal, temos visto crianças e adolescentes agirem sem se importar com as normas sociais porque eles se sentem protegidos pelos pais em todas as circunstâncias.
Entretanto, podemos pensar um pouco além dessa linha para tentar compreender melhor o relacionamento atual entre pais e filhos no que diz respeito à chamada "felicidade" das crianças.
Na realidade, pode ser que os pais façam mesmo de tudo para que os filhos não sofram. Mas é preciso considerar que, em geral, eles desejam proteger seus filhos apenas de determinadas experiências dolorosas --não de qualquer uma.
Os pais não querem, por exemplo, que os filhos se sintam excluídos de qualquer situação, de qualquer grupo e de qualquer atividade.
É em nome do desejo adulto de eliminar esse tipo de sofrimento que as crianças fazem as mesmas atividades que os colegas em seus dias de lazer, ganham os mesmos jogos e todo tipo de traquitana tecnológica, frequentam os mesmos lugares, usam roupas e calçados parecidos (quando não são iguais) e vão a mil festas de aniversários, muitas vezes de crianças que nem são amigas próximas.
Os pais também não querem, de maneira alguma, que seus filhos sofram por causa da escola. É por isso que vira e mexe eles vão falar com coordenadores, professores e diretores, reclamam de alguns profissionais, colocam os seus filhos em aulas particulares, fazem a lição de casa com eles --ou no lugar deles-- e estão sempre prontos para defender suas crianças e seus adolescentes de qualquer sanção que tenha sido aplicada pela escola.
E é assim, entre tentativas de evitar um e outro tipo de sofrimento, que os pais vivem a ilusão de construir para seus filhos um mundo que só pode existir em outra dimensão: um mundo onde ninguém os rejeitará, onde não serão excluídos de nada e onde participarão de todos os grupos pelo simples fato de consumirem as mesmas coisas que a maioria.
Doce e amarga ilusão...
Porém, há alguns sofrimentos que os pais da atualidade não evitam que seus filhos experimentem. Ao esconder de crianças e jovens verdades da vida que os envolvem, esses pais fazem com que os filhos sofram se debatendo entre mentiras ou silêncios. Quando o tema é doença ou morte na família, por exemplo, isso acontece bastante.
O que os pais talvez não saibam é que, ao tentarem evitar que os filhos sofram a dor da perda, eles acabam provocando nos mais novos um sofrimento ainda maior que é a dor de não saber, de não entender, de não conseguir simbolizar a angústia que sentem.
Outra dor que os pais provocam e à qual não dão muita importância é a dor do abandono. Buscar o filho na escola bem depois do término da aula; deixar o filho sem parâmetros; permitir que a criança atue como se já fosse responsável por sua vida e colocar em suas mãos escolhas que deveriam ser de adultos são alguns exemplos de atitudes que fazem crianças e adolescentes se sentirem abandonados pelos pais.
E isso dói neles.
Uma garota de nove anos disse uma frase reveladora sobre essa sensação de abandono à sua amiga, que estava triste e constrangida por ter sido impedida pelos pais de acompanhá-la em um passeio: "Não chore por causa disso, não. Eu adoraria que os meus pais se importassem assim comigo".
Os filhos são supostamente protegidos de sofrimentos muitas vezes inevitáveis e, ao mesmo tempo, são colocados em situações nas quais experimentam sofrimentos inúteis. Qual será o resultado desse tipo de equação?
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".
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