Comissão do Senado dá parecer favorável ao projeto aprovado pela Câmara dos Deputados que extingue a escravidão no país
Renata Mariz
Estado de Minas: 12/05/2013
Com três liberais e
dois conservadores, a comissão formada ontem no Senado para apreciar o
projeto de lei que extingue a escravidão no Brasil já apresentou seu
parecer. Em dois parágrafos, os parlamentares se manifestaram pela
aprovação da matéria, sem mudanças no texto remetido pela Câmara dos
Deputados. Uma sessão de votação do relatório está marcada para hoje.
Embora os senadores evitem traçar prognósticos, a composição do
colegiado especial que fez a primeira análise da proposta evidencia a
tendência na Casa pela aprovação da lei. São quase todos políticos que
já se posicionaram favoravelmente em debates sobre marcos legais
abolicionistas recentes e que têm grande poder de articulação.
O
conservador Teixeira Júnior, por exemplo, foi um dos responsáveis pela
aprovação da Lei do Ventre Livre, em 1871. Por outro lado, representa o
Rio de Janeiro, que mais tem pressionado o governo atualmente, entre
todas as províncias, pela manutenção da escravidão. O maior temor é a
perda da lavoura deste ano, se houver uma debandada imediata da mão de
obra servil. Enquanto o cenário no Legislativo se desenha aos poucos, as
ruas das cidades de todo o país são tomadas pela chamada “onda negra”. O
movimento tem a participação tanto das entidades financiadas por
simpatizantes da causa abolicionista quanto por grupos de ex-escravos –
fugidos ou alforriados – que se somam à pressão pela liberdade dos
milhares de negros ainda cativos no Brasil.
Estima-se que
existam, pelo menos, 100 sociedades que abraçam a causa do fim da
servidão. Muitas estão filiadas à Confederação Abolicionista, criada em
1883 pelo advogado e deputado por Pernambuco Joaquim Nabuco. Formada,
geralmente, por membros da elite intelectual, por pessoas ligadas à
Igreja e jovens interessados nas ideias positivistas do filósofo francês
Auguste Comte – que têm reforçado, inclusive, um “levante” republicano
contra a Coroa –, essas entidades promovem os chamados meetings para se
reunir. Nesses encontros, debatem o panorama político do país, centrando
as discussões na abolição da escravidão, e angariam fundos para a
causa. Bailes, almoços, quermeses e bazares se multiplicaram nos últimos
anos em todas as províncias.
Os recursos são usados tanto para
pagar alforrias quanto para apoiar quilombos formados por resistentes,
estratégia que têm pressionado fazendeiros de Norte a Sul do país a
alforriar seus escravos ou negociar condições para mantê-los. No Rio de
Janeiro, onde, desde o ano passado, a polícia diminui a repressão aos
negros fugidos – posição oficializada por um comunicado do Exército
remetido à Coroa –, fala-se na expansão da “cidade negra” e seus
quilombos abolicionistas. No fim da Praia do Leblon havia um, no qual
era possível chegar de trem. Em Jacarepaguá, outra comunidade de negros,
chamada Camorim, ganha força. Há, também, comunidades em São Cristóvão,
no Engenho Novo e na Penha. O lema, nesses locais, é “A escravidão é um
roubo”, popularizado pela Confederação Abolicionista.
Três perguntas para...
Joaquim Nabuco
Advogado, deputado por Pernambuco e criador Confederação Abolicionista
A opinião pública credita o avanço da abolição ao apoio do Partido Conservador à causa. Isso enfraquece os liberais?
Apesar
de ter caminhado muito desde 1884, o Partido Liberal não tinha chegado
ao ponto de inscrever no seu programa de governo a abolição imediata
incondicional. É duro para o Partido Liberal eclipsar-se neste momento
em que se passa uma verdadeira apoteose nacional. Mas a culpa é somente
nossa. Fomos nós que não acreditamos que a abolição imediata pudesse ser
feita, embora hoje todos a achem fácil. Ainda no passado, nós não
acreditávamos.
Mas o senhor acredita em consequências reais desse desgaste na opinião púbica?
Quando
se entra na vida civil é que se escolhe um partido. É agora que a raça
negra vai escolher o seu partido, vai dar o seu coração. Eu tenho medo
de que a raça negra, que, no fundo, é o povo brasileiro, filie-se ao
Partido Conservador acreditando que foi ele, e não o Partido Liberal,
quem mais concorreu, quem maior alegria teve na sua liberdade.
Caso o projeto passe no Congresso, chega ao fim a tarefa dos abolicionistas?
Além
dessa, há outra tarefa, a do futuro. A de apagar todos os efeitos de um
regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia,
de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez
do Brasil o Paraguai da escravidão. Depois que os últimos escravos
houverem sido arrancados do poder sinistro que representa para a raça
negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma
educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de
cativeiro.
Desde sábado o Estado de Minas faz uma
viagem no tempo para contar os bastidores dos dias que antecederam a
sanção da Lei Áurea. A série termina na terça-feira.
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