domingo, 12 de maio de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Figurino ultrapassado
Já há quem preveja 2,5% de aumento do PIB e reversão da curva cadente da dívida pública; Fazenda, contudo, repete otimismo desgastado
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não se distingue por poupar otimismo. Para ele, a economia brasileira está em retomada, com inflação e contas públicas sob controle. Fica mantida sua projeção irreal de crescimento do PIB em 3,5%, neste ano, e 4,5% em 2014.
Os dados insistem em desmenti-lo. A indústria cresceu 0,8% no primeiro trimestre, um bom resultado. Mas a alta se concentrou nas vendas de caminhões e máquinas agrícolas -e, no primeiro caso, houve só a reversão do tombo de 2012.
Outros setores seguem paralisados. O aumento da participação de importados nas cadeias de produção persiste. Os dados preliminares de abril são fracos, especialmente o índice de confiança industrial da Fundação Getulio Vargas. Os empresários permanecem temerosos, ressabiados.
O consumo também perdeu fôlego. O surto inflacionário dos últimos seis meses, concentrado nos alimentos, corroeu a renda disponível. Os salários reais estão perto da estagnação. O emprego tem crescido pouco nos últimos meses.
É esperada uma melhora nos próximos tempos com a reversão da alta de alimentos, já em curso. A inflação acumulada em 12 meses, medida pelo IPCA, deve recuar de 6,49% em abril para 5,5% ou 6% até o final do ano.
Algum consumo adicional resultará disso, certamente, mas as dificuldades da indústria permanecerão. O problema é estrutural.
Já são frequentes projeções de crescimento do PIB abaixo de 3% neste ano, uma repetição das sucessivas revisões para baixo ao longo do ano passado.
O ministro Mantega também afirmou que a criação de postos de trabalho é tão ou mais importante que o PIB. É inegável, contudo, que o pífio desempenho brasileiro, confirmando-se como duradouro, cedo ou tarde acabará por afetar o nível de emprego.
Do lado das contas públicas, tampouco se encontram razões para otimismo. Há visível deterioração do endividamento público. É preocupante o fim do compromisso com a meta de superavit primário, que o governo ora se inclina a submeter ao crescimento da economia e não mais à evolução da dívida. Vários analistas já abandonam o prognóstico (que vinha de anos) de redução paulatina da dívida como proporção do PIB.
A verdade, que Mantega teima em obscurecer, é que os fundamentos da economia brasileira pioram.
Não se trata de catastrofismo. A questão é que o próprio avanço inegável das duas últimas décadas -e as mudanças do cenário mundial- trazem desafios novos para o país. E a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff só tem respostas velhas para eles.


    Emaranhado sírio
    Há dois anos, os protestos contra ditaduras árabes chegavam à Síria. Se Bashar al-Assad leva culpa pelos primeiros massacres de manifestantes e consequente escalada de violência, a responsabilidade pela dimensão da atual barbárie recai em grande parte sobre atores externos.
    Assad sempre teve garantias de apoio aliado. À Rússia interessa manter o regime que abriga sua única base militar fora da órbita da antiga União Soviética e ajuda a conter interesses ocidentais no Oriente Médio. Damasco, além disso, é fiel compradora de armas de Moscou. Os russos usam seu poder de veto na ONU para travar ações multilaterais contra a Síria.
    O ditador também deve muito ao Irã, que despachou para Damasco muito dinheiro e armas. A Síria é o duto pelo qual Teerã envia apoio ao também xiita Hizbullah, alinhado à beligerância iraniana contra Israel e regimes árabes sunitas. A queda de Assad deixaria o Irã mais fraco e isolado.
    A hostilidade a Teerã acelerou o alinhamento das monarquias árabes sunitas aos rebeldes sírios. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar armaram e financiaram a insurreição síria, hoje dominada por islamitas ultrarradicais. Numerosas conquistas rebeldes levam a marca da frente Al Nusra, ligada à Al Qaeda. Em nome da luta contra Assad, nações árabes apoiam jihadistas que explodem civis.
    França e Reino Unido defendem armar rebeldes seculares. Inicialmente limitados ao apoio político e logístico, os EUA cogitam aderir à proposta europeia após relatos de que a "linha vermelha" decretada por Barack Obama foi ultrapassada: o uso de armas químicas pela Síria (a ONU diz não ter provas).
    O quadro complicou-se com a entrada no conflito de Israel, que nos últimos dias lançou dois bombardeios contra instalações militares perto de Damasco. O governo israelense afirmou que a intenção não era ajudar os rebeldes sírios, mas destruir um carregamento de mísseis destinado ao Hizbullah.
    A crise síria já despejou 1,4 milhão de refugiados em países vizinhos. Internamente, contam-se 4 milhões de deslocados. Crescem temores de limpeza étnica no rastro da contraofensiva governista que retoma áreas sob controle rebelde.
    A esperança de solução pacífica ressurge com a inesperada convergência entre EUA e Rússia, que resgataram um plano aventado em 2012 para um governo de transição. O destino de Assad ainda opõe as potências. Mas Washington e Moscou podem pressionar os respectivos aliados a trocar o campo de batalha pela mesa de negociação.

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