domingo, 12 de maio de 2013

Entrevista: RAIMUNDO CARRERO - Escrita salvadora


O Estado de S.Paulo - 12/05/2013

Raimundo Carrero lança Tangolomango, romance escrito com enorme empenho durante a recuperação de um AVC


Ubiratan Brasil




Tangolomango, novo romance
de Raimundo Carrero, é enxuto,
com apenas 128 páginas.
Mas, cada capítulo (na verdade,
cadafrase)representouumaautêntica
vitória para o escritor
pernambucano de 65 anos – afinal,
foi seu primeiro trabalho
publicado depois de sofrer um
acidente vascular cerebral
(AVC)emoutubrode2010,que
o deixou com a fala e parte da
movimentação comprometidas.
“Com isso, esse se tornou
meuprincipalromance”,garante
Carrero, em entrevista por
e-mail ao Estado.

Ele escreveu as respostas
usando apenas o dedo indicadordamãodireita,
recursotambémutilizadopara
criaratrama
de Tangolomango, emque recuperaumpersonagem
de seu romance
anterior, O Amor Não
Tem Bons Sentimentos, Tia Guilhermina.
Agora, em pleno carnaval,
ela sofre com a possibilidade
de seu sobrinho Matheus,
com quem mantém uma relação
muito íntima, ser preso. Sobre
o assunto, ele respondeu às
seguintes questões.


Pela circunstância em que foi
criado, é possível dizer que Tangolomango
é seu principal livro?

Sim, Tangolomango é o meu
principal romance, pelas circunstâncias
em que estou envolvido,
curando-me das sequelas
do AVC, pela vida de
Tia Guilhermina, por quem
me apaixonei perdidamente,
pelos avanços técnicos e pela
retomada dos elementos armoriais
– o carnaval é a maior festa
armorial brasileira, numa homenagem
ao meu amigo Ariano
Suassuna. Significa também
um retorno ao meu começo
literário com os temas centrais
e a consolidação da minha
visão do mundo. É um romance,
tecnicamente, muito
sofisticado, escrito em ritmo
de frevo, com improvisações,
variações e movimentos, sem
relatar, mas representando –
privilegiando sentimento e a
não narração convencional.
Sem esquecer que também
sou músico, toco sax tenor desde
a adolescência. Um romance
para a mente e o coração,
não apenas para os olhos.


Por que Guilhermina voltou?

Tia Guilhermina tinha um papel
muito forte na família Cavalcante
do Rego, com suas virtudes
e seus pecados, limpezas
e sujeiras, e porque sempre foi
considerada, pela família, como
um exemplo, um modelo,
daí ter sido escolhida para
criar Matheus. Só apareceu em
O Amor Não Tem Bons Sentimentos
porque Matheus resolveu
falar dela e da intimidade
da casa, os dois se amando e tomando
banhos juntos, nus.
Portanto, era tão sensual quanto
os outros. Uso a palavra sensual
no sentido dostoievskiano
de desregramento, do comportamento
impulsivo e cego,
que vai do crime físico, assassinatos,
traições, envolvimentos
até o amor. Assim, não apenas
sexual. Vai além, muito além.
Por isso, a técnica não podia
ser convencional, aproxima-se
da usada por Flaubert para narrar
os comícios agrícolas em
Madame Bovary, emque se pretende
escutar o burburinho da
feira. Também em Tangolomango
se pretende escutar o burburinho
do carnaval, com os sons
dos instrumentos, das músicas,
das letras, as reflexões desordenadas
da personagem, o
tempo sem tempo, a mudança
ou as mudanças dos tempos
verbais, uma aparente confusão.
É preciso ver Tangolomango
como um romance atemporal,
embora e em certo sentido
as músicas cantadas remetam
o texto a décadas passadas.


É curioso como Guilhermina
desponta melancólica mesmo
em uma época tão festiva como
o carnaval. Por quê?

Na verdade, Tia Guilhermina
está vivendo uma grande dor,
com saudades de Matheus acusado
de estuprar e assassinar a
mãe e a irmã. No começo da
narrativa, sabe-se que ela anda
em desespero porque Matheus
vai a novo julgamento, e isso a
inquieta: “Como é que um menino
tão doce e tão belo” pôde
estuprar e matar a mãe e a irmã?
E, se isso aconteceu, ela
não quer admitir, por que não
foi com ela, já que ele fez sexo
e, portanto amou? E não com
ela, que amava tanto?Umgrande
ciúme, um magnífico ciúme,
mesmo que tivesse sido assassinada.
Não poderia ser de outra
forma: carnaval e tristeza, sem
dúvida. Sem contar, que o carnaval
é uma festa triste. “Tanto
riso, ó quanta alegria, mais de
mil palhaços no salão”, diz Zé
Kéti interpretando o amor de
Pierrot e Columbina. Carnaval
e tristeza, a mesma coisa.


Vejo semelhança no seu trabalho
com o do cineasta Claudio
Assis, também pernambucano.

Somos autores sensuais, naquele
mesmo sentido de que fala
Dostoievski, sem limites, excessivos.
Já fui chamado de apóstolo
do excesso, com o que concordo.
Quero ir sempre à raiz
da alma, ainda que isso me cause
sofrimento. É preciso botar
o dedo na ferida. Um escritor
não pode se esquecer disso.


Por que os capítulos do livro
são curtos e sempre com títulos
provocativos?

Em certo sentido, precisei controlar
o texto no computador,
até porque me perdia muito,
sentia a mente flutuando. E
não gosto de títulos diretos,
narrativos – isso antecipa os fatos
ao leitor. O título provocativo
ou poético surpreende,
não diz, não afirma. E a narrativa
deve ser sempre assim, surpreendente.

Como está a escrita do novo
volume da trilogia? Você já tem
toda a trama definida, faltando
escrever ou vai criando ao sabor
da união das palavras?

Sim, chama-se Lamalagata (o
caminho da águia no ar) e enfocará
a personagem Paloma,
amiga de Camila, que também
aparece em outro romance,
Minha Alma É Mãe de Deus. Lá
está dito que ela não cresceu
fisicamente e permaneceu menina
a vida inteira. Uma personagem
cruel e rebelde, mesmo
quando há algum lirismo.
Pela primeira vez surge uma
personagem fora da família,
mas ligada a ela pela amizade,
grande amizade, embora no
momento eu esteja mais preocupado
com a biografia de Jesus,
e que se chama Jesus Cristo
– O Deus Perseguido. E que
começa com Nossa Senhora
caminhando para Belém




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