Estado de Minas: 12/05/2013
Acontece que está
fazendo 40 anos que Michel Foucault veio à PUC Rio pronunciar
conferências sobre a verdade e as formas jurídicas.
Acontece que o diretor do Departamento de Letras e Artes, que o convidou, era este escriba aqui.
Acontece que convivi com ele por uma semana e ele até jantou em minha casa.
Acontece que aquela universidade, em 7 e 8 de maio, decidiu fazer um debate sobre a obra do filósofo. Além de trazer especialistas da França, me convidaram (perigosamente) para a abertura.
Acontece que expressei uma série de coisas pontuando que não ia para fazer o elogio óbvio de Foucault, mas um discurso “pós-foucaultiano”, pois a melhor homenagem que podemos fazer a um questionador é questioná-lo.
Acontece, enfim, que não vou falar disso aqui. Mas discorrer, em estilo de crônica, sobre uma ideia que veio depois de minha fala. E começo lembrando aquela frase de Tennessee Williams: “A verdade está no fundo de um poço sem fundo”. Diante da vertigem causada por essa afirmação, em oposição vem o que Cristo disse: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Mas tomo essa frase e me ocorre o contrário: “Conhecereis a verdade e a verdade vos escravizará”.
Cientistas, filosófos, ideólogos, místicos e artistas são escravos de uma verdade. E gastam suas vidas rolando essa pedra como Sísifo ou como Prometeu Amarrado, enquanto o tormento da verdade lhes come o fígado.
Então, como aquele corvo do poema de Poe que sempre dizia “nunca mais”, arriba aqui esta frase chocante: “A mentira move a história”.
Digo isso, me assusto e me maravilho com tal banalidade tão verídica. Lembro-me daquele poema “A implosão da mentira”, que já tratava da relação mentira/história. Falava-se de pessoas que, paradoxalmente, mentiam sinceramente. E me ocorre lembrar a vocês uma das coisas mais engraçadas e desconcertantes que nos livros de filosofia é chamada de o paradoxo do mentiroso. É simples: quando um mentiroso diz que está mentindo, ele está falando a mentira ou a verdade?
Então, penso: tanta gente preocupada com a verdade sem se preocupar em conhecê-la por seu avesso complementar – a mentira. Repito: a história é (também) a estória da mentira. Mentiras fabulosas que sustentam a religião, a arte e a ciência.
Qualquer cientista respeitável sabe que a ciência (também) é feita de mentiras espetaculares. Todos os dias um cientista prova que um cientista antes dele estava errado. Einstein fez isso com Newton. Niels Bohr e Stephen Hawking fizeram isso com Einstein. Copérnico acabou com Ptolomeu. Vou lhes dizer: até Deus (imagino) se surpreende todos os dias. O diabo, não; o diabo se diverte.
Antes que me acusem de acreditar em Deus e no diabo, tomo a Bíblia a meu favor. Sempre gostei daquela interpretação do mito de Adão e Eva segundo a qual eles foram expulsos do paraíso porque comeram da árvore do conhecimento. Conhecereis a verdade e a verdade vos expulsará da ingenuidade. Se existe a árvore do conhecimento, existe também o desconhecimento. Paraíso é para os imaturos, para os felizes. Provar da árvore do conhecimento é uma condenação e uma libertação.
Então, já que estou pontuando aqui e ali o ensaio que (não) farei, lhes digo: o paradoxo está não só no mentiroso que fala a verdade, mas no fato de que a verdade pode ser mentira e a mentira pode ser verdade: na farmácia você encontra o remédio e o veneno. O que é veneno para alguns é remédio para outros e vice-versa. Hoje existe aí a Comissão da Verdade para apurar o que não foi apurado durante a ditadura.
Alguns dizem que a história da humanidade é a história da liberdade. Outros dizem que a história da humanidade é a história da escravidão. Não se pode estudar a verdade sem estudar a mentira. E essa é uma questão quântica: como o életron, que pode ocupar dois espaços ao mesmo tempo, a verdade e a mentira seguem dançando e ocupando lugares simultâneos na história.
>> www.affonsoromano.com.br
Acontece que o diretor do Departamento de Letras e Artes, que o convidou, era este escriba aqui.
Acontece que convivi com ele por uma semana e ele até jantou em minha casa.
Acontece que aquela universidade, em 7 e 8 de maio, decidiu fazer um debate sobre a obra do filósofo. Além de trazer especialistas da França, me convidaram (perigosamente) para a abertura.
Acontece que expressei uma série de coisas pontuando que não ia para fazer o elogio óbvio de Foucault, mas um discurso “pós-foucaultiano”, pois a melhor homenagem que podemos fazer a um questionador é questioná-lo.
Acontece, enfim, que não vou falar disso aqui. Mas discorrer, em estilo de crônica, sobre uma ideia que veio depois de minha fala. E começo lembrando aquela frase de Tennessee Williams: “A verdade está no fundo de um poço sem fundo”. Diante da vertigem causada por essa afirmação, em oposição vem o que Cristo disse: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Mas tomo essa frase e me ocorre o contrário: “Conhecereis a verdade e a verdade vos escravizará”.
Cientistas, filosófos, ideólogos, místicos e artistas são escravos de uma verdade. E gastam suas vidas rolando essa pedra como Sísifo ou como Prometeu Amarrado, enquanto o tormento da verdade lhes come o fígado.
Então, como aquele corvo do poema de Poe que sempre dizia “nunca mais”, arriba aqui esta frase chocante: “A mentira move a história”.
Digo isso, me assusto e me maravilho com tal banalidade tão verídica. Lembro-me daquele poema “A implosão da mentira”, que já tratava da relação mentira/história. Falava-se de pessoas que, paradoxalmente, mentiam sinceramente. E me ocorre lembrar a vocês uma das coisas mais engraçadas e desconcertantes que nos livros de filosofia é chamada de o paradoxo do mentiroso. É simples: quando um mentiroso diz que está mentindo, ele está falando a mentira ou a verdade?
Então, penso: tanta gente preocupada com a verdade sem se preocupar em conhecê-la por seu avesso complementar – a mentira. Repito: a história é (também) a estória da mentira. Mentiras fabulosas que sustentam a religião, a arte e a ciência.
Qualquer cientista respeitável sabe que a ciência (também) é feita de mentiras espetaculares. Todos os dias um cientista prova que um cientista antes dele estava errado. Einstein fez isso com Newton. Niels Bohr e Stephen Hawking fizeram isso com Einstein. Copérnico acabou com Ptolomeu. Vou lhes dizer: até Deus (imagino) se surpreende todos os dias. O diabo, não; o diabo se diverte.
Antes que me acusem de acreditar em Deus e no diabo, tomo a Bíblia a meu favor. Sempre gostei daquela interpretação do mito de Adão e Eva segundo a qual eles foram expulsos do paraíso porque comeram da árvore do conhecimento. Conhecereis a verdade e a verdade vos expulsará da ingenuidade. Se existe a árvore do conhecimento, existe também o desconhecimento. Paraíso é para os imaturos, para os felizes. Provar da árvore do conhecimento é uma condenação e uma libertação.
Então, já que estou pontuando aqui e ali o ensaio que (não) farei, lhes digo: o paradoxo está não só no mentiroso que fala a verdade, mas no fato de que a verdade pode ser mentira e a mentira pode ser verdade: na farmácia você encontra o remédio e o veneno. O que é veneno para alguns é remédio para outros e vice-versa. Hoje existe aí a Comissão da Verdade para apurar o que não foi apurado durante a ditadura.
Alguns dizem que a história da humanidade é a história da liberdade. Outros dizem que a história da humanidade é a história da escravidão. Não se pode estudar a verdade sem estudar a mentira. E essa é uma questão quântica: como o életron, que pode ocupar dois espaços ao mesmo tempo, a verdade e a mentira seguem dançando e ocupando lugares simultâneos na história.
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