quarta-feira, 8 de maio de 2013

Beba Tom Zé-Carolina Braga‏

O cantor baiano se une a jovens músicos de diferentes bandas e lança na internet o álbum O tribunal do feicebuque. Artista aposta na renovação como saída para a música brasileira 

Carolina Braga

Estado de Minas: 08/05/2013 




Tom Zé em meio aos parceiros do novo disco, integrantes dos grupos O Terno, Trupe Chá de Boldo e Filarmônica de Pasárgada


É certo que Tom Zé nunca foi das figuras mais tranquilas. Ainda bem que nem a idade tem feito o baiano de Irará diminuir o ritmo. Aos 77 anos, ao que consta, a casa do artista tem andado bastante cheia de colegas em início de carreira. Em sua própria definição: “Polvorosa”. “Parece quando eu era criança, que tinha lavagem da igreja de tarde, festa no clube de noite. A gente mal conseguia respirar. Estou nesse ritmo por causa desses jovens. Está uma agitação”, conta.

Não é só Tom Zé quem vem colocando em prática projetos em ritmo invejável. O contemporâneo de Tropicália Caetano, por exemplo, também anda esbanjando vitalidade e novidades, vide recente passagem por Belo Horizonte com o show Abraçaço. Gilberto Gil, por sua vez, conjugou banda e orquestra no retrospecto que faz da própria carreira Brasil afora. Cada um em seu estilo, o trio tem procurado se associar a bandas ou projetos ligados a jovens artistas.


O guitarrista Bem Gil, de 26 anos, integra o conjunto do pai ao lado do experiente Jacques Morelembaum e os efeitos eletrônicos de Eduardo Manso. Veloso e sua banda Cê provam estar cada vez mais azeitados. Tom Zé anda cercado pelo rapper Emicida, as bandas O Terno e Trupe Chá de Boldo, o músico Tatá Aeroplano e a Filarmônica de Pasárgada. Os tropicalistas dão sinais que se associar aos mais novos tem sido um bom antídoto para evitar a zona de conforto.


“Ou você aprende com o jovem ou está perdido. Não tenha dúvida”, reforça Tom Zé. O artista não tem mesmo por que duvidar disso. Nos dois últimos projetos – tanto o disco Tropicália lixo lógico quanto o recente Tribunal do feicebuque – não economizou nas parcerias. Mallu Magalhães, Rodrigo Amarante, Pélico e Washington são outros nomes com os quais andou criando. “Cada pessoa tem uma espécie de quintal onde ele tem um material que costuma usar. De repente, encontra outro que usa materiais e timbres diferentes, que vai para regiões distintas da experimentação”, explica.


Tribunal do feicebuque, composição de Marcelo Segreto, Gustavo Galo, Tatá Aeroplano e Emicida, deixa isso claro. O EP começa com o som que o Windows executa ao ser iniciado. “Tudo isso veio como apodo da linguagem, dos meninos. Como adereços”, continua Tom Zé. O álbum também tem samplers de propagandas antigas, em inglês, incorporadas à faixa Taí, gravada em 1977 para um comercial de guaraná. “Quando ouvi, pensei, ‘onde esses meninos arranjaram isso?’. É formidável”, elogia.


Quando pensa no modo como vem criando ultimamente, Tom Zé brinca dizendo ter a impressão de viver uma espécie de ficção científica. Tribunal do feicebuque nasceu como uma resposta do músico à variada repercussão nas redes sociais sobre a participação dele na locução de uma propaganda da Coca-Cola. A enxurrada de críticas paralisou Tom Zé.


“Estava naquele contrapasso em que você vai tomar impulso para reagir a um argumento contrário. São os argumentos contrários que botam a vida pra frente. Se eles não aparecessem você estaria morto”, diz. Foi uma sugestão do jornalista Marcus Preto que Tom Zé respondesse com música. Rapidamente as novas parcerias estavam montadas e a casa cheia em ação. O disco foi liberado para download gratuito no início de abril, no site www.tomze.com.br.

Filarmônica Integrante da Filarmônica de Pasárgada, Marcelo Segreto conhecia a obra de Tom Zé, não a pessoa. Ele estudou a fundo as composições dele para elaborar Estudando Tom Zé, uma peça a ser tocada pela filarmônica. Quando recebeu o telefonema com o convite, imediatamente se pôs a escrever sobre a polêmica. Ou melhor, se pôs a serviço do veterano.
“Ele é um cara muito inventivo e na gravação às vezes mudava uma letra segundos antes de gravá-la”, conta. O primeiro “dever de casa” repassado por Tom Zé foi um pacote com todas as mensagens negativas e positivas. Daí saíram expressões presentes na letra: “Tom Zé mané/ seu americanizado/ Quer bancar Carmen Miranda/ Tio Sam baixou em Sampa”. Os “meninos” surpreenderam Tom Zé.


Se a efervescência criativa fez com que ele se lembrasse dos tempos do tropicalismo, o modo como compõe avançou bastante. “Naquela época, tomava o táxi depois do almoço, porque era a hora que Caetano acordava, para mostrar o que tinha feito”, recorda. Hoje, vozes e bases transitam por e-mail. “É um tipo de diálogo que parece ficção científica. Parece que estamos brincando, principalmente eu, que nasci na Idade Média.”


O senso lúdico é evidente também no conteúdo. Sobram humor e ironia nas letras, nos arranjos e nas interpretações desse inusitado tribunal, que tira onda até com o recém-eleito papa Francisco (“E na cerimônia do beija-pé/ Papa Francisco perdoa Tom Zé/ No feicebuqui da Santa Sé/ Papa Francisco perdoa Tom Zé”). Quando analisa a própria carreira, Tom Zé reconhece que essa é uma marca dele. “Talvez isso tenha sido a coisa mais positiva do meu caráter”, reflete.


Para o músico e compositor, um dos diferenciais da geração de músicos que beira os 30 anos é que eles se formam naquilo que têm interesse. Graduado em música pela Universidade Federal da Bahia, ele se diz uma exceção: “Por acaso fui parar numa universidade, por acaso me formei em música com idade avançada”, recorda. “O Tom Zé é difícil de ser definido. Sabe fazer o convencional e o experimental”, elogia Marcelo Segreto.


Com elogios trocados, é de se deduzir que a parceria não só deu certo como terá continuidade. Além das cinco faixas disponibilizadas para download gratuito no site do artista, outras composições estão sendo finalizadas. As novas músicas vão integrar o disco cheio e o vinil, que devem ser lançados ainda esse ano.


A julgar pela empolgação de Tom Zé, a lógica da carreira dele agora é essa: reinvenção constante e coletiva. “O Ezra Pound disse que quando a poesia de um país começa a enfraquecer, o país vai perder o governo sobre si mesmo. Como a música no Brasil é muito importante, é o caso de dizer que as próximas gerações não vão ter problemas”, garante.



Saudade

A última vez que Tom Zé tocou em um palco de BH foi durante o Natura Musical, em junho do ano passado. Como depois disso lançou Tropicália lixo lógico e agora Tribunal do feicebuque, sente que está na hora de voltar. “Diga aos produtores de Minas que vou colocar meus pais de santo atrás deles”, avisa em tom de brincadeira. 

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