RAFAEL GARCIA
EM WASHINGTON
EM WASHINGTON
Um grupo de cientistas que ambiciona mapear todas as conexões entre as células do cérebro humano criou uma ferramenta diferente para tentar atingir seu objetivo: um videogame.
Ao colorir fotografias feitas por um microscópio, jogadores ajudam pesquisadores a construir imagens do cérebro em 3D.
O jogo Eyewire (www.eyewire.org) foi desenvolvido pelo laboratório do neurocientista Sebastian Seung, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Ao se ver incapaz de criar um sistema de inteligência artificial que desse conta de fazer o trabalho sozinho, o pesquisador concebeu o game como uma forma usar inteligência humana no serviço.
A ideia do cientista é usar o esquema do jogo para contribuir no mapeamento do chamado "conectoma", o conjunto de conexões entre todas as células nervosas do organismo humano. Neurocientistas esperam que, no futuro, esse mapa ajude a desvendar mistérios sobre o funcionamento da mente.
O jogo pede aos usuários que observem fotografias tiradas por microscopia e ajudem o computador a identificar o formato dos neurônios, as células cerebrais que se ramificam como árvores cheias de galhos.
Ao fazê-lo, os jogadores "pintam" as fotografias, como num software de desenho, para delimitar as células. A pontuação do jogo é dada conforme o tempo que o usuário leva para cumprir uma tarefa e a precisão com que o faz. (veja abaixo)
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Após cinco meses de lançamento, o Eyewire já atraiu 65 mil inscritos, sendo 365 deles brasileiros. Juntos, os jogadores analisaram mais de 1 milhão de pacotes de imagens liberados pelos cientistas.
A ideia por trás do jogo, porém, não é apenas aproveitar a habilidade visual dos usuários para processar dados. À medida que mais imagens são analisadas, a inteligência artificial do programa que administra o game "aprende" com a inteligência humana, e aos poucos os computadores descobrem como mapear os neurônios corretamente.
Apesar de possuir a iniciativa mais avançada para mapeamento do cérebro hoje, porém, o laboratório de Seung ainda não tem capacidade para mapear um cérebro humano inteiro.
"A tecnologia de imageamento avançou rápido demais, e hoje gera quantidades enormes de de dados em intervalos de tempo relativamente pequeno, por isso ainda não damos conta de analisar todas as imagens", disse à Folha Amy Robinson, cientista de computação que ajudou o laboratório de Seung a criar o game.
Até agora, os jogadores do Eyewire já mapearam 12 neurônios completos de camundongos e já possível ver seu formato tridimensional na "home page" do jogo. Foi um marco impressionante, mas ainda é uma mera fração daquilo necessário para mapear todos os neurônios do cérebro humano, que somam cerca de 80 bilhões.
CIÊNCIA CIDADÃ
Diante da enormidade do cérebro humano, Seung decidiu atacar o desafio começando por um camundongo. E o Eyewire, por enquanto, mapeia apenas a retina do animal --daí nome do jogo, que significa "fiação dos olhos" em inglês.
Apesar de estarem nos olhos, e não no interior do crânio, os neurônios da retina são parte do sistema nervoso central e são considerados parte do cérebro.
"Uma retina de camundongo típica tem alguns milhões de neurônios", diz Jinseop Kim, neurocientista envolvido no projeto. Ele explica que essa estrutura ocupa cerca de 4 mm cúbicos, enquanto o cérebro humano completo possui cerca de 1.200 centímetros cúbicos, ou seja, um volume 300 mil vezes maior. A esperança de usar a tecnologia para mapear os neurônios humanos, segundo os cientistas, está na expectativa de desenvolver uma inteligência artificial melhor. O trabalho humano, então, passaria a ser usado apenas nos casos mais difíceis.
Robinson também diz crer que o número de usuários do game tem potencial para crescer. O videogame Foldit, que inspirou o Eyewire, foi pioneiro em arregimentar leigos para ajudar cientistas e já soma mais de 460 mil usuários registrados. Seu objetivo é ajudar bioquímicos a desvendar a estrutura de proteínas. E o portal de "ciência cidadã" Zooniverse, que agrega várias iniciativas semelhantes em outras áreas da ciência, já possui 800 mil inscritos.
Jogar o Eyewire pode dar alguma diversão, mas alguns usuários não o consideram propriamente um videogame.
"Ele é mais um trabalho voluntário do que um jogo, mas é um bom passatempo", diz Ricardo Missel, empresário da área eletroquímica que hoje é o brasileiro com melhor pontuação no ranking do jogo. "Ele é gratificante porque permite a você ajudar uma equipe que ia levar 100 milhões de horas para fazer uma coisa dessas. Acho o projeto deles maravilhoso."
Os criadores do Eyewire já têm como plano uma segunda versão. "Nosso próximo projeto, um game que deve sair no início de 2014, vai mapear neurônios do córtex olfativo do cérebro de um camundongo para tentar identificar a base biológica de memórias associadas a cheiros."
NEUROCIÊNCIA EM FATIAS
As imagens usadas no Eyewire foram feitas pelo laboratório de Winfried Denk, do Instituto Max Planck para Pesquisa Médica, na Alemanha, que desenvolveu uma técnica de microscopia inovadora.
O cientista construiu dentro do tubo de seu microscópio eletrônico um ultramicrótomo, um dispositivo equipado com uma lâmina de diamante capaz de segmentar amostras de cérebro em fatias com espessura de 20 nanômetros (4.000 vezes mais finas que um fio de cabelo).
A ideia permitiu automatizar o processo de fatiar e fotografar as amostras, e o grupo está produzindo imagens digitais em preto e branco que somam dados da ordem de petabytes (trilhões de bytes).
Cada petabyte de imagens equivale a cerca de 1 bilhão de imagens, mas todo esse número soma apenas um único milímetro cúbico de tecido neuronal. O mapeamento de todos os neurônios de um mamífero, estima Seung, produziria dados a uma taxa maior que o LHC, o acelerador de partículas gigante que realiza o maior experimento científico em andamento hoje.
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