Deu-se que, arriado o calhau, voltei para a sala a bordo de imenso charuto
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 08/05/2013
Certas
perguntas exigem respostas no mais puro português açoriano, falado, como
sabe o leitor, na Região Autônoma dos Açores, arquipélago
transcontinental e território autônomo da República Portuguesa, dotado
de autonomia política e administrativa consubstanciada no Estatuto
Político-Administrativo da Região Autônoma dos Açores, arquipélago que
integra a União Europeia. “O que foi que o senhor aprontou no
banheiro?”, quis saber a comadre. “Arriei o calhau”, respondi. Deu-se
que, arriado o calhau, voltei para a sala a bordo de imenso charuto,
quando a operosa funcionária descobriu que minava água debaixo do
abençoado bidê. Não era muita, mas também não era pouca, e o piso do
banheiro, fora do boxe, não tem ralo. A julgar pela quantidade de H20
acumulada ao cabo de duas horas, o precioso líquido não invadiria o
assoalho do apê, mas o negócio era preocupante e começou a me aborrecer.
Logo me dei conta do absurdo: ficar preocupado com uma aguinha, quando
as tevês nos mostram cenas pavorosas de enchentes nas casas de gente que
perde todos os móveis, quando não perde a casa e a vida. Duvido que
alguém não se entristeça com as matérias televisivas, elas sim,
preocupantes, seriíssimas, aparentemente insolúveis. Fio de água
brotando debaixo do bidê permite que se faça um suelto, uma brincadeira
inadmissível nas enchentes filmadas e exibidas nas tevês. Entre mortos e
feridos, o encanador pintou no pedaço, desmontou o bidê, descobriu os
vazamentos, corrigiu os erros e aqui estou, tranquilizado, para reportar
o fato. E o calhau, pelo andar da carruagem, depois de navegar pelo Rio
Paraibuna deve ter alcançado o Oceano Atlântico, a milhares de
quilômetros dos Açores.
Dificuldade
Não
tem bóson de Higgs, não tem Teoria dos Quanta, não tem robô-laboratório
Curiosity no planeta Marte. Até falar sânscrito deve ser fácil, como vi
num casamento tâmil-nadu no Automóvel Clube de Minas Gerais. Difícil,
mesmo, é acompanhar dois netos na escolha de tênis em Juiz de Fora,
cidade-polo da Zona da Mata. Ganhar os dois pares foi fácil. Bastou um
telefonema do Sebastião Bomfim, maior locador de áreas de shopping da
América Latina, para seu gerente Renato, excelente mineiro, 17 anos de
casa, amigo e fã do patrão, para que a equipe da Centaurus ficasse à
nossa disposição. Renato e cinco vendedores, isto é, doadores, porque os
dois pares foram presenteados. Entre os cinco, linda moça de sobrenome
Saar, que julguei árabe, mas é alemão, noiva, simpática, educadíssima.
A
partir daí começou a inana, substantivo de etimologia obscura, se bem
que o Aurélio diga que foi o nome da mulher que trabalhava num
espetáculo de ilusionismo, flutuando do espaço. Em rigor, só faltou o
avô flutuando no espaço durante hora e meia. Primeiro susto: um dos
netos encantou-se com um par de tênis que custa R$ 1 mil. Sapato leve
suposto de ser próprio para corredores de alta performance. Quase tive
um treco só de imaginar o neto correndo feito Usain Bolt, sem falar da
indignação mais que justa do nosso Bomfim. Recorri, no ato, aos
argumentos que usava nos quatro dias em que fui advogado do Sindicato
dos Padeiros do Estado da Guanabara e o par foi posto para corner, que o
pessoal da narração esportiva traduziu para escanteio. O mostruário da
imensa loja tem milhares de tênis, o que significa buscar no depósito
milhares de caixas com os números desejados. Renato e equipe devem ter
feito 200 visitas ao depósito, trazendo de lá, às dúzias, os pares que
seriam experimentados. Foram-se as horas do meu lanche, do primeiro
charuto noturno, dos telejornais que assisto, até que reduzi o prejuízo
do Bomfim a R$ 700, um par de R$ 400, outro de R$ 300. Donde se conclui
que é melhor não concluir nada, agradecendo ao doador dos calçados e
jurando nunca mais acompanhar os netos em missão complicada.
O mundo é uma bola
8
de maio de 589: Recaredo I convoca o Terceiro Concílio de Toledo e, até
hoje, 8 de maio de 2013, nunca ouvi falar de Recaredo I. Acabo de
descobrir que era rei visigodo, o mais jovem dos filhos das primeiras
núpcias de Leovigildo – e aí as coisas começam a fazer sentido: meu
Flamengo teve um lateral esquerdo chamado Leovigildo ou Leovegildo Lins
da Gama Júnior, mas conhecido como Júnior. Recaredo reinou de 586 a 601
e, a exemplo de seu pai, fez de Toledo a capital do reino. O III
Concílio de Toledo serviu para confirmar a conversão de Recaredo ao
catolicismo. Em 1541, o explorador espanhol Hernando De Soto, que
séculos depois seria marca de automóvel, descobre o Rio Mississipi.
Coincidências: tive um De Soto no Rio e me perdi nos braços de
Antoinette numa praia do Mississipi River, em noite de Lua cheia. Em
1758, diz a Wikipédia, foi abolida a escravidão dos índios no Brasil, e
em 1794 a Revolução Francesa guilhotinou Lavoisier, o Pai da Química.
Que se pode esperar de revolucionários franceses? Hoje é o Dia do
Artista Plástico e o Dia do Profissional de Marketing.
Ruminanças
“As apetecíveis fazem amor enquanto as muito feias estudam, escrevem livros e fazem palestras sobre sexo.” (R. Manso Neto).
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