Federação de obstetras lança norma para
padronizar a prescrição de remédios contra náusea e vômito. Substância
recomendada não provoca danos ao embrião
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 03/05/2013
Wilka Gusmão
Silva, de 22 anos, já trabalhava tempo suficiente na lanchonete do primo
para se acostumar ao constante cheiro de óleo de fritura na cozinha.
Mas um dia, enquanto hambúrgueres, batatas fritas e outros pratos eram
preparados, ela sentiu um peso no estômago. A história repetiu-se duas
vezes até Wilka, aconselhada por parentes, fazer o exame de gravidez.
Náuseas e vômitos inexplicáveis em jovens saudáveis são indicativo
certeiro de gravidez. E Wilka, como esperado, estava havia quase dois
meses com Gustavo na barriga sem saber. A surpresa alegrou a família,
mas os sintomas que vieram avisá-la da novidade não a deixaram por mais
seis meses.
“Não aguentava mais. Continuei enjoando com tudo,
principalmente com cheiros. Até deixei de usar meu perfume”, lembra. O
pior efeito colateral de que Wilka, hoje com 36 semanas de gravidez,
conseguiu se livrar foi a sonolência causada pelo medicamento inibidor
das constantes náuseas. “Como tenho anemia, achei que seria o pior, mas
não aconteceu nada. Meu problema foi o sono de manhã. Não conseguia
acordar, por causa da medicação, nem para comer”, relata. Ela ingeriu um
dos medicamentos mais receitados por obstetras para enjoos durante a
gestação, mas com esse efeito colateral que tanto incomoda as gestantes.
O quadro, porém, deverá mudar.
A Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) oficializou, na
semana passada, a normativa para o tratamento de náuseas e vômitos na
gestação. A nova regra, apresentada durante o 46º Congresso de
Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal, é resultado de uma
revisão da literatura médica e padronizará o receituário no país.
A
recomendação oficial é de que a gestante inicialmente adote orientações
dietéticas com uma combinação de piridoxina (vitamina B6) e extrato de
gengibre. A diferença principal dessa droga para as prescritas
atualmente está no fato de ela ser a única combinação disponível no
Brasil considerada classe A pela Food and Drug Administration, agência
de vigilância sanitária americana.
Segundo o ginecologista
Corintio Mariani Neto, autor da normativa da Febrasgo e doutor em
tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas, medicamentos da
categoria A são aqueles que não oferecem perigo ou qualquer consequência
para o embrião durante todo o período de gestação. “Inclusive no
primeiro trimestre, que é a época mais sensível e delicada, além de ser o
momento em que mais ocorrem náuseas e vômitos.” Mariani Neto explica
que os remédios indicados hoje são de categoria B, o que não quer dizer
que são proibidos, mas que a segurança para o bebê não é absoluta. “Eles
agem diretamente no sistema nervoso central da mãe e costumam provocar
sonolência. É complicado usar pela manhã e deixar a gestante dirigir um
carro, ir trabalhar. A piridoxina e o gengibre não têm esse efeito”,
compara.
As náuseas e os vômitos na gestação atingem de 55% até
90% das grávidas, sendo que um terço delas tem o dia a dia bastante
comprometido por conta desses sintomas, que podem se manter por todo o
primeiro semestre da gravidez. Publicações indicam que um pico dos
enjoos ocorra entre a nona e a décima semana. “A mulher acorda com algum
grau de náusea, vai ingerir alguma coisa, aumentando o enjoo. Algumas
só com o sabor da pasta de dente conseguem sentir essa sensação se
acentuando”, descreve Mariani Neto.
Essa é a exata descrição de
Sheila de Moraes Teixeira, de 31 anos, prima de Wilka. Ela está na
quarta gestação e sentiu as náuseas aumentando com o nascimento de cada
filho. “É todo dia e toda hora. Não tem remédio que adiante. Cada
gravidez é uma gravidez e eu só comecei a enjoar na segunda. Estou quase
ganhando (tendo o bebê) e continuo passando mal”, lamenta.
A
situação de Sheila é limítrofe para a hiperêmese gravídica, doença
diagnosticada no início da gravidez da princesa Kate Mid-dleton, esposa
do príncipe inglês William (leia Saiba mais). Ela começou tomando níveis
mais leves de um composto com dimenidrinato como princípio ativo. Mesmo
agora ingerindo uma alta dosagem da substância, indicada pelo médico, a
mãe de Ítalo não resolveu o problema. A solução poderia estar na
ondansetrona, prescrita para enjoos provocados por quimioterapia e
radioterapia, e pós-operatórios. A indicação, apoiada pela Febrasgo para
casos do tipo, pode parecer um pouco assustadora, mas o remédio também
pertence à categoria B, só que não provoca alterações no sistema nervoso
central.
Precauções essenciais
Confira as recomendações alimentares para os quadros de náuseas e vômitos na gestação
» Beber pequenas quantidades de líquidos, várias vezes ao dia, principalmente água e sucos de frutas
»
Adotar uma dieta fracionada: ingerir pequenas quantidades de alimentos
com mais frequência (cada duas ou três horas) em vez de grandes
refeições
» Evitar ficar com o estômago vazio: fazer lanches ligeiros entre as refeições
» Ao acordar, comer um biscoito seco, do tipo água e sal,
antes de sair da cama
» Evitar alimentos gordurosos, condimentados ou picantes
» Evitar alimentos com cheiro que incomode
» Aproveitar ao máximo o melhor tempo do dia, ou seja, comer
quando se sentir melhor ou sempre que sentir fome
» Deitar-se quando estiver enjoada
Fonte: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)
Saiba mais
Mal-estar persistente
A
hiperêmese gravídica é quando as náuseas e os vômitos são persistentes,
frequentes e, às vezes, intensos. Ou seja, não cedem facilmente aos
tratamentos simples e progridem até causar distúrbios nutricionais e
metabólicos, como a perda de peso acima de 4% do valor interior e a
desidratação. Outras doenças que causam náuseas e vômitos, como a
infecção urinária e a apendicite, precisam ser descartadas antes do
diagnóstico definitivo. A hiperêmese gravídica tem uma incidência
variável e que depende das condições socioeconômicas do local. É
registrado um caso em cada 500 grávidas.
Congresso em bh
Belo
Horizonte sedia esta semana o 6º Congresso Mineiro de Ginecologia e
Obstetrícia. O evento, promovido pela Associação dos Ginecologistas e
Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), ocorre no Minascentro. Hoje, entre
os vários temas de
debates médicos, estão o HPV (papiloma vírus humano), o parto seguro e a endometriose.
Cuidados com os suplementos
Antes de lançarem
as regras para o tratamento de náusea e vômito, os representantes da
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(Febrasgo) debateram com os participantes do 46º Congresso de
Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal o consumo de diversos
suplementos durante a gravidez, como o ácido fólico, o ômega 3 e a
vitamina D. A bancária Dianne Andresa Oliveira dos Santos, de 25 anos, é
uma das gestantes que seguem algumas dessas recomendações. Ela está no
sétimo mês de gestação e, desde o início, toma um suplemento de ácido
fólico, recomendado pelo obstetra. O ideal era que a ingestão tivesse
sido iniciada antes da gravidez, mas Vitória chegou de surpresa. De
acordo com uma normativa anterior da Febrasgo, o consumo de ácido fólico
é indicado para prevenir dois defeitos de formação do tubo neural, que
dará origem ao sistema nervoso central do bebê: a anencefalia (ausência
parcial do encéfalo e da calota craniana) e a espinha bífida (formação
anômala dos ossos da coluna vertebral).
A recomendação é que as
mulheres que desejam ter filhos consumam 400 microgramas por dia de
ácido fólico durante pelo menos um mês antes de engravidar e ao longo do
primeiro trimestre de gestação, que é o período em que o tubo neural
está em pleno desenvolvimento. “É feita uma norma porque ficaram
comprovados problemas de proteção do bebê e que a mulher já deveria
engravidar com uma quantidade reserva de ácido fólico para não haver
risco. O que visamos são ações de promoção de saúde do bebê e que a
mulher fique antenada quando vai procriar”, detalha o presidente da
Febrasgo, Etelvino de Souza Trindade. Ele acredita que as recomendações
são também uma forma de auxiliar a gestante a evitar intervenções mais
agressivas no futuro, optando por ações padrão feitas de forma
progressiva, como a suplementação. (BS)
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